EXÍLIO
Ao meu amigo Silvério Duque, em Candeias.
O senhor sabe o que o silêncio é?
É a gente mesmo, demais.
João Guimarães Rosa
*
( Tenho deixado no reduto da fé,
sobre minha terra, todo encontro
com o desespero quieto que me chama
à canção do destino,
alargando meu solto Espírito no mundo,
– alargado em silêncio… )
Pesada chama é um coração qu’inda pulsa
nas entranhas da terr’alma deste habitante…
pelos vales ruidosos de um sertanejo
estranhando a telúrica trama da morte
no monólogo cotidiano da noite,
onde uma dama de azul-cigano
levita na garganta de uma região inóspita:
metáfora gordurosa do olhar, revigorada no
lirismo da imensidão perdida aqui…
Posto que o amor desta terra,
fora de mim,
não ama a face da terra,
ama o enigma do distante –
destituído de mim,
diluído em mim,
próximo somente do horizonte.
Não há nos Passos,
ou na Avenida Senhor dos Passos,
esperança viva à vista de um amor retirante.
Não há em minha terra um pífano
a enfeitiçar a oração de tantos caminhos:
romeiros por findar cindidos em mim
– pois o caminho finda nele mesmo, mesmo
sendo a palavra e o homem que passa
os ossos velhos que foram nossos antigos vestígios…
( A árvore que dá frutos é a árvore mesma de ser arremessada às
rochas, que ardem )
Não há,
na irmã gêmea da morte,
sete crânios de chamas azuis
a cultuar a vaza de meu peito.
Há – adentro ( andando ),
na íris escura,
apenas
duas memórias fossilizadas
na frágil aridez da minha terra…
memórias multiplicadas
num único bilhete a se deixar na partida…
( Ah!, Imenso mundo que me chega andarilho… )
Surge o coração
que se anuncia da fenda
de meu último sonho: rodoviário.
onde a razão descobre o lenço branco de um janeiro
que se viverá na lembrança de novos crânios existidos num tempo,
de um novo tempo exilado no Crânio da Esperança
– onde a razão é o adeus à minha terra –
um adeus de um eu dilatado, fraturado, mastigado;
consorte do Divino Assassino,
de meu derradeiro Sonho para viver
somado e subtraído na garganta seca
de minha gente,
de minha rua,
de minha calçada,
de minha varanda,
de minha janela aberta à lua de tantos delírios:
– poemas exilados na alma telúrica do universal…
**
Como em mim,
há na minha gente a vontade
da terra que os consome.
Há na minha gente
o pirão de sangue e alma que a terra nos prepara
e que vê na palma um punhado do horizonte,
mas teme subir à face das serras pois nada vê…
Há, na minha gente,
a esperança do amor escondido
no arraial de verdades empoeiradas
de tantos nomes…
Há na minha gente,
o sabor da terra nas muitas linguagens do Sertão…
Há, na minha gente,
um punhado ínfimo de memórias:
gente de lugares nas imagens de gentes;
memórias da sua gente;
metafóricas memórias
dos caminhos, do vão e vem
dos desvios;
gentes de bruma e vice-versa;
muita gente…
Há – na minha gente –
o suor de um nordeste de mármore
( d’um nordeste – homem ):
aquele que luta, que arde,
que pena, que teme o uivo
da própria terra
( da morte )
mas descansa pela força de seu sangue…
aquele que chora com espinhos
e, com a espada de São Jorge,
fere as caiporas do medo
redemoinhando esperanças
do ir e vir,
( caminhando… )
É, Senhor,
o nordeste – mundo,
ventre do nordeste – homem,
é o espirito da minha gente em carros de boi
revivendo-se no sorriso das Romarias.
Sim, Senhor,
eu, como a minha gente,
não pertenço a mim,
Pertenço à poesia destes ritmos;
pertenço à intorpecência de nossos verdes temporários
e de nossos áridos quase eternos;
pertenço ao amor,
nesta e desta terra estrangeira
de lápides barrentas nas mãos;
pertenço à ânsia da vida por ela mesma…
pertenço aos instantes
de meu ser-sendo-sertanejo,
e apareço ao olhar da minha gente,
( simplesmente )
como um estrangeiro dos mesmos áridos ares…
Não, Senhor,
não findo fugitivo de minha gente,
de minha terra ou do amor que me reclama;
findo profanando a vontade
da terra que me acolhe e retém,
que me doa apenas neste bucado do horizonte;
fujo ao encontro do medo
( ou da morte )
que não vê onde a nativa esperança aponta…
***
( A memória do retorno
ainda há de cantar de novo o meu destino,
naquele quieto desespero
do que há de ser o amanhã… )
A jornada pela ânsia da vida
é meu pouso, Senhor,
e a memória da gente, da terra e do amor
que acolherá minhas cinzas no retorno,
ainda serão as testemunhas contra o Diabo
em meio aos nossos caminhos;
Testemunha das benções no abdômen de sangue
que derramei alargado no silêncio
das confusas poeiras do espírito…
Testemunha do homem inclinado à poesia…
das suas mãos sobre os meus ombros,
sobre os meus cansaços
( humildemente ).
Então, se não se sabe o que
não é, poder-se-ia exilar-se no Crânio da Esperança
somente a ânsia do horizonte que não nos cabe,
mas nos acolhe,
sabendo redemoinhar os ventos
do infinito num verso único,
e derramar-se de si no rio fundo do mundo?
– Senhor,
se o sal da sensatez sorver o líquido do vasto
sopro desse ser
( no sussurro moribundo desta terra )
perder-me-ei de Ti,
– da Voz,
na liberdade surda de um fundo de Quintal…