Sentei-me num colchão improvisado com almofadas no chão da saleta de um quartoesala e comecei o jogo.
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– por que veio?
– porque estou doente.
– e o que você sente?
– eu sinto muito. sinto muito das pessoas, dos acontecimentos todos, da vida, que me atravessa. sempre estive assim, doente.
– mas no que isso atravanca tua vida?
– eu saio atropelando tudo, doutor.
– como é isso?
– é uma coisa que me dá e eu fico por muito tempo sem controle, agindo no pulso, impulso, pulso, impulso, pulso.
– mas no que objetivamente isso te afeta?
– eu não paro de escrever, doutor. eu risco paredes, papéis, contas, livros, até o chão, até minha pele, doutor.
– sempre de próprio punho?
– às vezes com giz, outras com caneta tinteiro preta, lápis 2b…. sabe que às vezes, doutor, é um texto que invento cá com os meus botões, mas que nunca que é materializado.
– você chega ao ponto de ter uma verborragia?
– muitas vezes, doutor, muitas vezes.
– hum. vômitos?
– vermelho, muito vermelho.
– outros sintomas, como náusea, agitação, impulsos criativos diversos?
– todos.
– vamos fazer alguns testes para avaliar o seu caso.
Publicado no livro “O telefone tocou novamente” (trecho – dramaturgia)