Assim os dias transcorriam entre o sal das tardes e o véu das madrugadas. Não foram demais nem tanto. Somente os de algumas indagações e verduras, apesar de nossos sonhos. Sobre palmas cresciam jasmins e begônias quase enlutadas. Diante delas as manhãs floresciam. O sertão incontido na morte dos dias: olhar decainte para o de-próximo, aqueles dias de festividades. Quase mais: dias de apreço e comunhão. A poesia entre semeaduras de-colores: trabalhos de jardinagem.
A pauta de notas decompostas do papel aos ouvidos d’alma é florescimento de melodias sempre antes alimentadas. Os versos escalavam paredes e escorriam trincos e rachaduras severamente esculpidos em nossas entranhas: e era de breve a sonolência a invadir aquela paisagem de sertão recomposta. Concreta que fosse, botava mansidão nos olhos da gente e convertia-se em religiosa devoção. Só mesmo perfumes de perdidas estações nos abatia o peito, e éramos felizes naquele tempo-sem- tempo. Quantos senões naquilo de colher alvas com mãos e sementes de auroras e lubrinas? Não mais que três ou quatro, talvez. Ou quem sabe, se milênios ou esquinas que dobrávamos em palavras. Alimento mais que lúcido para nossos pequenos paladares. O som da cantoria – quase presença – preenchia-me pensamentos e nuvens despencavam do leve suor no retido suceder. Por mais que se quisesse, a oração era a de estar mais próximo de Deus e assim nos sentávamos, entre sonhos e sombras: aos primeiros nasceres do sol. Deitávamos a cabeça d’encontro ao solo seco, humificados pelo amor que a poesia do lugar incandescia. O que havia de melodia era então o pulsar de nossa anuência orquestrada pelo encantar carneiros balindo nas proximidades. O sol novo-lá, altíssimo, e o delírio da melodia nos viajava de por-dentro: onde aquele jardim, agora?
Há milênios saímos de lá. Flores servidas d’orvalhos. Somos mesmo a falta de aquilo tudo. Gardênias ocupam outros vegetais, lubrinam em amarel. E como eram imensos aqueles rituais. O sertão é mais profundo nessas manhãs em que o sol moda-se ao suspenso jôrro líquido das tempestades. O que resta dele jamais retorna outrora: Aurora. Lubrinam os cálidos ventos, transformam o sertão que nos habita em liquidar da paisagem: nossa mais fértil imaginação.
Caminhavamos pelos corredores acompanhando marcas de leves pousares, antes-silentes, diante daquelas verduras, secas, todas, finas, invadindo sentidos: estávamos ali, nos jardins do Senhor e só-muito no depois, viríamos disso, nos aperceber. Estivemos por relance tantinho mais perto de Deus. E nossa vontade era jamais esquecer que as horas definham as gentes e os momentos mais felizes. Entanto, o pulso dos acontecimentos davam a exata medida do inverso: inverno de nossa mais salutar intemperança. A dor da perda era menor diante dos fatos e par de sorrisos quase-ausente nos invadia das têmporas ao mais singelo coração. Era esse o modo de aquecermos semeadura. Como refúgio, mergulhar em terra seca e, à dentro, percorrer palmo-a- palmo escavações aerosas e lubriciantes: a cópula de ramo e lenho; seiva mel; terra e florifrutificações. Tudo fora motivo de iluminação e encontros florais.
O jardim inda lá, insuspeito.
Lagriminhas de Deus-menino, regam-lhe mananciais e lhe colorem de mil perfumes as emanações. Ao fundo, o sertão despenca ainda retinto, jorro líquido de tamanhas benções.
Súbito, pegamo-nos todos quietos, olhares diminutos no fruto da paisagem: begônias-meninas queridamente divinavam.
Estivemos, pois, de somenos, um tantinho-a- mais perto de Deus.