Longe, muito longe, escondido em serras altas, que se chamam os Andes peruanos, pois ficam em um país que se chama PERU, existe um grande lago azul, o lago Vilafro. É ali que nasce o nosso querido rio Amazonas, o maior rio do Brasil e o primeiro no mundo.
Neste lago, há uma gota de água cujo nome é Plimplim; ela é alegre, curiosa, inteligente e irrequieta. Vive conversando com todo mundo.
– Estou cansada de morar aqui… É sempre a mesma paisagem, o mato queimado, o gelo das montanhas, a água gelada…
– Mas a paisagem aqui é tão bonita! – comentou um peixe que ia passando, intrometendo-se na conversa.
– Apesar da neve e do frio, temos flores colorindo o mato…
O Peixe, recostado confortavelmente no fundo do lago, mostrava-se interessado na conversa.
– Mas eu gostaria tanto de ver o que existe lá embaixo, além dos vales! Tudo que você fala, quando volta de suas viagens…
– Cuidado, Plimplim! viajar é bom, mas… Ir tão longe é uma grande aventura!
– Ótimo! Esta calmaria me deixa triste! Gelo, mato queimado, poucos bichos… Só lhamas, vicunhas e condores… Queria tanto conhecer outros bichos!
– Não é bem assim, minha filha, – falou o Lago com voz triste. Acho tudo tão lindo aqui! E suspirou.
– Sim, papai. Mas… como serão os outros peixes e as outras águas? Serão azuis e cristalinas como nós?
– Certamente, acho que toda água é igual, ele respondeu engrossando a voz, como se conhecesse todas as coisas.
– Desculpe, mas não são iguais, amigo Lago, explicou, cauteloso, o Peixe viajante.
– Ah! Não? Pois então como viu as outras águas? Perguntou o Lago com superioridade.
– Algumas são claras e verdes, como as do rio chamado Tapajós, outras são negras, como as do rio Negro. E, ainda, brancas, como no Putumayo e amarelas como no Amazonas. Mas, francamente, águas azuis e transparentes como aqui, nunca encontrei, não…
– Viram? – exclamou o Lago vitorioso.
– Somos os mais bonitos!
– Por que será que as águas são tão diferentes? – quis saber Plimplim.
O Peixe remexeu-se e acomodou-se melhor. Pigarreou, importante, e respondeu:
– Isso depende do terreno por onde a água passa. O rio Negro, por exemplo, vem da Colômbia, de onde a chuva e a idade da terra levaram todo alimento; é um solo pobre, contendo apenas húmus e metais, sobretudo o ferro: por isso a cor é escura.
– Ih! deve ser terrível nadar em água escura! Gosto de ver a luz do sol brincando na água, comentou um peixe pequeno, que nunca saíra do lago. Acho que ficaria cego em um lugar assim…
– Qual cego, nada! – retrucou um Tucunaré revirando os olhos redondos, como para mostrar que enxergava muito bem.
– Andei pelas águas escuras e enxergo tudo. Vejam! – e arregalava os olhos, com jeito engraçado.
Passavam os dias e tudo era igual: o verão com chuva e a seca; depois o outono e as folhas caíram salpicando o chão, como tapete macio. E, por fim, chegou o inverno. A neve. O frio cortante e intenso. O sol brilhando tão fraco que nem um pouquinho de calor podia mandar…
Plimplim sentiu-se mais triste.
– Como serão os rios lá embaixo, com suas águas aquecidas, dos quais o Tucunaré fala tanto?
E, finalmente, veio outra primavera. As neves viraram água e escorriam como sorvete do alto dos picos. Os rios enchiam e os lagos também. Vários peixes e animais A Gota e o Boto 15 chegavam de longe, com novidades. Plimplim, alvoroçada, apressou-se em participar das conversas.
Uma tarde apareceu no lago uma ave de penas cor-de-rosa, alta, elegante. Plimplim nunca tinha visto antes criatura tão graciosa. Caminhava com outras iguaizinhas a ela, conversando, beliscando, aqui e ali, a comida no chão.
Plimplim aproximou-se da praia. Perguntou:
– Quem são vocês?
Elas pareceram assustadas. Procuraram em volta e não viram quem tinha falado.
– Como vocês se chamam? – repetiu a Gota, empertigando-se toda, para que fosse vista.
– Oh! Ali! – exclamou a ave, percebendo a pequena Gota.
– Como vai, garota?
– Vou bem… E vocês, quem são? – insistiu curiosa.
– Somos flamingos, respondeu a fêmea. Estamos vindo de longe passar a primavera. Amanhã, chegará o resto do grupo e as margens do seu lago ficarão cor-de-rosa…
– Vocês conhecem o rio da planície?
– Claro! Estamos vindo de lá.
– Contem como é, por favor! – pediu Plimplim.
– É muito bonito! Os rios descem daqui, vão encontrando outros, vão engrossando, até formar o Amazonas, que é tão grande que parece um mar…
– Ah! quem me dera ver o mar… E os grandes rios… Tenho tanta vontade de viajar!…
– Mas é muito perigoso, querida. Você não voa…
A ave olhou a Gota com um arzinho de superioridade e continuou:
– Veja bem: nós voamos e ainda assim, às vezes, é muito difícil!
– É… Eu não voo… – disse Plimplim com tristeza. Que posso fazer? Vocês me ensinam a voar?
Havia uma esperança em sua voz.
– Xi! Será que você aprende? Você não é ave. Água não voa, garota… Apenas salta e nada…
– Oh! Seja boazinha e ajude-me! – a Gota pediu.
– Quero tanto viajar por este mundo afora..
– Vamos ver… Nós vamos ficar até o fim do verão. E, talvez, juntos possamos achar um jeito de você vir conosco, quando voltarmos para os grandes rios.
Plimplim, naquela noite, dormiu com o coração feliz e sonhou com rios, sucuris, lagos e bichos estranhos, que ela nunca vira… Quase no fim do verão, o sol mal acabava de nascer, os flamingos chegaram à beira do lago e chamaram Plimplim.
– Garota, nós já estamos prontos para partir.
– Que pena! Aprendi a gostar de vocês! Vou sentir saudade…
– Você quer mesmo viajar, conhecer o mundo lá fora? – perguntou a flamingo fêmea.
– Claro! – respondeu Plimplim animada, saltando para uma pedra.
– É o seguinte: viajaremos junto com o grupo. Você irá nadando, nós andando pelas margens ou voando. Nessas horas, levarei você em minhas asas. Está bem assim?
– Está ótimo! Que beleza! Vou conhecer o mundo, afinal!
– Mas pense bem… Há muitos perigos, muita coisa pode acontecer e eu tenho receio de não poder ajudar sempre que você precise de mim…
Plimplim pensou. Depois, sorrindo, respondeu:
– Estou decidida! Sei que não vou poder contar com você toda hora; tenho de aprender a cuidar bem de mim, sozinha. Quero tentar, apesar das dificuldades..
– Se é assim, já que é tão decidida e corajosa, venha conosco amanhã bem cedo.
– E… Seja o que Deus quiser!… Plimplim despediu- -se do lago pai, das irmãs, dos parentes e amigos, dos peixes, das flores, das lhamas, dos ichus1…
– Será que lá existem lhamas também? – perguntou uma das lhamas.
– Não sei… Respondeu a Gota, alisando carinhosamente o pelo fofo da amiga, que sempre pastava pelas margens do lago. Mas, quando voltar, contarei a vocês como são as lhamas de lá…
– Muito bem, elas disseram. Até a volta! E choraram pequenas gotas de saudade…
Plimplim também estava saudosa. E confusa. Iria enfrentar uma vida diferente, em lugares estranhos; com quem choraria suas mágoas? A quem pediria conselhos? O que haveria naquele vale verde que a atraía tanto?
Plimplim chorou ternura, quando, afinal, se despediu. Seu coração estava triste. Ouviu silenciosamente os conselhos de papai Lago, das irmãs, dos amigos. Depois de abraços e beijos, ela, entre feliz e saudosa, acenando adeus, partiu, acompanhando o bando alegre de flamingos…
As lhamas, pequenos cavalos peludos que vivem nos Andes, acompanharam-na até a descida da serra. Afinal, era hora de voltarem.
– Boa viagem, garota! Até breve! – disseram.
– Até breve! Plimplim respondera, acenando com a mão. Ela nadava no rio Hornillo, descendo a serra, abandonando o lago. E Plimplim sentiu, pela primeira vez em sua vida, uma gostosa sensação de total liberdade…
Um dia, perto do amanhecer, Plimplim acordou e ficou quieta, observando o local aonde havia chegado. Logo, ouviu uma voz desconhecida:
– Bom-dia! Acordou agora? Você não é daqui, pois não? – perguntou uma gota de água barrenta, que chegava limpando os cabelos, os braços e os cotovelos, cheios de barro.
– Não, não sou… – respondeu Plimplim, meio ressabiada.
– Logo vejo, está tão limpinha! Olhe o meu estado! Venho de umas terras caídas. Sujei até meus belos cabelos! E, aborrecida, limpava os cabelos com movimentos rápidos.
– E onde você sujou assim seus cabelos? – perguntou Plimplim, afastando-se discretamente para não ficar suja também.
– No grande rio. Aquele a quem chamam de Amazonas. Muito bonito, mas, às vezes, sujo demais para meu gosto… Argh!
– E não é para lá que estou indo? Que lugar é este?
– O rio Ucayali. Quando ele encontrar o rio Marañon, vai chamar-se Solimões; quando encontrar o rio Negro, vai chamar-se Amazonas. Aí, sim, você verá muita terra caída! Como eu senti na pele!…
– Ih! É complicado! – comentou Plimplim.
– Não é tanto assim. Os rios nadam, vão encontrando pelo caminho outros rios, param por instantes, conversam, trocam informações, juntam-se e formam outros rios maiores. Depois de algumas idas e vindas, a gente aprende e não atrapalha mais… É sua primeira viagem?
– É… Plimplim estava envergonhada. – Nunca saí de perto do meu lago pai.
– Sempre tem uma primeira vez… Falou a gota sabiamente. Você vai gostar: é tudo muito lindo!
– Você nasceu aqui? Meu nome é Plimplim; nasci na Cordilheira dos Andes, em um lago azul, chamado Vilafro.
– Não sou daqui; vim brincar no rio Apurimac porque gosto de pular corredeiras. Você passou por elas agorinha mesmo. Se não viu, é porque estava dormindo; e que sono, hein, menina? O Apurimac é um rio danadinho de tumultuado… Sou da Colômbia, nasci no rio Putumayo. Os brasileiros, onde corre o Amazonas, chamam meu pai de rio Içá. Sou uma gota bem branquinha, porque as águas de meu pai são bem clarinhas… O barro do Solimões me deixou toda amarela. Meu nome é Mina. Podemos ser companheiras de viagem?
– Claro que sim! Vai ser delicioso ter uma companheira igual a mim! Mina, quero descer o rio com você. Mas… Não haverá um jeito de evitar que me suje?
– Não vejo como: você é água como eu; fatalmente vai misturar-se com o barro…
– Vou assim mesmo! Se o barro sujar meus cabelos, limpo! Veja: você está agora uma linda gota branca!
E voltaram ao Apurimac. Um dia, Mina falou:
– Plimplim, aproveite e olhe bem esta paisagem. Logo ela será bem diferente. Essa cor marrom, que o sol forte e o frio fazem, lá embaixo vai ser verde e amarela. Você não verá mais vicunhas, lhamas e condores; mas não se preocupe: é tudo mais bonito lá. Vamos agora entrar na minha terra, a Colômbia.
Plimplim jogou um beijo para o rio Apurimac, saudosa dos saltos que haviam dado em suas corredeiras. Olhou com saudade suas serras. E, resolutamente, respondeu:
– Vamos, Mina.
Ainda saltaram as corredeiras, evitando os redemoinhos, quando Plimplim reencontrou Mutá e seu grupo de flamingos bebendo água. Apresentou sua nova companheira de viagem.
– Oi, garota, disse Mutá alegremente. Que tal a viagem? Não conseguimos acompanhá-la. Você vai muito mais rápido que nós…
– Estou gostando muito, Mutá; e, vocês, voaram alto?
– Voamos. Da próxima vez, vou levar as duas para verem os rios, a selva verdinha… Já conheceu muitos bichos novos?
– Sabe… Já vimos tucunarés, garças de penas brancas, muito elegantes, plantas diferentes do Ichu. É maravilhoso viajar!
– Ainda tem muito o que ver… A viagem apenas começou.
2
Os dias passavam e Plimplim, acompanhada por Mina e os flamingos, continuava a viagem.
– Estou ansiosa para ver o encontro das águas do Solimões e depois o rio Verde… – comentou ela um dia com Mina.
– O Tapajós? – perguntou uma sucuri enorme, que, enroscada ao tronco de uma velha árvore na margem do rio, ouvia silenciosamente a conversa.
– É este sim, dizem que é lindo! – Plimplim confirmou.
– E é mesmo… A Sucuri resmungou com voz fanhosa. O rio Verde é o mais bonito que existe. E olhem que corro todos os afluentes do grande rio até a foz…
Plimplim disfarçadamente olhou a Sucuri: era muito grande! Nunca vira uma cobra grande assim!
– A senhora quer descer o rio conosco, mostrando- -nos as coisas? Às vezes tenho medo…
– Medo? A Sucuri berrou e agora sua voz era rouca. – Tenho raiva de quem tem medo! – E abriu uma boca tão grande, balançando o corpo de tal jeito que parecia querer engolir as duas gotas de uma só vez…
– Não! Não quero ir com vocês, ora essa! Gosto de descer o rio quando me dá vontade… Não vou sair por aí à toa com duas insignificantes gotas de água… Ora essa! E cuspiu na terra uma saliva escura, feia, fedorenta.
– Mas eu pensei que… Começou a falar Plimplim.
– Pois pensou errado. ER-Ra-Dodooo! Berrou a Sucuri, cortando a conversa, irritada.
Plimplim percebeu que a cobra estava zangada; tremeu de medo e calou a boca.
A Sucuri continuou:
– Não quero ir e pronto! Só faço o que quero e quando quero, ora essa! E cuspiu novamente.
Mina procurou acalmá-la, fingindo não ter medo:
– Não precisa ficar tão nervosa; só queríamos sua companhia porque a achamos tão… Simpática, não é, Plimplim?
– É… É… – respondeu Plimplim tremendo.
– Pouco me importa o que os outros pensem de mim. Até logo, meninas! Vou sair para caçar. Lá está um belo cavalo, forte e gordo, esperando por meu abraço… Rá, rá, rá!… Desenroscando-se da árvore lentamente, a Sucuri foi soltando o corpo com movimentos vagarosos, olhando a paisagem com indiferença. O cavalo pastava tranquilo. Ela foi arrastando-se na direção dele, foi, foi zás! Pulou no coitado e começou o abraço mortal, com que prende suas vítimas.
As gotas estavam atordoadas, olhando a cena sem dizer uma palavra.
– Não liguem para a Sucuri, falou uma voz grossa e arrastada. Ela é fria, egoísta e não tem amigos, portanto.
– Quem falou? – perguntaram as duas, ao mesmo tempo.
– Eu, o Peixe-boi, respondeu rindo uma criatura grande, de pele gordurosa, brilhante, com olhos cinzentos. Um focinho estranho tornava seu rosto não muito simpático.
– Peixe-boi? Nunca vi nenhum peixe igual a você!
– Sou feio assim mesmo, mas sou um bicho amigo. Posso acompanhar vocês até um trecho da viagem, se quiserem.
– Obrigada, queremos sim! É tão bom ter amigos, disse Plimplim.
– Que criatura mal-humorada aquela Sucuri, comentou Mina, ainda aborrecida com o que havia acontecido. Mas que é um animal bonito, lá isto é! Aquele tamanho todo, a cor cinza esverdeada com as manchas escuras pelo corpo…
– As sucuris não têm veneno, explicou pacientemente o Peixe-boi. Mas seu abraço é tão forte que mata qualquer animal de arrocho e pode ficar dias e dias comendo sua caça, engolindo aos poucos, até se fartar. Só, então, solta o abraço mortal e vai fazer a digestão em paz, nas matas próximas aos rios. Ela é serpente, rasteja, é um réptil.
– Que quer dizer réptil? – quis saber Plimplim.
– São animais que podem viver na água e na terra; têm corpo frio, pele grossa. Põem ovos. No caso da Sucuri, elas têm fortes anéis espalhados pelo corpo, para matar a caça por compressão. Elas não possuem veneno, matam de arrocho. O bicho-homem chama-as de anaconda e outros apelidos.
– Ah! Muito bem! Mas vamos agora deixar dona Sucuri para trás e cuidar da nossa viagem, falou Mina.
O Peixe-boi fêmea aproximou-se e as gotas notaram que um filhote estava grudado nela, mamando, enquanto ela, com as grandes nadadeiras perto do peito, o abraçava, emitindo sons de lamento, tristes, parecendo suspiros. Eram animais grandes. Plimplim perguntou:
– Que tamanho vocês têm?
– Não somos tão grandes quanto as sucuris que chegam a medir até 12 metros de comprimento. Nós adultos temos 2 m por 1,5 m de largura e pesamos até 500 quilos.
Plimplim e Mina já se haviam acostumado à feiura dos peixes-boi. Haviam aprendido a gostar deles, ao vê-los comendo canaranas e outras gramíneas que atravancavam os rios, a amamentar e proteger seu filhote. Observaram o carinho e os cuidados da fêmea com o filhote.
Chegaram ao rio Içá ou Putumayo, em terras colombianas, onde nascera Mina. Ela apresentou a nova amiga à família e aos amigos. Numa manhã estavam todos brincando na margem do rio, quando as gotas observaram uma tartaruga pachorrenta, que subia à praia calmamente como se tivesse todo o tempo do mundo. As gotas seguiram-na e tentaram conversar.
– Tudo bem, dona Tartaruga?
O animal parou, foi virando a cabeça bem devagar e procurou quem estava falando.
– O quê? – perguntou. – Perguntei se está tudo bem, disse Plimplim. Na verdade, o que queremos mesmo é ter cada vez mais amigos, sabe?
– Não está tudo bem, não, minhas filhas. O bicho-homem anda destruindo as matas, queimando e cortando as árvores. Sujando os rios. Enfim, acabando com tudo! Mal sabe ele que, se continuar desse jeito, este planeta não servirá nem para ele próprio morar! Coitado do bicho-homem! Tão metido a prosa e nada sabe!…
– É mesmo, dona Tartaruga? Eu pensei que ele soubesse tudo! – disse Plimplim espantada.
– Pensa que sabe, isto sim! Porque, se soubesse, não andava acabando com tudo: nossas árvores, nossos bichos, nossos rios… A Tartaruga suspirou. Deixa para lá. Um dia ele vai arrepender-se de não ter cuidado com carinho da morada que recebeu de graça… Deixa pra lá…
– E por que a senhora, que sabe o mal que ele faz, não vai falar para ele? – perguntou ingenuamente Mina.
– E virar tartarugada? – tremeu dona Tartaruga. Deus me livre, minha filha. Não quero ver o bicho-homem, quanto mais falar com ele! Venham ver: vou botar meus ovos aqui e escondê-los na areia. Depois de alguns dias, as tartaruguinhas abrirão a casca e sairão, mais ou menos, umas duzentas. Daí nadarão para o rio, onde terão de defender-se contra os bichos que as comem… – É uma luta pela vida, pois não? Deixa pra lá! No fim, tudo acaba dando certo!
– E não há bicho-homem bom? – quis saber Plimplim.
– Felizmente, há. Aqueles que se preocupam com nossa morada: protegem as matas, os bichos, até as pequenas tartaruguinhas eles ajudam a crescer para sobreviverem… Deixa pra lá! Acho que um dia todos terão que aprender… Deixa pra lá!
As gotas ficaram observando a Tartaruga botar os ovos; eles eram brancos, grandes, parecendo recobertos de papel fino. Eram colocados em um buraco cavado na areia pela própria Tartaruga. Viram seu corpo atarracado, protegido por uma concha dura sobre o dorso, como um escudo e achatada no ventre. Era como uma couraça para protegê-la dos ataques dos outros animais. A qualquer sinal de perigo, ela se encolhia naquela caixa protetora. Suas patas lembravam as dos patos, feitas exatamente para facilitar a natação.
Acabada a cerimônia de botar os ovos, a Tartaruga tampou-os direitinho com areia, deixando tudo bem escondido. E voltou ao rio, despedindo-se das gotas.
– Quantos anos a senhora tem, amiga cascuda?
– Hum! Deixe ver: deve ser por aí uns duzentos, mais ou menos, pequena gota curiosa, disse rindo.
E partiu, silenciosa e grave, como viera…
As gotas observaram as tartaruguinhas nascerem, correrem para o rio e nadarem…
Plimplim já passara pelo rio Javari, pelo Napo e agora pelo Putumayo. Eram três afluentes.
Uma manhã, viram muitos índios pescando no rio, eram engraçados, vestidos de palha amarela, as mulheres usavam saias coloridas de algodão tecido.
– São os Iaguas, explicou o Peixe-boi. Vivem aqui, entre o rio Napo, que é o primeiro afluente do Solimões, e o nosso Putumayo. São grandes caçadores e criam cachorros para caçar com eles. Não são guerreiros, cultivam o milho e a mandioca.
– Cuidado! – gritou o Peixe-boi fêmea. Eles vão usar a zarabatana para abater alguma caça por aqui. A zarabatana é envenenada, vamos cair na água!
O grupo obedeceu; os flamingos voaram esbaforidos.
De fato, os índios levavam tubos e setas, que atiravam para uma direção próxima a eles. Ouviram um baque surdo e perceberam que algum animal havia sido abatido.
– Que bicho grande é aquele?
– Ela é uma pobre anta, Plimplim. Pelo tamanho da sua tromba, lembra um pequeno elefante, que chega a medir dois metros de comprimento por um de altura e é muito pesada, podendo chegar a uns 200 kg. É mamífero, da família dos tapirídios e alimenta-se de folhas e frutos silvestres.
O Putumayo é mais tranquilo que o Apurimac; e as gotas deliciavam-se nadando…
Mutá reapareceu com seu grupo e levou-as nas asas para verem os rios e a selva do alto. As gotas ficaram encantadas…
– Tudo aqui fica menor, mas a gente vê bem as coisas; você está sentindo um friozinho na barriga, Mina?
– Estou, concordou Mina. Deve ser medo…
– É medo sim… Mas depois vocês acostumam. Vejam: ali está o Solimões, Plimplim. É largo, barrento e comprido…
– Aquelas manchas escuras, iguaizinhas, descendo o rio, que são? – perguntou Plimplim.
Mutá suspirou.
– São toros de madeira que o bicho-homem corta da selva. As grandes árvores são destruídas e seus pedaços vão para as grandes cidades para virarem móveis, portas e janelas nas casas do bicho-homem!
– Quer dizer então que as árvores da selva são cortadas para virar móveis? Que são móveis? – perguntou Plimplim.
Mutá, pacientemente, explicou.
– E por que o bicho-homem não descobre outro meio de arrumar suas casas?
– Sinceramente, eu não sei… Respondeu sabiamente Mutá. Olhando para trás, Mina perguntou:
– Que rio é aquele, bem longe, tão sinuoso, parecendo uma grande sucuri?
– É o Içá ou Putumayo, seu pai.
– Como é bonito seu pai, Mina, comentou Plimplim, olhando também.
– Deixe ver melhor… Mina falou, espiando por dentro da asa de Mutá. É… É lindo! A água tão clara!
Passearam muito nos ares, depois voltaram ao Putumayo. Quando desceram, continuaram a viagem a nado. Viram o Juruá chegando. Uma preguiça, despregando-se, sem pressa, dos galhos de uma árvore na beira do rio, mergulhou e nadou rio abaixo. Era um bicho grande, peludo. As gotas observaram suas patas com garras fortes e compreenderam que ela as usava para segurar-se nas árvores. A preguiça passou por elas, sem sequer virar o focinho.
– Bom-dia! Como você se chama, bicho peludo? Quis saber Plimplim.
Ela virou o rosto com lentidão; apertou os olhinhos, fitou Plimplim e respondeu, divertida:
– Preguiça. E vocês, pequenas gotas?
– Somos Mina e Plimplim. Você tem família? O que faz?
– Sim, tenho família, como todos os bichos. Sou um desdentado, da família bradipodídeos. Meu nome nativo é Ai, porque produzo um som que parece um gemido. Mas sou desdentada em termos, porque tenho os dentes molares superiores e inferiores, quer ver só? Assim dizendo, abriu a boca e mostrou orgulhosa os únicos dentes que possuía. As gotas ficaram impressionadas, nunca haviam visto antes uma boca assim…
– Meu rosto é achatado, minha cabeça é redonda e minhas orelhas são pequenas. Em meu pelos, há bichinhos pequenos e até borboletas. O bicho-homem diz que são parasitas…
A Preguiça riu e as gotas observaram seu aspecto engraçado. Ela voltou a nadar vagarosamente e despediu- -se com um leve aceno da pata dianteira. As gotas viram então que suas patas dianteiras eram bem maiores que as traseiras.
Depois do Juruá, viram o Purus, onde índios Cuxinauás, remando em pé, com remos parecendo lanças, iam Purus afora, em busca do Solimões. Plimplim quis então descansar. Elas haviam descido o Purus agarradas a uma casca de canoa. Buscaram a margem esquerda do Solimões e deixaram-se ficar ali, sonolentas e saudosas…
Alguns dias passaram brincando por ali, até que Plimplim pediu:
– Vamos continuar a viagem?
E os amigos concordaram. Fizeram as despedidas e, numa manhã de sol, deixaram a terra quente e amiga da Colômbia.
– Gostei da sua terra, disse Plimplim a Mina.
– Obrigada, amiga, também gostei muito do Peru. E os Andes, meu Deus, que beleza!
Sorrindo abraçadas, as duas amigas seguiram nadando rumo ao próximo afluente na margem direita, o Jutaí. Devido ao terreno, estes rios têm água clara, cristalina. O casal de peixes-boi comia as gramíneas regalado de alegria. A fêmea, às vezes, abraçava as pequenas gotas como fazia ao filhote, quando este dormia, ou brincava nas margens. Ela costumava juntar as grandes nadadeiras como se fossem braços e levava as gotas a passear no fundo dos rios.
Logo saíram do Jutaí e voltaram ao Solimões.
– Olhem, que coisa linda! – exclamou Mina, apontando para a margem do rio.
Plimplim olhou. Era um grupo colorido e alegre de araras e tucanos
– São araras e tucanos, explicou o Peixe-boi.
Percebendo que estavam sendo observadas, as araras começaram a cantar e a dançar, enquanto os tucanos riam a valer.
– De que ri, amigo Tucano? – perguntou uma arara azul.
– Nada… Estou lembrando de umas coisas engraçadas…
– Ahn! Pensei que fosse de nós… – A Arara estava desconfiada.
– De vocês? Só por que estão se mostrando para as garotas? Ora, vejam só! As senhoras se acham muito importantes, pois não? O Tucano fez um muxoxo.
– Você é muito implicante, hein, Tucano?
Agora quem falava era uma arara vermelha.
– Não liguem, garotas. Os tucanos têm inveja doida de nós! Também… Não sabem cantar nem falar como nós, coitados…
E as araras seguiram dançando e rebolando, cantando com aquela voz fininha que Deus lhes deu.
As meninas ficaram olhando, maravilhadas com suas penas de várias cores. Havia também papagaios, de penas verdes. Faladores e cantadores.
Ficaram por algum tempo divertindo-se com eles. Até que, cansadas, resolveram procurar abrigo.
Viram, então, uma folha verde e gigante, balançando no meio de um lago. Um berço convidativo… nadaram para ela.
3
– Aqui o barro não nos alcança. Vamos descansar tranquilamente. Podemos ficar agarradas em você, grande folha, para proteger-nos da sujeira? – perguntou Plimplim.
– Claro, respondeu a planta. – Fico contente em ter novos amigos com quem conversar. Minhas flores não vão sair ainda. Assim não ficarei tão só. Sabem que gostei de vocês? Tenham cuidado ao subirem, pois há espinhos escondidos embaixo das minhas folhas. São minhas defesas, amigas.
Elas subiram com cuidado e acomodaram-se.
– Muito bem, vou falar algumas coisas de mim para vocês, disse a planta. – Em troca, contarão sobre vocês, seus países, os rios onde nadaram.
– Que bom! – disseram as gotas felizes.
– Meu nome é Vitória-régia, começou pigarreando para que a voz saísse clara e límpida. Tenho este nome porque existiu há muito tempo uma rainha em um país distante chamado Inglaterra que se chamava Victoria. E régia, na língua dos homens, significa rainha. Então, meu nome quer dizer rainha Vitória. Não pareço mesmo uma rainha de um grande reino?
Plimplim e Mina não sabiam muito bem o que a folha queria dizer. Mesmo assim, concordaram com a cabeça.
– Pois é, continuou a folha, foi uma botânica inglesa, dona Lindley Lindley, uma senhora que estudava as plantas, que me estudou e achou-me tão bonita que me batizou com o nome de Vitória-régia, para homenagear sua rainha.
– É um nome bonito como você, disse Plimplim com sincera admiração.
– E por que você não viaja? – quis saber Mina.
A Vitória-régia sorriu.
– Não posso viajar porque sou presa no fundo do rio por um tronco forte chamado rizoma, que me prende para que eu permaneça nos lugares onde sou nativa. Vejam o tamanho de minhas belas folhas verdes: chegam a ter dois metros de diâmetro. Não é maravilhoso? Sinto-me como se elas fossem minha coroa. Têm os bordos ou as bordas levantados, formando uma espécie de bacia que pode suportar alguns quilos de peso sem afundar, até mais ou menos 45 quilos.
E a Vitória-régia balançou suavemente as folhas com vaidade.
– Modéstia à parte, não sou uma beleza?
As gotas sorriram docemente.
– Não sou? – ela insistiu à espera de um elogio.
Havia falado com tanta naturalidade que as amigas não a sentiram convencida. Muito pelo contrário, acharam que a nova amiga era, isto sim, sincera.
– Mas claro, falou Plimplim. – Nunca vi folhas tão grandes. Você é mesmo uma rainha. – E sua admiração era verdadeira.
– Obrigadinha, respondeu a planta. Vocês sabem, os europeus levaram algumas irmãs minhas para lá. Vi pessoas catando as plantas e dizem que iam cultivá-las em lugares aquecidos, preparados para plantas do nosso clima, chamados estufas. Só não sei se elas continuaram vivas por lá, ou se estão tão bonitas como eram aqui… Suspirou.
– Você gostaria de ter ido? – perguntou Mina.
– Não, eu não. Jamais quero sair do meu Solimões. Aqui tenho minhas irmãs, meus amigos. Aqui converso e brinco com todos. Se pudesse ir e voltar um dia, até que valia a pena, para ver gente nova, novos lugares… Mas… As que foram não voltaram… Não gosto de chorar saudade… Plimplim e Mina repararam que a Vitória-régia disfarçadamente limpou gotinhas brilhantes nas folhas, que não lhes pareceram água do rio…
– Vocês são muitas, então? – quis saber Plimplim.
– Sim. Vocês nos verão por todo o Amazonas. Somos plantas aquáticas, tropicais. Temos uma família, sabe?
– É verdade? Também eu tenho família: meu pai é o lago Vilafro de onde sai o rio Hornillo e fica no monte Mismi, na serra mãe Chilca, na Cailloma. Isto é, nos Andes peruanos, onde nasci.
– Você tem nomes complicados, pequena Gota, disse a Vitória-régia com admiração.
– Eu nasci na Colômbia, venho do rio Putumayo. Vejam: é de lá que trago esta cor branca cristalina. A cordilheira dos Andes colombianos é minha mãe; o Putumayo, meu pai. Vejam como sou branquinha e cristalina!
– Realmente, concordou a Vitória-régia. – Plimplim é azul, você é branca. Duas gotas de água, amigas, de cores e lugares diferentes e, no entanto, tão próximas… A Vitória-régia filosofava.
– Você até parece dona Tartaruga! Com aquela sabedoria toda… Plimplim sorria deliciada.
– É tão bom ter amigos sábios!
Uma manhã, elas acordaram e viram a flor alva da Vitória-régia aberta.
Uma lindeza!
– Olhe, Plimplim, uma gota igual a nós, porém… amarela! – disse Mina, tirando os olhos da flor.
Plimplim olhou na direção apontada e viu.
– Quem é você? – Plimplim perguntou curiosa.
– Sou uma gota de água como vocês, só que tenho a cor amarela porque venho do Amazonas. E vocês?
– Eu sou do Peru, venho dos Andes.
– Eu sou da Colômbia, venho dos Andes, também.
– Então vocês acabam sendo irmãs, disse a Vitória- -régia. São do mesmo pai, o Amazonas, só que de lugares diferentes.
– É, concluiu Plimplim. Eu venho do rio Hornillo, que se lança no Apurimac. Depois, mais adiante, encontra o Ucayali e vira Solimões. Mina é do Putumayo que é afluente do Solimões, isto é, vem desaguar no Solimões. O Solimões, finalmente, ao encontrar o rio Negro, vira o rio Amazonas. Somos ou não somos uma mesma família?
Todas estavam encantadas com a sapiência de Plimplim. E ela própria sorria feliz.
– Viu quantas coisas você já aprendeu nesta viagem? – a Vitória-régia perguntou.
– É… Como foi bom viajar e ver o mundo! Até já sei falar bonito!
– E como é seu nome, gota amarela? – quis saber Mina.
– Meu nome é Plic, respondeu simplesmente a brasileirinha sorrindo e deixando ver duas covinhas em seu rosto mimoso. E vocês?
– Eu me chamo Vitória-régia, mas as gotas também me apelidaram de Grande Folha.
– Lindo, seu nome. É linda você também! – disse Plic, com admiração.
– Eu sou Mina, a colombiana, a gota branca.
– Eu tenho também um nome de família, disse a Vitória-régia. Somos o grupo das ninfeáceas. Somos plantas aquáticas.
– Não temos um nome bonito como o seu, comentou Plic.
– É… realmente o nome da minha família é bonito.
À tarde, Mina exclamou surpresa, olhando a flor:
– Misericórdia! A flor está cor-de-rosa!
As amigas olharam e viram que, de fato, a flor havia mudado de cor. – Nossas flores surgem do rizoma e ficam por entre as folhas, na superfície das águas. Quando desabrocham, são brancas e possuem grandes e numerosas pétalas. Com o caminhar do sol, elas se tornam cor-de-rosa, também. Sabiam que minhas sementes são comestíveis e bastante apreciadas?
Um dia a Vitória-régia disse às gotas:
– Olhem, venham ver a selva daqui. Vejam como as árvores são altas e antigas, tão velhas, que podem contar histórias de muito tempo atrás. Há algumas com quarenta e até cinquenta metros de altura e cinco de diâmetro. Vejam os troncos fortes e altos, as raízes subindo e abraçando a terra. O sol nem sempre chega ao chão e isso deixa a selva sem muita luz.
– E como se chamam estas árvores? – Plic perguntou.
– Ah! Aquelas grandes, cheias de riscos no tronco e copos cravados nelas são as seringueiras, as árvores que dão borracha. As mais baixas, ali, de grandes folhas verde-escuras, são os guaranás, que dão uma bebida deliciosa.
– E aquela fruta grande e marrom?
– É gostosa também, disse um macaco pulando para a margem.
– Aquele é o Cupuaçu, explicou a Vitória-régia.
O macaco agora chupava umas frutas amarelinhas e fazia caretas.
– Amigo Macaco, que fruta é esta? – perguntou Plimplim.
– Esta é o Taperebá. É gostosa, mas meio… meio… aperta a língua, eu não sei explicar…
– Ácida, disse a folha.
– E a outra? – mostrou Mina.
– Essa maior é a Pupunha, que é de uma palmeira, explicou o Macaco, voltando a pular de galho em galho, balançando-se bem no alto. E eu vou comer todinha! E fez uma careta engraçada para elas.
– Os macacos são assim: eternos brincalhões, disse Plic.
– O terreno fica úmido porque chove muito no inverno. Até que a chuva que cai é quente e gostosa. As folhas e árvores que caem tornam essas terras férteis, novamente. As várzeas, vejam bem, lá na margem do rio onde passeiam os flamingos, são fertilizadas pelas águas do rio nas cheias.
– Espere um pouco, pediu Plimplim. – Você pode explicar o que é Vár-ze-a? E fértil? Não entendi.
– Oh, sim! Ninguém nasce sabendo mesmo, querida. Também eu aprendi com os outros, enquanto crescia. Fértil significa o que produz bastante, o que é fecundo. São os seres que têm muitos filhotes, árvores que dão muitos frutos. É a terra em que tudo que se planta nasce forte e bonito.
As três gotas seguiram o olhar da amiga e compreenderam: a várzea estendia-se a perder de vista, com alguma vegetação verde e rasteira, um tapete de folhas amarelas e marrons, salpicando o chão. Imensas árvores de grossos troncos, alinhadas a seu bel-prazer, fazendo sombra para a selva. Macacos pulando de galho em galho; pássaros coloridos, irrequietos, pipilando alegres. Serpentes coleando sem pressa. Preguiças enroscando-se nas árvores, quatipurus saltando alegremente atrás das castanhas sapucaia que adoram comer.
– Então, toda aquela beleza que viram era uma várzea, compreendeu Plimplim. E, emocionada, falou:
– Serão todas as várzeas do mundo bonitas assim?
– Não sei… confessou a Vitória-régia. Mas… Creio que não. A mais bela certamente será a nossa, sobretudo porque a amamos. Não lhes parece?
– Claro, concordaram as três gotas.
– Nós a amamos! A Vitória-régia calou-se e pareceu concentrada em um ruído diferente que passou despercebido às gotas, parecia um canto suave, como um chamamento. Seu rosto abriu-se num sorriso e disse:
– Então é a mais bela!
4
– Ah! Esqueci que hoje começa a lua cheia, disse a Vitória-régia balançando-se. – E, voltando-se para as amigas, perguntou:
– Já viram algum boto vermelho? Ela continuou perguntando com um leve ar de mistério.
– Não, responderam ao mesmo tempo Plimplim e Mina. – Mas dona Sucuri nos falou deles.
– Eu já vi, disse Plic.
– Por quê?
A Vitória-régia continuou:
– Estão percebendo este som diferente? Apurem o ouvido e prestem atenção.
Ela própria concentrou-se mais e tentou captar o som emitido, que chegava cada vez mais perto.
As três gotas procuraram escutar para não decepcionar a amiga. No início, nada ouviram, só o grande silêncio da selva. Caía a escuridão da noite e a lua cheia começava a aparecer no horizonte, grande e dourada, iluminando tudo. Semelhava um sol, de tão grande. E, de repente, aquele canto, como um chamamento, um convite de amor. Plimplim sensibilizou-se às lágrimas, o mesmo acontecendo às suas companheiras. E falou emocionada:
– Oh! Parece uma canção de amor!
– E é… Murmurou sonhadoramente a Vitória-régia. Lua após lua, repete-se a magia do boto apaixonado!
– Boto apaixonado? – perguntou Mina que, sempre tímida, pouco falava.
– Apaixonado por quem, por outro boto fêmea, deve ser?
– Aí é que está! – disse a Vitória-régia com ar de mistério.
A cada lua cheia, o boto chega de mansinho à beira da praia, vem cantando, assim, este canto que vocês ouviram, um canto doce e triste, que encanta e seduz…
– Ouçam novamente o canto… É tão lindo, tão… Tão… Plimplim estava enlevada.
A luz prateada da lua, agora já subindo no céu, tornava quase irreal a paisagem. Plic sorriu e, com ar de mistério, piscando para a Vitória-régia, comentou:
– Eu já conheço a magia… Disse Plic.
– Daqui a pouco vocês verão os botos chegarem e… Não! Não vou contar; quero ver suas carinhas de surpresa! E sorriu.
– Conte, conte! – pediu Plimplim, curiosa.
– Eu também não sei nada sobre botos, disse Mina.
– Não conto não, garotas. E você, Plic, nem um pio, ouviu? Vão ter de aguardar para ver… E… Olhem! Aí vêm eles! Psiu, silêncio! Podem zangar-se se souberem que estão sendo observados!
A Vitória-régia prosseguiu:
– Logo, logo, quando os botos chegarem à margem, a lua estará iluminando minhas folhas e flores com toda a sua luz; vocês verão um brilho especial e intenso em toda a planta. Nesse momento, cada folha e cada flor serão transformadas em uma jovem índia que viverá momentos de amor, durante as noites de lua cheia.
– E por que isso acontece? – quis saber Mina, quando a emoção acalmou seus corações.
– Porque há uma lenda da formação das vitórias- -régias – “Há muito tempo, muitos séculos atrás, havia uma tribo de índios que habitava esta selva. Em noites de lua cheia, as cunhãs, que quer dizer índias jovens, ficavam com seus corações sobressaltados, em ânsias de amor. Achavam a lua tão linda e misteriosa, que ficavam horas inteiras a olhá-la, tentando pegá-la. Uma delas, chamada Neca-neca, subia aos galhos mais altos das árvores. Mas… Quanto mais subia, mais a lua corria para longe, no céu…
Juntas, as cunhãs escalavam morros. Mas… Quanto mais alto chegavam, a lua treiteira, mais subia no céu… Desiludidas, voltavam para a maloca e iam dormir em suas redes.
Mas, numa noite, de lua especialmente linda, Neca-neca acordou sobressaltada. A lua espalhava sua luz prateada no chão da maloca. Neca-neca levantou-se, esticou o corpo para afugentar o sono e foi sozinha em direção ao rio.
Lá chegando, ficou deslumbrada quando viu a luz prateada iluminando a selva e o rio; pensou por um momento que a luz que vira refletida na água era o astro que havia descido do céu para nadar. Fitou tanto o reflexo que nem sentiu quando seu corpo caiu no rio em busca da luz.
E mergulhou para sempre, com suas ilusões… Yaci, a lua, ficou com tanta pena dela que a transformou em flor”.
– E é por isso que minha flor tem um perfume tão inebriante! Suas pétalas são estiradas à flor da água para melhor receberem a luz da lua. Também é por isso que, em noites de lua cheia, as cunhãs aparecem no meio das flores, que, como vocês podem observar agora, ficam com um brilho mágico especial. Os raios de prata cobrem folhas e flores como se fossem um véu de noiva e seu brilho é tão intenso que até parecem disputar a luz de milhares de vaga-lumes na noite tropical. E é por isso que nos chamam nessa época “estrelas da água”.
Havia um misto de tristeza e de alegria na voz da Vitória-régia quando ela se calou. As gotas estavam emocionadas. Apenas Plimplim, timidamente, conseguiu dizer à amiga:
– Que linda história você tem! E suspirou.
– Talvez vocês também venham a ter, um dia, quem sabe, algo até mais bonito para contar. Ainda são tão jovens! E sorriu, balançando a folha. Agora, silêncio, por favor. É preciso que desçam cuidadosamente da minha folha, para não se ferirem com meus espinhos que são grandes e grossos, nadem devagar até a margem e fiquem quietinhas observando tudo. E nunca, em nenhuma hipótese, falem a mais ninguém sobre tudo o que verão aqui esta noite. Vamos todas viver a magia da lua e que se cumpram os fados e que triunfe a lenda, para que a fantasia da lua cheia faça felizes os corações apaixonados… Quando acabar a magia, nós nos veremos e vocês dirão o que sentiram, está bem? Agora, vão, urge que eu me apresse… Vejam: as minhas irmãs já estão no processo mágico!
– Boa sorte, irmã de sonhos! Disse Plimplim emocionada, enquanto jogava com as mãos um beijo para a amiga.
E desceram.
À medida que iam descendo, iam observando os espinhos embaixo da folha gigantesca. Quando pensaram em perguntar algo, a Vitória-régia, remexendo-se toda, explicou, já com a fala diferente.
– É a nossa defesa, queridas…
As três gotas pularam e nadaram para a margem indicada; iam deliciando-se com a tepidez da água, conversando com ela que já parecia mágica. Vários botos vermelhos começaram a chegar, pulando e brincando; parecia haver um encantamento no ar. Elas ficavam observando. Quietinhas: os botos saltavam acima da água emitindo sons variados. Aquele canto de amor era sempre repetido. Agora, elas podiam ouvir bem: eles comunicavam-se alegremente. Pareciam felizes. Iniciaram uma dança, todos em volta, fazendo acrobacias. Continuavam cantando. Era uma coisa deslumbrante!
– Que beleza! – comentou Mina baixinho.
– Psiu! Plic recomendou, colocando o dedo indicador nos lábios em sinal de silêncio. Se eles nos pegam aqui olhando, nem sei o que pode acontecer. Eles já estão na faixa da magia e aí…
Os botos muito tempo assim ficaram brincando. Depois, um a um, em fila indiana, calados, tomaram a direção da praia. À medida que lá chegavam, subiam o barranco, já agora transformados em belos homens, jovens e fortes e de uma beleza mágica! E subiam, barranco adentro, entrando na selva.
As três gotas estavam boquiabertas. Plimplim sussurrou com curiosidade:
– E agora, o que irá acontecer?
Elas haviam nadado como lhes fora recomendado; chegaram à beira do lago, enroscando-se nas plantas que flutuavam e aguardavam bem quietinhas..
Os últimos botos saíam justamente neste momento do lago. Muito altos, cabelos longos e sedosos caindo nos ombros num tom castanho dourado, mais dourado ainda porque refletiam em cheio a luz da lua. Olhos dourados, inquietos, como se procurassem alguém, virando o rosto em todas as direções.
De repente, a atenção de Plimplim foi atraída por um boto que se distraíra e, chegando à margem esbaforido, batera em uma grande pedra semioculta no barranco. Desmaiara e agora flutuava sangrando, meio preso entre as plantas da região. Ela sentiu um aperto no coração:
– Coitadinho! Será que ele morreu?
– Psiu! Não se pode falar! Plic recomendou.
– Vamos lá dar um socorro, pediu Plimplim com pena.
– Agora não convém fazer movimento algum aqui, ponderou Mina. Pode dar errado. A Vitória-régia falou…
– Mas o pobrezinho…
– Cuidado, Plimplim, magia é magia… talvez isso faça parte dela…
Plimplim pensou um pouco.
– Meu Deus, a Vitória-régia está toda retorcida! Ficamos olhando os botos e esquecemos nossa amiga! – comentou Mina.
De fato, envoltas em uma luz prateada, as folhas e flores das Vitórias-régias estavam vertiginosamente no processo da transformação: lindas jovens, índias, vestidas de penas coloridas, com longos e lisos cabelos negros, saltavam agora tranquilas e nadavam para a margem, rindo e conversando, na língua tupi. Logo alcançaram os botos, já transformados. Mãos dadas, como se fossem velhos apaixonados, iam aos pares passear na floresta e viver seu momento mágico de amor… Quando a Vitória-régia passou por elas, piscou um olho. As gotas corresponderam sorrindo, enquanto acompanhavam a amiga com o olhar.
– E agora, que faremos? – perguntou Mina.
– Esquecemos de perguntar à Vitória-régia se poderíamos segui-los… Comentou Plic. Assim, não podemos fazer outra coisa senão esperar…
– Que pena! – disse a curiosa Plimplim. Mas… Olhem! O pobre boto continua sangrando e parado ali. Será que está morto? Ah! Vamos ajudá-lo! Pobrezinho!…
– Olhe, façamos o seguinte: você vai cuidadosamente até lá. Nós duas ficamos aqui tomando conta. Qualquer ruído ou ser estranho que apareça, nós gritaremos. Está bem assim?
– Está. Se eu precisar de ajuda, aceno com a mão.
– Muito bem, ficaremos observando.
Plimplim foi arrastando-se pela areia amarela do barranco silenciosamente, como vira a Sucuri fazer. Deixou-se flutuar na água e, de folha em folha, chegou perto do boto. Tocou nele com receio; tocou mais forte, procurando ouvir seu coração.
– Está batendo! Ela descobriu. Então, ele ainda está vivo! Será que está encantado? Devo ou não mexer nele?
Arrancou então uma folha que flutuava na beira do lago. Aproximou-se do boto desmaiado e, com todo carinho, limpou o fiozinho de sangue que saía de sua cabeça. Ele respirava normalmente. Uma aranha caranguejeira que ia passando na areia veio ajudar.
– Para estancar o sangue, nada como uma gota de veneno de cobra, ela disse com sua voz grossa.
Plimplim olhou espantada:
– Quem está aí? Você é um mágico?
– Qual mágico nada! Sou uma Aranha. Veja meus membros peludos! Tenho orgulho deles. Sou forte e temida até pelo bicho-homem!
– Gostei de conhecer você, disse Plimplim, achando-a vaidosa e tola. Pode ajudar-me a tratar este ferimento?
– Mas claro; não tenho medo de cobras. Vou correndo buscar uma gota de veneno. Espere uma coisinha que já volto… Plimplim continuou limpando o ferimento.
A Aranha voltou logo, apressada, as patas peludas e negras arrastando areia.
– Tome aqui. Coloque este pouquinho e logo verá que o sangue deixa de correr.
– Obrigada, dona Aranha. A senhora é bondosa… Plimplim desculpava-se consigo mesma pelos pensamentos que havia tido sobre a Aranha.
– Como está agora seu amigo?
– Ele não é meu amigo, nem o conheço… Só estou com pena. Pobrezinho, perdeu a magia…
– Não é ainda, mas será e muito!
A Aranha sorriu.
– Ele será tão seu amigo que ninguém poderá separar vocês dois!
Agora ela estava séria, toda peluda e negra, olhando fixamente para Plimplim, com seus olhos cor de fogo. A gota estremeceu. Não entendia o que ela falava. Perguntou timidamente:
– Como a senhora sabe?
– Eu não sei nada… respondeu a Aranha, afastando- -se. Apenas imaginei coisas…
– Não vá ainda… Pediu Plimplim. Posso precisar de mais ajuda…
– Não vai precisar; colocado este veneno, o sangue vai parar de sair e o Boto vai ficar curado. Vou ajudar você a puxá-lo para mais perto do barranco. Assim, conseguiremos tratá-lo melhor. E, olhando para dentro da selva, pediu:
– Dona Anta, pode ajudar-nos a puxar o amigo Boto?
Logo, várias antas chegaram. E preguiças. E pacas. Juntos, todos eles puxaram o Boto e Plimplim colocou o veneno nos ferimentos. Uma das preguiças, andando bem devagar, trocando um passo hoje, outro depois de amanhã, chegou com um caldo de uma folha verde espremida e deu-o a Plimplim para que ela colocasse na boca do Boto. Plimplim percebeu que ele ia conseguindo movimentar os músculos para engolir. Logo depois, os ferimentos não sangravam mais. Era hora de deixá-lo nas plantas aquáticas, em contato com a água.
Amanhecia já quando ele foi abrindo os olhos. Plimplim agradecera aos animais que a tinham ajudado. Todos se foram. Ela ficara só; suas amigas, as gotas, haviam adormecido, pois não havia mais perigo.
Cochilara um pouco. Agora, aos primeiros raios da aurora, com o céu clareando em cores rosa e azul, ela se deixara ficar acordada, esperando. Viu o sol chegar, em rosa, azul e dourado, nos tons bem claros, enviando raios fracos e tímidos. À medida que ele ia ficando mais forte e aquecido, ela remexia-se toda na preocupação que o Boto não acordasse mais. Tudo que era preciso fora feito. Por que ele não acordava? Ficou olhando ansiosa. Colocou sua grande cabeça no colo com muito cuidado e esperou.
– Será que os remédios da Preguiça e da Aranha haviam tido efeito contrário? Ela suspirou preocupada. Que eu tentei, tentei…
Quando os raios do sol aqueceram o corpo inerte do Boto, ele abriu os olhos vagarosamente, como se voltasse de uma grande viagem, parecia olhar e nada ver. Fitou Plimplim.
A Vitória-régia vinha chegando abraçada a seu amor. Viu Plimplim debruçada, com o Boto deitado em seu colo. Ela o fitava com muito amor.
– A pequena Gota também foi envolvida pela magia. Ela está com o Boto para sempre, eternamente…
Amanhecia já. O sol começava a enviar raios mais quentes para aquecer a Terra. A lua desaparecera e, com ela, seu doce mistério.
A Vitória-régia olhou a beira do lago. De repente, um canto mágico belíssimo, ecoou por toda a selva. Todos os bichos se calaram. Um silêncio profundo fez com que se ouvisse nitidamente aquele canto triste e doce, melodioso e puro: parecia que todos se calavam para ouvir o canto mais belo da selva amazônica: o canto do Uirapuru! E, lenda ou verdade, diziam que o casal que se olhasse no instante em que ele cantasse ficaria encantado por um amor eterno. O silêncio continuava. E a pequena ave de penas escuras e jeito inquieto, a cabecinha olhando para o alto, como se cantasse para alguém do céu… E a magia, mesmo ao alvorecer, se fez presente… O Boto encantado, ao olhar Plimplim nos olhos, ouvindo a canção do Uirapuru, perguntou, emocionado:
– Onde estou? E, logo depois, falou:
– Pequena Gota azul, eu te amo!
Plimplim abriu a boca espantada. Nunca vira antes aquele Boto, mas sentia dentro dela algo diferente, um calor gostoso, uma onda de ternura, uma vontade muito grande de abraçá-lo e uma força irresistível fez com que ela balbuciasse:
– Eu te amo também…
Puxando-a docemente para perto dele, o Boto abraçou-a e, com ternura, pediu que juntos ouvissem o canto mágico.
Quando afinal o Uirapuru calou seu canto de amor, aos poucos a selva voltou a fervilhar de murmúrios: a Suçuarana, os peixes-boi, os botos retornando à sua forma verdadeira, as vitórias-régias mergulhando índias e ressurgindo plantas, animais chegando à beira do lago para beber água, ruídos de folhas pisadas, grunidos, urros, lamentos, cantos de pássaros, gritos de araras e tucanos.
Enfim, os ruídos da vida…
O Boto, ainda abraçado com Plimplim, murmurou:
– O que aconteceu, minha querida?
Plimplim contou-lhe simplesmente o que acontecera. Ocultou, por cautela, a magia que presenciara:
– Anh! concluiu ele. Não participei, então, da magia da lua cheia…
O coração de Plimplim ficou apertado.
– E ficou triste? – perguntou.
– Não, claro que não! Encontrei nesta lua cheia o meu amor encantado: você! O canto do Uirapuru faz a magia…
– Uirapuru? – Plimplim perguntou curiosa.
– Sim, esta ave que cantou agora cedo. É pequenina, mas, quando canta, seu canto é tão lindo e mavioso que todos os animais da selva se calam… E carrega em si a magia do amor. Para sempre. Eternamente. Foi o que aconteceu com nossos corações!
– Então você escapou de uma magia e caiu em outra? – Ela perguntou, divertida.
– Isto mesmo. E com a mais linda Gota azul do mundo!
Quando, afinal, depois de muito conversarem, os dois resolveram descer para o rio ao encontro da Vitória-régia, as outras gotas acordaram e vieram ao seu encontro:
– Plimplim, desculpe! Nós dormimos e não vimos mais nada. Você conseguiu salvar o Boto?
O Boto, a quem Plimplim batizara de Flap, respondeu sorrindo:
– Não peçam desculpas. O sono pesado que tomou conta de seus olhos fazia parte da magia. Vocês também estavam envolvidas no processo mágico. Apenas Plimplim deveria vir para perto de mim. Na hora do encantamento, somente nós dois deveríamos estar juntos, senão o poder mágico não teria funcionado…
– Mas… Nós não ajudamos nossa amiga!… Ficamos vigiando e… Um sono pesado tomou conta de nós… Acordamos com o barulho da descida de vocês para a água… Que vergonha!
– Não há vergonha nisso, já expliquei. Faz parte do processo.
– E… Cadê a Vitória-régia?
– Novamente em seu lugar. Olhem: tudo voltou ao normal. À noite, com a lua cheia, a magia voltará… Elas olharam na direção indicada e viram a amiga Grande Folha que flutuava docemente.
5
– E, agora, que faremos? – perguntou Plic.
– Continuaremos a viajar, respondeu Flap. Só que eu irei com vocês. Agora Plimplim é o meu amor, quero estar ao lado dela… Para sempre…
– É… Disse Plimplim corando. Agora já conheci o amor!
– Que bom! Houve magia com vocês também! Vamos contar à Vitória-régia? Mina propôs.
– Vamos!
– Você vai conosco, Flap? Plimplim pediu dengosa.
– Claro. Estarei com você sempre que possa!
– Então vamos!
A Vitória-régia havia percebido tudo e ficou feliz com a chegada dos amigos. Falaram sobre todos os momentos vividos. E, durante as outras noites, a magia aconteceu. Da mesma forma. Só Flap não precisou mais ferir a cabeça: já conhecia sua amada!
Enquanto durou a lua cheia, o encanto perdurou. Repetiram-se os encontros, os beijos, os passeios. Madrugada, ainda, levantavam-se e voltavam ao lago, assumindo suas formas antigas.
As pequenas gotas então foram despedir-se da amiga Grande Folha. Ela perguntou sorrindo:
– Vocês gostaram do que aprenderam aqui?
– Mas claro, respondeu Plimplim, toda prosa.
Chegou, afinal, a hora da partida. As pequenas gotas então despediram-se da Vitória-régia, dizendo:
– Vamos sentir saudades suas, irmã de sonhos. Mas voltaremos sempre!
E elas choraram lágrimas salgadas em seu peito de água-doce…
Enquanto a Vitória-régia enchia sua grande folha de gotinhas brilhantes de saudade…
E lá se foram as três com os botos para o fundo do rio. Lá encontraram grandes e belos tucunarés. Pararam para conversar. Um deles tinha uma colher brilhante e prateada presa na garganta.
– Que foi isso amigo? – perguntou a pequena Gota azul.
– O Bicho-homem. Colocou na água para me pegar e eu pensei que fosse comida. Agora, nem posso falar nem sequer comer direito… Elas notaram, então, que quando o Tucunaré falava, perdia sangue aos borbotões. Com muito jeito, ajudadas pelos botos, soltaram a colher da boca do peixe. Agradecido, ele veio até perto delas e beijou-as na face.
– O meu azar é que o Bicho-homem gosta muito da minha carne; eles comem meus irmãos assados na brasa, cozidos nas malditas caldeiradas e no churrasco…
O Tucunaré, com graça, balançou-se todo, fingindo o frio do medo. As pequenas gotas notaram sua cor castanho-esverdeada, com enfeites de cores vivas, sobretudo uma bola amarela perto da cauda. Elas haviam aprendido que todos os seres têm família. Assim, Plic perguntou, interessada, ao Tucunaré:
– E qual é sua família?
Ele pigarreou feliz, sentindo-se importante:
– Sou da família dos ciclídeos. Meu nome inteiro é Cichla temensis. Vivemos aqui no rio Amazonas e em seus afluentes. Há alguns de nós vivendo em outros rios, levados pela mão do Bicho-homem.
– E nos mares? – quis saber a pequena gota colombiana.
– Não, nós não habitamos os mares. Somos peixes de água-doce.
Virando graciosamente sua cauda prateada, despediu-se das novas amigas e nadou para o fundo, desaparecendo rapidamente, não sem antes dar um adeus para o grupo formado por elas e o boto Flap.
Elas continuaram nadando. De repente, um barulho ensurdecedor. Plimplim encolheu-se toda e subiu depressa à tona com o Boto. Olharam para as margens e ela viu com horror que elas caíam para dentro do rio. Tudo, ao redor, estava barrento. Plimplim perguntou atemorizada:
– Será que o mundo está acabando? Ah! Nunca mais vou ver meu lago azul no Peru…
O Boto abraçou-a com carinho.
– Não, minha querida, ele disse. Este é um fenômeno comum nestes lugares: é o fenômeno das terras caídas. Daqui a pouco, tudo para como começou. Você precisa acostumar-se: na Amazônia, tudo é grande, barulhento, forte, mágico! Não tenha medo, está tudo bem, confie em mim, meu amor…
E Plimplim, abraçada ao Boto, ficou observando a terra barrenta despregar-se do leito e esbarrar no rio, que corria rápido e violento, indiferente àquele abraço tão antigo.
– Fiquei suja, não foi? – Plimplim perguntou, vendo sua bela cor azul, agora salpicada de amarelo-marrom.
– Foi – ele respondeu sorridente – mas logo passa. Iremos agora ao encontro do rio Negro; sua água escura mudará a coloração do seu azul e as cores de Plic e Mina. Mas, depois, encontraremos o Tapajós e, aí sim, você verá que verde lindo! Você ficará a gotinha verde mais bonita que já vi! E, quando voltarmos ao seu lago, novamente será azul…
– Ainda bem, suspirou Plimplim. Pensei que nessa brincadeira eu fosse ficar toda pintadinha de cores…
Flap ri.
– Como é ingênua a minha gotinha! – pensou.
Findo o fenômeno, eles continuaram a viagem.
Chegaram ao ponto em que o rio Solimões encontra um dos seus afluentes da margem esquerda, o rio Negro. Plimplim ficou pulando e brincando com as gotas no encontro das águas: as do rio Negro, escuras, que não se misturam com as do Solimões, barrentas e amarelas. Elas pulavam com os botos, dançando e brincando. Depois de muita brincadeira, cansados, resolveram descansar um pouco.
Plimplim, Mina e Plic ardiam em curiosidade de conhecer o mar. Queriam ver seus tons de verde e azul, seus peixes e seus bichos. E os botos desejavam realizar este sonho das gotas.
De repente, em meio ao grupo alegre dos botos, irrompeu um grande e feroz tubarão! E não vinha só! Investiu com fúria para os invasores do seu território. Os botos estavam cansados, mas eram decididos. Começaram uma luta de morte. Dançavam para confundir o inimigo. Volteavam, aproveitando-se de que o tubarão enxerga mal, não distingue quase nada. Mas eles se deixavam levar pelo odor e vinham cada vez mais enfurecidos. A luta estava encarniçada. Plimplim tremia de medo pela sorte do seu amor e de seus amigos. Foi neste instante que viu um dos botos ser despedaçado pelos adversários; os outros, desesperados, investiram com tanta fúria contra os tubarões que estes, por uns instantes, temeram atacar novamente. Dois tubarões foram atacados e mortos. Plimplim lembrou-se de que ela e as gotas poderiam pedir auxílio aos outros seres do rio. Assim, emitindo sons de lamento como os peixes-boi e os próprios botos, chamaram uma quantidade incrível de seres que acorreram ao chamado, dispostos a ajudar. Vinham de todos os lados, como por encanto, para lutar com os botos, que, apesar de serem dóceis e brincalhões, vingavam com verdadeira fúria o amigo abatido pelas feras.
A água negra tingia-se de vermelho em uma mistura escura e feia. O cheiro forte de sangue tornava mais enraivecidos os animais que ficavam cada vez mais belicosos.
– Tubarões, aqui, no rio Negro? perguntou a Plimplim um gordo tambaqui que ia passando.
– É… Ela respondeu, sem tirar os olhos da luta.
– Eles vêm aos montes, do mar e aqui se perdem, atrapalhando a vida da gente. Comigo nem chegam perto, porque se chegarem… zás! Levam um choque elétrico que quero ver… Era uma vez um tubarão!
– Choque elétrico? – perguntou Mina.
– Que é isso? – quis saber Plimplim, que, embora torcendo pelos botos, estava interessada naquela conversa curiosa. Plic ouvia a conversa e sorria levemente.
– Coloquem a mão em mim, disse o peixe. – Com cuidado e não se assustem!
Tanto bastou para que Plimplim ficasse assustada. Mas a curiosidade venceu. Timidamente, colocou a mão no dorso do Poraquê no que foi imitada pelas amigas. E… zás! Estremeceram quando a corrente elétrica que fluía do corpo dele passou para seus braços e para os pequenos corpos.
– Ui! Seu malvado! – gritaram as três, ficando amuadas.
– Não dói tanto assim, desculpou-se o Poraquê. Mas garanto que vocês aprenderam a lição, não é, pequenas Gotas?
Ele tinha uma expressão de garoto levado.
– É… aprendemos. Eu sabia que você dava choque, mas não atinava o que era… nunca mais vou esquecer o que é um choque elétrico! Disse Plic, estremecendo.
– Agora vamos deixar de conversa e ajudar aos botos. Vamos, irmãos, dar choques nos tubarões!
E o cardume de poraquês deslocou-se em massa na direção do inimigo. Os tubarões dançavam uma dança louca de tremedeira. Tomavam choque de um lado, pancada dos botos do outro. Fugiam dali, eram atacados por lá. Mais choques, mais pancadas. Até que, depois de muita luta, de perdas de vidas, de sangue misturado na água negra do rio, a luta cessou.
Um a um, os poucos tubarões que restaram, distanciaram-se e partiram feridos e indefesos, nadando em direção ao mar. Plimplim correu ansiosa ao encontro do seu amor: lá estava ele, cansado, mas satisfeito com a vitória…
Depois da luta, encostaram em um barranco e procuraram descansar. Plimplim lavou cuidadosamente os ferimentos do Boto com carinho. Ela e as amigas cuidaram também dos outros lutadores do grupo.
Ficaram alguns dias por ali. Mas, refeitos da briga, resolveram prosseguir viagem. Despediram-se dos poraquês de quem tinham ficado amigos. Aquele que havia dado um choque nas gotas prosseguira com elas até certo ponto da viagem.
– Vou até o Tapajós, ele explicou. Deixei uma namorada por lá e quero ver se ainda estará esperando por mim ou se já arranjou outro namorado.
– Anh! Sabidinho, hein? – comentou Plic…
– Seus filhotes também dão choques? – perguntou Mina.
– Sim, toda a nossa família, respondeu orgulhoso o peixe. – É a nossa defesa, pequenas Gotas.
Por que vocês dão choques? – perguntou Plimplim.
– A nossa energia vem da camada do sistema muscular, explicou o Poraquê. – É da ordem de 220 volts.
– Vocês são parentes da Sucuri? – voltou a perguntar Mina.
– Não. O Poraquê sorriu. – Parecemos cobra, mas não somos. Veja: meu corpo é roliço, minha pele é lisa e fria, meu rosto é parecido com o das serpentes. Mas não somos da família das cobras. Somos peixes fluviais, da família electrophorus electricus. Por darmos choque, também somos chamados de peixe-elétrico e treme-treme.
– Que comprimento você tem? – quis saber Plic.
– Não sou dos maiores. Só tenho um metro.
– E os maiores chegam a qual tamanho? – Plimplim insistiu.
– Aí perto de um metro e meio, ele disse com simplicidade.
– Gostei do nome Treme-treme. Posso chamar você assim? – Plimplim falou.
– Mas, claro, vamos viajar juntos e fatalmente nos tornaremos amigos. Pode me chamar como quiser, Plimplim. Também eu vou chamá-la de Pequena Gota Azul.
Eles nadavam tranquilos quando viram um grupo A Gota e o Boto 69 de Amazonas, armadas até os dentes, descendo o rio em suas canoas.
Vinham com ar preocupado, cabelos trançados, arcos nas mãos, preparadas para combater, olhar vivo, observando tudo, buscando o inimigo. As pequenas Gotas viram-nas passar e qual não foi a sua surpresa quando a que parecia chefe do grupo, voltando o lindo rosto para elas, falou:
– Pequenas Gotas de água, vinde conosco para a grande batalha… Botos amigos que pertencem ao grande rio, vinde conosco lutar!
Plimplim e Mina ficaram aterradas
– Outra luta?
– Será com tubarões?
– Eles tentarão uma desforra?
A Amazona parecia ler seus pensamentos.
– Com os tubarões, sim, saíram furiosos com a derrota e agora prometeram voltar com toda a gente do mar. Vêm sereias, cavalos-marinhos, orcas, baleias, etc.
– Deus meu, será que temos como vencer esta guerra? – perguntou Plimplim, preocupada.
– Claro que temos! – respondeu a Amazona com orgulho, levantando a bela cabeça. Somos invencíveis, minha querida! Vamos organizar a maior batalha de que estes rios já tiveram notícia! Desde as nascentes do Solimões, em sua terra, pequena gota azul, estamos recrutando seres. Estão chegando bichos de todas as espécies em nosso quartel-general. Vocês precisam ver… A Amazona fitou o grupo, o orgulho claramente expresso em seu olhar.
– Teremos mais gente que eles… E gente mais forte! Agora iremos ao Tapajós e ao Xingu. E, depois, voltaremos aos primeiros afluentes. Gostariam de vir conosco?
– O Tapajós não é o grande rio Verde? – quis saber Plimplim.
– Este mesmo. Lá fica a toca dos boitatás e vamos pedir-lhes ajuda.
– Quem são os boitatás? – Mina perguntou.
– São as cobras de fogo; dos seus olhos saem chispas que queimam e seus corpos são cheios de pelos que soltam chamas. Só em passar por perto vão queimando tudo ao seu alcance.
– Cruzes! – exclamou Plimplim, espantada. Os boitatás somados aos poraquês, quem segura o pessoal do grande rio? O mar terá tanta força assim?
– Não creio, respondeu a Amazona pensativa.
E, de repente, com a fisionomia iluminada por uma ideia brilhante, falou:
– Vou desencantar todas as vitórias-régias, transformando-as em amazonas guerreiras, vou chamar todas as suçuaranas, as preguiças, as antas, os peixes-boi, as sucuris, os tucanos e as araras. Assim, lutaremos em terra, água e ar…
Plimplim, Mina e Plic compreenderam que aquela seria uma luta de vida ou morte. E temeram pelos amigos. Temeram por Flap. Seriam eles imortais pela magia? Não sabiam…
Afinal, chegaram ao grande rio Verde. Que água maravilhosa! Corria mansa, com uma cor verde clarinha, tão transparente que, se o rio não fosse fundo, se poderia ver o leito de areia clara.
– Oh! Tapajós querido, eu vim dos Andes ver você! E estou feliz, porque você é lindo! – Plimplim falou, com sincera admiração.
Todo feliz e vaidoso, o grande rio sorriu.
– Que bom, pequena gota azul. Fico satisfeito com uma visita tão importante! De que lugar você vem?
– Dos Andes, no Peru. Venho de um lago azul, que não acredita que um rio Verde seja mais bonito do que ele… Plimplim calou-se com a sensação de que falara errado.
– E qual dos dois é mais bonito? – perguntou o Tapajós. Ele tinha uma bela voz de barítono.
– É difícil dizer… suspirou Plimplim. O lago Vilafro, meu pai, tem uma linda água azul e fica bem no alto da serra do Cailloma, perto das neves dos Andes. É uma paisagem bonita, diferente, mas, até certo ponto, triste. Faz frio. Há muita cor marrom ao redor. Mas há flores além do Ichu. Há pássaros bonitos e coloridos, como os pequenos beija-flores. Há lhamas, que vêm beber água no lago. Há garças e flamingos. Há o condor, de asas grandes e voo soberbo, e há, sobretudo, uma grande variedade de peixes. É bonito, sim! – Plimplim chorou de saudades ao relembrar o lugar onde havia nascido e vivido, sabe-se lá há quanto tempo! E continuou.
– Mas os peixes que vinham até aqui voltavam falando da beleza do seu verde. E, francamente, você é muito mais bonito! Ela realmente era sincera; achara lindo o grande rio.
– E você, pequena Gota branca, que acha de mim?
Mina sorriu. Tranquila, doce e tímida, ela jamais falaria se não fosse interrogada.
– Venho dos Andes colombianos e sempre tive curiosidade em conhecer o grande rio Verde. Na Colômbia, há rios brancos, como o Putumayo, meu pai, como há rios negros, de água escura. Verde, tão verde e lindo como você, nunca conheci outro! Você é tão calmo e belo… nunca vi rio tão bonito como você, Tapajós…
– Obrigado, muito obrigado, minhas duas gotas andinas. Fico feliz em conhecer águas de outras terras! Sejam bem-vindas!
– E você, minha Gota amarela, de onde veio?
Plic empertigou-se toda para responder. Corando timidamente, pequenina, gordinha, rosto redondo, com duas covinhas na face, jeito brejeiro bem brasileiro, com sua voz arrastada, respondeu:
– Eu sou brasileira, vim do Solimões, meu pai é o rio Amazonas, porque sai logo depois do grande encontro do Solimões com o rio Negro. Assim, sou um pouco peruana, um pouco colombiana e muito brasileira! Plic falara com orgulho e entusiasmo.
O velho Tapajós sorriu.
– Muito bem, pequena Gota amarela! Assim é que se fala bonito! Então temos cá três gotas de águas diferentes, que no fim são absolutamente iguais na grandeza do coração, no poder da amizade e na compreensão do pensamento dos povos… Oxalá os seres humanos fossem iguais às águas… O mundo, certamente, seria tão melhor… O grande rio Verde suspirou. Havia gotas verdes em seus olhos. As gotas também sentiram o gosto de sal em suas faces. Todas estavam emocionadas.
– Meu pai, o grande rio Amazonas, mandou lembranças, disse Plic, amenizando a emoção.
– Ele está preocupado com essa guerra, comentou simplesmente o Tapajós.
– Hoje, me passou seus temores no grande encontro… Aliás, todos nós estamos… Vai ser de consequências terríveis, se o pessoal dos rios perder. Vamos reunir for- ças e lutar, minha gente! Vamos fazer o pessoal do mar compreender que viver em paz é melhor para nós todos! Vamos à organização do exército das Amazonas, as guerreiras invencíveis!
– “Por que tingir de sangue uma água tão linda?” – pensou Plimplim. Mas, percebendo a expressão furiosa da Amazona, nada falou.
– Também sou contra a guerra, a destruição, pequena Gota azul. Gostaria de viver em paz com a gente do mar. Afinal, não somos parte de uma mesma natureza? Seria bem melhor que assim pensassem todos. Mas… Esses malditos tubarões entram no rio e vêm atrapalhar nossa paz… Agora, bastou! É preciso realmente dar-lhes uma lição para que haja paz!
Plimplim, Mina e Plic estavam espantadas com a facilidade da Amazona ler pensamentos. Foram com ela Tapajós adentro, deliciando-se com a água transparente, tranquila e aquecida pelo sol tropical.
– Como eu tinha vontade de conhecer o rio Verde! – suspirou Plimplim.
– E agora que o viu, acha-o tão bonito quanto você sonhava, pequena Gota azul? – perguntou Flap.
Plimplim sorriu. E respondeu:
– Acho! É muito mais bonito do que imaginei! Suas águas lembram os verdes Muiraquitãs das Amazonas… transformados em água, uma água verde e pura, brilhando ao sol, cheia de magia…
– É verdade, concordou o Boto. – As águas desses rios são mágicas porque carregam nelas a magia do amor… Sorrindo, abraçou sua pequena gota com ternura. Ou não é? – perguntou.
– Claro que é, Plimplim respondeu, também sorrindo.
– Vamos continuar recrutando o pessoal para a grande batalha! – ia dizendo a Amazona, seguida de suas guerreiras, indo de um lado para outro.
– Ela é tão bonita, mas não sabe amar… Será que não tem coração? – perguntou Mina.
– São mulheres guerreiras, explicou Flap. Usam o homem apenas para procriar, uma vez por ano. Se o fruto dessa relação for homem, devolvem ao pai. Se for menina, será criada por elas para ser uma futura amazona. Não há amor, apenas a preservação da espécie. Depois do encontro, dão a eles a pedra verde do fundo do rio, o Muiraquitã, talismã da sorte, da proteção. E as meninas são preparadas para a guerra, para serem fortes, imbatíveis, valentes. E não aprendem a amar…
– E se um dia… – Mina pensou alto e os outros ouviram.
– Se um dia surgir um alguém e tocar o coração de uma amazona? – perguntou Flap.
– É… Se o amor tocá-la como nos tocou? – Plimplim falou emocionada.
– Não creio que se possa mudar a magia… Mas, se acontecer, ela será desprezada pelas companheiras ou acabará a lenda das Amazonas. É uma coisa muito forte, querida. Assim é a vida…
– Que pena!
Suspiraram as três pequenas gotas.
Quando afinal deixaram o rio Verde, rumaram para o Xingu. Passaram por Óbidos, cuja largura é de 1,9 quilômetro, com uma profundidade que chega a 30 metros.
Flap ia explicando tudo o que sabia. Plimplim perguntou interessada.
– E qual é mesmo a largura do rio Amazonas?
– A largura normal é de 4 a 5 quilômetros, mas durante as cheias ele atinge até 13 quilômetros. Nas grandes cheias, já houve casos de ter chegado a até 50 quilômetros.
– Puxa! – comentou Mina; é por isso que apelidaram o Amazonas de rio-mar?
– Mas claro! Veja! – Flap apontou as margens. – Quase não se vê o que existe lá. Fica tão longe… Estavam no período da cheia. E o rio se espraiava a perder de vista.
– Agora sabemos que a profundidade em Óbidos é de 30 metros. É mais estreito também. E nos lugares mais largos? – quis saber Mina.
– A profundidade no Solimões, meninas, é de mais ou menos 50 a 80 metros.
– Caramba! – Plimplim falou espantada. Que fundura!
– O Amazonas e seus afluentes são a maior bacia fluvial, quer dizer, bacia de rios do mundo. São sete milhões de quilômetros quadrados de lugares percorridos, dos quais quatro milhões no Brasil. É a maior do mundo em volume de água. Há dois períodos de cheia, porque os afluentes pertencem a dois hemisférios. Assim, há cheia nos afluentes da margem direita, são os do sul, que vêm do planalto mato-grossense, nos meses de outubro a janeiro. E há cheia nos afluentes da margem esquerda, os que vêm do norte são brancos ou escuros, no período de maio a junho. No baixo Amazonas, entretanto, só é de dezembro a junho.
Flap parou para respirar. Plimplim estava entusiasmada com tanto conhecimento.
– “Como é bom ter um amor tão sábio!” – ela pensou.
As gotas estavam cada vez mais entusiasmadas com as grandezas do Amazonas. Tudo ali era grandioso, tudo era mágico, tudo era impressionante… Viram bichos de várias espécies, sempre desenvolvidos e fortes. A selva era densa, cheia de árvores imensas, muito verde e cheia de vida; os rios largos, caudalosos, sempre correndo apressados. Conversaram com eles e todos eram tão felizes e conscientes do papel que desempenhavam naquele todo verde, quente e forte da natureza!
Como valera arriscar a própria pele para ver toda aquela beleza, pensava Plimplim. Quanta coisa vira, quanto aprendera… De repente, ela compreendeu que também crescera, que muita coisa mudara em sua cabeça, em seu coração. Não era mais a Gota que saíra do lago Vilafro. Era uma gota universal: outra cabeça, outros pensamentos, outro coração! Bem maior, bem melhor! Mais amadurecida! E… apaixonada!
Plimplim sorriu.
– Do que está sorrindo? – perguntou Plic, curiosa.
Ela contou ao grupo o que estava pensando.
Chegaram ao rio Xingu, muito encachoeirado, só perdendo para o Madeira. E, depois de muito nadar, chegaram finalmente à foz do Amazonas. Foi o próprio rio quem explicou com orgulho:
– Tudo em mim é tão complicado, queridas pequenas Gotas, que minha nascente e minha foz não foram ainda bem compreendidas pelos homens.
– Mas você nasce na serra da Cailloma, na Cordilheira de Chilca, do rio Hornillo, que mais tarde vai encontrar o Apurimac, não é? No meu lago Vilafro?
O grande rio sorriu da sabedoria da Gota. Pegando- -a em uma das mãos, explicou:
– É sim, pequena Gota azul. Venho do lago Vilafro, seu pai. Depois, desço da Cailloma com o nome de rio Hornillo, que, mais tarde, encontra o Apurimac. Este, mais tarde, vai encontrar o Urubamba, que já deságua no Ucayali. Marañon e Ucayali juntam-se e formam o Solimões. Segue até encontrar o rio Negro. Daí em diante, sou eu, o rio Amazonas.
Plimplim notou o quanto ele era velho, orgulhoso e bonito. Alto, forte, cheio de músculos que apareciam nos braços, nas pernas e no peito. Longos cabelos, revoltos caíam em seus ombros. Lembravam o movimento de suas águas. Olhos amarelos, doces e tranquilos. Uma onda de ternura invadiu seu coração. Emocionada, ela pegou sua mão, subiu por seu braço e, chegando a sua face, deu-lhe um beijo carinhoso.
O Amazonas sentiu que suas faces se umedeciam de amor, de ternura por aquela filha que desconhecia e que viera de tão longe para vê-lo. E falou, a voz baixa enrouquecida pela emoção:
– Pequenas Gotas, é tão bom conhecer minhas filhas de outros lugares, de outras águas, mas que vêm sempre a mim…
E beijou-as carinhosamente, uma a uma.
– Conte, papai, conte tudo de você, pediu Plic, envaidecida, por ser ela a mais chegada ao Amazonas, quando passou o momento da emoção.
– Bem… Ele pigarreou, feliz e vaidoso. Minhas nascentes, vocês já sabem e, até, viram. Ah! levem a pequena Plic até lá quando voltarem… Ela nunca saiu do Solimões, não é filha?
Plic concordou com a cabeça.
– Já viajaram até aqui. Viram os rios do norte, os afluentes que vêm dos Andes e das Guianas. Brancos e negros. Já aprenderam que isto depende do solo, do terreno, mais rico, mais jovem, mais pobre, mais velho. Viram as grandes cachoeiras, as quedas de águas altas, até as que os homens ainda não conhecem. Viram índios preparando canoas. Viram os bichos da água, da terra e do ar. Agora, estamos chegando à minha foz. Foi uma viagem proveitosa!
– O que é foz, papai Amazonas? – perguntou Plimplim.
– Muito boa pergunta, filha. Foz é o lugar onde um rio lança suas águas no mar, no oceano. Estamos indo para lá.
– Sua foz fica no Brasil, não é papai? – perguntou Mina.
– É, no Brasil, no Oceano Atlântico. É o mar onde as crianças brasileiras tomam banho, nadam. Só que os homens ainda não decidiram se minha foz é um delta ou um estuário. E, como quando eles ainda não têm certeza de uma coisa, mas não querem dar o braço a torcer, resolveram dizer que minha foz é um delta-estuário, isto é, as duas coisas! Tanto melhor para mim: até nisso sou diferente!
E o rio Amazonas ria satisfeito.
– Que quer dizer delta e estuário? – quis saber Plic.
– Delta é a quarta letra do alfabeto grego. Os gregos foram um povo muito antigo que viveu na Terra e ainda vive. Eles tiveram uma grande civilização. Em seu alfabeto, havia uma letra que era assim: D. Então, o delta ficou para a foz dos rios quando ela termina em forma de leque, abrindo braços, formando ilhas. Dizem os homens que resulta da grande quantidade de depósitos trazidos pelo rio e da diminuição da sua velocidade, ao chegar ao mar. Toma a forma da letra delta, vista do mar.
– E o estuário? – insistiu Plic.
O rio Amazonas estava feliz com o interesse das filhas. Continuou explicando:
– Estuário é quando o rio deságua simplesmente, sem emitir vários braços. É único.
– Então você é uma mistura dos dois, papai? – perguntou Mina.
– Exatamente. Sou isto aí, ele respondeu.
Depois, abaixou-se e mais uma vez beijou as três gotas.
– Continuem assim, minhas filhas queridas. Estou muito feliz com vocês! Agora, vou preparar a luta com as outras filhas, as Amazonas. De agora em diante, vamos encontrar-nos sempre.
Havia várias ilhas por ali. Plimplim, Mina e Plic aprenderam logo seus nomes: Marajó, Caviana, Mexiana. Em Marajó, ficava o quartel-general da terra e ar. No rio, nas margens, o quartel-general da água.
As três gotas ficaram felizes ao reencontrar a sua amiga Vitória-régia transformada em Amazona. E a Sucuri, a Preguiça, o Jacaré, a Anta, a Tartaruga e todos os outros bichos de quem haviam ficado amigas durante a viagem. E os peixes. Aos montes. Conheceram as piraíbas e os candirus. Havia iaras, que são as sereias dos rios. E as amazonas. Milhares. Um exército de pirarucus. Um deles entrava e saía toda hora, arrumando os pelotões.
– Imponente aquele peixe grande, de escamas vermelhas, circunspecto e forte, comentara Plimplim.
– É o Pirarucu, respondeu Plic.
– Ele tem um nome tão engraçado, disse Mina.
– É um nome de origem indígena que significa vermelho. Ele é assim chamado porque tem escamas vermelhas: observem! É o maior peixe do Brasil, pode atingir até dois metros e meio de comprimento e ter cem quilos de peso! Em cima, sua coloração é escura e tem as escamas pintadas em vermelho na porção posterior do corpo, sobretudo na área das três nadadeiras ímpares, onde é bastante avermelhado. É dos peixes mais procurados da Amazônia não só pela qualidade como pela quantidade de carne que fornece. É chamado bacalhau da Amazônia.
– E ele tem família? – quis saber Plimplim.
– Claro. Todos têm. Sua família é dos osteoglossídeos. A única espécie brasileira é o Arapalma gigas.
– Eta nomezinhos complicados! – comentou Mina, rindo.
– Olhem! – disse Flap.
– Já estão organizando o exército!
– E aquele peixe tão pequeno, que vai fazer lutando? – perguntou Plimplim.
– Aquele, o candiru? – Plic riu. – Garota, aquele peixe é um danado! Tem uns espinhos que podem grudar na pele dos outros bichos, arranhando e ferindo. Nos homens, causam até doenças sérias. Entram por qualquer orifício do corpo e dão inflamações. Os homens têm de ser tratados por médicos!
– Que horror! É tão pequenininho que fiquei pensando o que fariam eles em um exército desses!
– Fazem misérias! Ferem, maltratam, vocês vão ver! São terríveis, esses aí…
– Eles têm família? – Plimplim quis saber.
– Têm. Tricomicterídeos. São hematófagos, isto é, chupam o sangue das suas vítimas.
– Cruzes! Como os vampiros? – espantou-se Mina.
– Isto mesmo. Parasitam as guelras de alguns peixes e no homem causam doenças. Eles grudam os espinhos no animal que atacam e só podem ser retirados com muito cuidado e técnica. Ai daquele a quem atacarem! – Plic explicou.
– As Amazonas são espertas mesmo! – disse Plimplim com admiração.
– Se são, garotas! Vocês vão ver do que elas são capazes. – Plic demonstrava a admiração que sentia pelas irmãs humanas.
– São guerreiras imbatíveis. Papai não disse?
6
Voltaram com as Amazonas aos primeiros afluentes; subiram o rio Negro, o das águas escuras. Lá na cachoeira do Teotônio e em São Gabriel da Cachoeira tiveram oportunidade de observar o fenômeno da piracema, os peixes subindo o rio, contra a correnteza, aos pulos, saltando bem alto para desovar em lugares mais calmos. As gotas viram peixes brilhantes ao sol em tons prata, azul, amarelo, verde e vermelho. Uma festa para os olhos!
Viram índios no Purus, viram as cachoeiras do Madeira. Viram índios no alto rio Negro e no rio Branco. Viram garimpeiros catando ouro no rio Madeira.
Mas chegou a hora de voltar a organizar o pessoal recrutado. As Amazonas corriam de um lado para outro, dando ordens, supervisionando tudo.
Na primeira fila, vinham os peixes grandes, os pirarucus, fortes, pesados, com suas escamas vermelhas. As piraíbas, os dourados, os jaús. E os botos e peixes-boi, que são mamíferos.
Na segunda fila, os jacarés-açus, imensos, de até cinco metros, pretos com manchas amarelo-esbranquiçadas transversais. Olhos vivos e inquietos, cabeça levantada, ferozes, prontos para a luta. As gotas reencontraram no meio deles alguns com quem haviam conversado durante a viagem.
Na terceira fila, vinham os boitatás. Enormes, soltando faíscas, ansiosos para atacar.
Na quarta fila, as temíveis sucuris. Grandes, sinuosas, alertas, prontas para o bote fatal. As gotas reviram com alegria dona Sucuri, com quem haviam conversado tanto tempo.
Na quinta fila, os peixes médios: tucunarés, surubins, os tambaquis, etc. Aí, também, elas encontraram vários amigos.
A sexta fila era dos terríveis poraquês: estavam calmos, antegozando o prazer de atacar para encher de choques o pessoal do mar. Reviram seu amigo Treme-treme.
O sétimo grupo era dos peixes pequenos e crustáceos: candirus, piabas, camarões, etc.
Na oitava fila, vinha um dos peixes mais temíveis: a piranha! Carnívora e assassina, é o peixe que não conhece a palavra piedade. Vinham as espécies preta e a vermelha.
Na nona fila, os seres encantados; mais boitatás, o Saci-pererê, o Curupira, o Mapinguari, as iaras, lindas e soberbas com suas caudas de peixe e seu rosto de mulher.
Fechando o cerco, as Amazonas. Fortes, armadas até os dentes em suas igaras, com as flechas embebidas em curare e as Vitórias-régias transformadas em Amazonas.
Este, o exército do rio.
No ar, araras, tucanos, papagaios, gaviões-reais, condores, pássaros e borboletas, garças, flamingos e guarás coloriam o céu com sua beleza, enquanto levavam no bico pedrinhas verdes e pequenos cocos para atirar no inimigo na hora combinada.
Em terra, estavam alertas suçuaranas, onças-pintadas, maracajás, preguiça, antas, aranhas caranguejeiras, serpentes, tamanduás, macacos de todos os jeitos, de todos os tamanhos, saltando de galho em galho, segurando os coquinhos para jogá-los, na hora exata, no pessoal do mar.
As gotas reviram com prazer muitos amigos do longo caminho que haviam percorrido. Plimplim estranhou:
– Engraçado, quem é aquele que tem uma perna só e a pele escura?
– É o Saci, explicou Flap.
– E aquele de pele clara, com os pés tortos, voltados para trás? – quis saber Mina.
– Aquele é o Curupira, explicou mais uma vez Flap, pacientemente.
– Vejam: as Amazonas estão colocando curare em todas as flechas, mostrou Plic.
– Que é curare? – perguntou Plimplim.
– Curare é um veneno paralisante, extraído de plantas da Amazônia e que os índios usam em suas flechas contra os inimigos e nas caçadas.
– Elas também estão distribuindo pequenos “muiraquitãs”.
– Isso mesmo. A luta vai ser para valer! Agora, vou assumir meu posto ao lado dos grandes peixes. Ao lado dos peixes-boi.
Os pássaros enchiam os bicos com as pedrinhas. Macacos juntavam ouriços de castanha-do-pará e pequenos cocos.
A ordem era aguardar a lua cheia, quando a pororoca trouxesse de roldão o povo do mar, no levantar da onda de até quatro metros.
Todos a postos. As Amazonas, lindas, altivas, os longos cabelos trançados na cabeça em forma de coroa.
Afinal, o grande momento!
A onda arrebentou com um estrondo terrível, um barulho ensurdecedor, levando de enxurrada barranco, árvores, seres.
Plimplim, Mina e Plic sentiram a tontura do torvelinho. Furiosamente, foram jogadas ao mar e um gosto salgado preencheu seus corpos; tremiam de medo, de ansiedade, de insegurança. Queriam tocar-se, mas a água cada vez mais as distanciava uma da outra. Por uns momentos, pensaram que tudo ia acabar. E Plimplim lembrou-se das palavras de sua amiga flaminga:
– “Não fui até o mar, senão me afogava… Há muitos perigos e pode ser que eu não possa ajudar você”…
Por alguns instantes, elas pensaram que iam desaparecer…
Subiam e desciam, mergulhavam e voltavam à tona, sempre girando, girando. Não tiveram tempo de obedecer às recomendações do Boto para afastar-se do local da pororoca. Foram curiosas demais e esqueceram sua segurança…
O Uirapuru cantou, chamando o exército à batalha. E começou a luta!
Elas ouviam o barulho de ambas as artilharias. Os ruídos confundiam-se e era uma loucura só. O pessoal do mar estava tonto com a pororoca, o pessoal do rio estava descansado e tranquilo, em segurança, aguardando que o inimigo chegasse…
Então, os pequenos peixes do rio foram empurrando os tubarões, ainda tontos, para um grande igarapé. Os poraquês iam dando choques e os boitatás queimavam a água, que escaldava. O igarapé era grande, largo, porém raso para tubarões. Ilhados, perdidos, tontos com tanto ataque, eles nadavam e debatiam-se desesperados. Uma chuva de cocos, castanhas e pedrinhas caía do céu. O grupo de terra atacava. Os outros seres do mar, apavorados, bateram em retirada.
Após algum tempo de luta, os tubarões renderam-se. Já nem tinham mais aquela pose de vingadores. Compreenderam que não eram invencíveis!
A uma ordem da Amazona rainha, o tiroteio cessou como por encanto!
E ouviu-se, ecoando em toda a selva, um canto doce e mágico: o Uirapuru!
Nesse instante, a rainha Amazona, linda e arrogante, encostou sua igara em uma das margens do rio, onde não chegava a força da pororoca, de modo que fosse vista e ouvida pelos tubarões e por todo o povo do mar. E pelo próprio mar.
– Os tubarões estão ilhados e vencidos. As forças dos grandes rios venceram as do mar. As Amazonas provaram mais uma vez que são guerreiras invencíveis! – ela falou. E continuou, tentando ser ouvida por todos. – Mas nós queremos paz! Queremos ser amigos e viver juntos com respeito e solidariedade, embora respeitando as leis da natureza e de sobrevivência!
A rainha calou-se e, com um gesto largo, fez sinal aos grandes rios que avançassem e falassem.
Adiantaram-se o Napo, o mais baixo, por ser o menor de todos, o Putumayo, bem mais alto e branco, mais profundo, o Japurá ou Caquetá, o Negro, alto e escuro, cor de ébano, quase negro, o Jamundá ou Nhamundá, o Trombetas, também escuro, o Paru e o Jari, reunindo-se, ficaram à esquerda do grande rio, pois eram os afluentes da margem esquerda.
Seus rostos estavam calmos, deixando transparecer que vinham em missão de paz.
Adiantaram-se em seguida rios claros, brancos, barrentos e verdes, vindos do planalto mato-grossense. Chegou primeiro o Javari que faz fronteira com o Peru, depois o Jutaí, o Juruá, o Tefé, o Purus, cheios de meandros, o Madeira, de águas barrentas, bastante encachoeirado, o Tapajós, o mais belo de todos, alto e forte, de olhos verdes. E, finalmente, o Xingu, o mais encachoeirado, de águas mais revoltas, o que facilmente demonstrava nas ondas acentuadas dos seus cabelos.
Alinharam-se à direita, por serem os afluentes da margem direita.
Uma doce surpresa para Plimplim: de dentro do Amazonas surgiram, majestosos, os rios Hornillo, Apurimac, Urubamba, Ucayali e o Marañon. E tomaram seus lugares ao lado do Amazonas.
Nenhum deles tinha uma expressão brava: pareciam meigos e amigos. Queriam paz…
Atrás, formou-se o exército que lutara. Em silêncio, com uma atitude respeitosa, eles se arrumaram e ali permaneceram. As aves sobrevoavam o local. Os animais da terra chegaram perto do barranco e escutaram.
Várias horas haviam passado depois da fúria da pororoca. O grande rio estava calmo e corria tranquilo. Alguns troncos boiavam ainda. A água do mar estava misturada com a do rio.
O mar, vestido em uma túnica azul-verde, alto, forte, com os verdes cabelos feitos de algas, encaminhou-se para o Amazonas e os dois ficaram frente a frente.
– De hoje em diante, habitantes do grande rio e do mar serão amigos e não haverá guerra entre nós. E todos, respeitando a natureza, viveremos em paz! – falou o rio Amazonas.
Majestosamente, estendendo a mão direita, apertou a mão direita do mar.
Era um momento de grande emoção.
O mar, com expressão grave, respondeu:
– De hoje em diante, eu prometo, todos os seres do mar viverão em paz com os seres dos grandes rios. Queremos paz!
Era lua cheia novamente e a magia já estava no ar.
– Que vamos fazer agora? – perguntou Plimplim.
– Ver a magia da lua cheia e depois voltar até seu lago, todos nós, os amigos que você encontrou nessa jornada, respondeu Flap.
– Então iremos todos? Plimplim perguntou ansiosa.
– Todos, responderam as gotas e os bichos.
FIM
1 Ichu – tipo de vegetação que ocorre nos Andes.