Eugenia varria a sua casa apressadamente com o objetivo de terminar os outros afazeres antes da chegada de Clodoaldo, seu marido. Ela sabia o problema que era um grão de areia passeando pelo ar como um mosquito para lá e para cá, atentando o juízo, como ela dizia. As coisas não iam bem financeiramente na humilde casa suspensa no bairro do Arenoso. Na verdade, as coisas nunca andaram bem financeiramente para eles. Normal. O filho que Eugenia tanto queria tinha que ficar para depois que as coisas melhorassem, e foi ficando, ficando… E até hoje nada do menino. Mas um dia as coisas iam melhorar, ela pressentia. E o filho que ainda não veio diria: mamãe, por que me colocou nesse mundo?
Clodoaldo trabalhava aqui e ali, dizia ser profissional na primeira oportunidade que surgia, fosse o que fosse. “Sim, sim, sou profissional.” Era um trabalhador autônomo. Se orgulhava disso. Enchia os pulmões: “sou autônomo!” Assim ele levava a vida, reclamando pela inesgotável escassez, mas nunca esquecendo o seu posto sagrado: “sou autônomo!” Para tudo ele tinha uma boa ideia. Se o cano inventasse de estourar, ele virava encanador. Se as tomadas fechavam curtos nos poucos aparelhos, ele virava eletricista. Coisa boba, dizia ele para Eugenia que assistia sempre aflita aos serviços do marido profissional em tudo.
Numa segunda-feira, aproximadamente às onze horas da manhã, com o sol tinindo, lá estava ele, tomado pelo suor, em ritmo cada vez mais acelerado, impondo força e objetividade. Elá estava Eugenia, paralisada sob ele, o seu corpo recebendo um fluído estranho. Ele gozou, ela gerou Clóvis. Clodoaldo saiu de casa às treze horas na expectativa de conseguir um novo serviço como autônomo que era. Na mão direita, uma maleta cheia de ferramentas, na mão esquerda, o vazio do mundo. Eugenia e Clodoaldo: sonhos diferentes embaraçados em uma mesma vida. Nada de novo. Clóvis não chegou a ver o sol, morreu nas garras do médico que o puxara feito um câncer maligno. Na saída para a vida, retornou ao eterno nada. Eugenia, com pressentimento renovado, contemplava o livro preto com bordas douradas que eternamente encontrava-se aberto em sua estante. Liga o rádio. Ouve agora uma música bonita que canta: “um milagre irá lhe acontecer.”