– Eu sou a estrada do abandono
por onde erram as memórias
dos que da estrada esqueceram
– Eu sou a estrada do abandono
deságuo num rio seco para
cotidianamente parir a minha raça
– Eu sou a estrada do abandono
e devoro meus filhos e a sua fome
pela sede de veneno que me rói
a língua o dente a cepa
– Eu sou a estrada do abandono
tempero as vísceras de quem me escreve
quem me diz quem me lê
– Eu sou a estrada do abandono
de poeira não passo
e sou mais densa que o mundo
– Eu sou o sorriso da morte quando
a sete pés o ataúde
se desprende vida da terra
– Eu sou o sorriso da morte quando
enlutados brindam o defunto
mais um trago de ilusão