Eu abaixo a blusa e mostro os meus seios leitosos a qualquer um que encontro na rua. Acho que assim consigo provar que estou dando de mamar a crianças e fazer jus a alguns trocados. Perambulo fazendo isso do Carmo ao Pelourinho, todas as noites. Algumas pessoas se assustam e saem correndo, o que me dói no fundo da alma, mas essas pessoas já tinham pavor de mim desde antes de terem me visto, e não doariam nada de maneira nenhuma, então, acaba não fazendo tanta diferença ao fim do dia. Eu sei, são peitos magros e desnutridos, e, ao exibi-los, corro o risco de parecer uma mentirosa desesperada, mas eu não sou mentirosa! Tenho, sim, quatro filhos por aí! Quer dizer, três, desde que Angélica, que me ajudava a conseguir as coisas e me fazia companhia, faleceu, dois dias antes de completar catorze anos. Agora, são dois meninos e uma bebê. Valdinei e Jackson, os gêmeos mais velhos, que já devem ter uns dezesseis anos e sumiram pelo mundo, só aparecendo uma hora ou outra para me pedir favores, e Luana, a mais nova, que vai completar dez meses em breve, se Deus quiser.
De qualquer modo, em compensação, as outras pessoas… Elas me dão todos os trocados que carregam. Costumo ter a impressão de que não é a minha situação que as comove, mas o choque que causo ao mostrar as mamas, pois, depois disso, rapidinho me dão tudo o que encontram nas bolsas — quando moças —, ou nos bolsos — quando moços —, para que eu saia de perto e não os incomode mais. Consigo notar o alívio nos seus rostos quando me distancio. Às vezes, quando me dão trocados poucos, permaneço perto deles só de pirraça. Sentem desconforto com a minha presença, medo e pena. É um negócio esquisito, mas quem vive em situação de rua sabe que é preciso incentivar a piedade alheia para não dormir de barriga vazia.
Bem, eu não preciso dizer que não gostaria de estar na rua, não é mesmo? Afinal, quem é, nesse mundo, que desejaria isso? Há sujeitos que dizem que acabaram nessa situação por amizades, vícios, traições, mas, a verdade é que isso não importa muito. Quem vive na rua não pensa em se justificar ou sair dela, não há tempo para isso. Quem vive na rua só pensa em acordar no dia seguinte e ter o que comer. Digo isso pois, quando me oferecem dinheiro por um boquete, uma punheta ou uma trepada, fico pensando que, se eu tivesse um lar e coisa e tal, talvez achasse esse tipo de ato uma obscenidade absurda, mas, na prática, considerando o que vivo no dia-a-dia, isso acaba sendo bem menos desconfortável do que me alimentar de lixo, ou defecar e urinar nas ruas e não ter papel ou uma mangueira para me limpar, de modo que fico sinceramente feliz quando recebo esse tipo de proposta, pois sei que, com o dinheiro que ganhar, poderei ter um lanche digno ou até comprar algo que preciso muito, como um remédio ou um cobertor. Isto é, se os malditos homens realmente me derem o dinheiro, e não me empurrarem e cuspirem em mim por saberem que não tenho a quem recorrer, é claro. Já que a polícia sempre diz que, mesmo calada, eu já estou errada.
Enfim, voltando ao que estava dizendo antes… esse tipo de abordagem é tiro e queda. A verdade é que as pessoas não ajudam umas às outras por perceberem que elas estão necessitadas, degradadas, convertidas em miseráveis, não. Elas ajudam as outras para se sentirem boas. Adoram quando mais pessoas estão assistindo os seus atos de empatia, e se sentem tão atraídas pela ideia de serem melhores que os sujeitos ao redor, por serem mais bondosas, que se tornam caridosas. Abrem suas carteiras e dão notas de 2, 5, 10 ou até 20 reais! Há dias em que não consigo nada, mas ô como eu fico feliz quando me dão 20! Não tem policial ou sujeito mal caráter que me tire o sorriso do rosto.
Na semana passada, eu recebi 40 reais de dois sujeitos que desejavam sentirem-se bem consigo próprios e abençoados por Deus. Fiquei tão feliz que decidi pedir um prato bacana para comer com Angélica em um restaurante que nunca nos deixava entrar ou pedir restos aos clientes. O segurança era gigante, e colocava a gente pra fora toda vez. Sujeito sem coração. Comemos com tanto prazer e felicidade, que pensamos que a gula fora a responsável por fazer Angélica espumar e vomitar tanto. Só depois de dois dias o IML informou que a causa da morte foi envenenamento. A coitada comeu a parte toda do veneno e me salvou. Só fiquei com uma dor de dente terrível, que só cachaça melhora. Além de uma dor no coração que nem ela resolve. Vez ou outra, eu fico pensando que o mundo nem percebeu a falta dela, e nem Deus. Antes não notava, mas depois que ela se foi, percebi que, de domingo a domingo, ela era para mim como um recurso de sobrevivência. Um instrumento para garantir o preenchimento da barriga e da cabeça. Aqui, agora, enquanto essa dor de dente me faz gemer e os meus olhos lacrimejam, sinto uma saudade danada dela, que era a única pessoa no mundo que conversava comigo, me ouvia e me ajudava a arranjar comida ou cobertor mesmo quando eu não tinha condições sequer de me levantar. Oh, como fui terrível com ela! Eu não possuía senso protetor. Não agia como mãe, não lhe dava valor, e não queria nem saber o que tinha de fazer para conseguir o que conseguia, e olha que ela aparecia com boas quantias e pratos. De tempos em tempos, até esquecia que era a minha filha. Era mais confortável. Somente agora, quando não mais aqui, consigo compreender melhor o que representava para mim. Angélica era o meu anjo, a minha melhor amiga. A minha única amiga. E toda noite em que me deito na calçada para dormir sem a sua presença, e sem ninguém a me fazer companhia, com um olho aberto e o outro fechado para que possa acordar viva no dia seguinte, eu começo a pensar que gente de verdade dialoga, gente conversa, gente não anda sozinha, e me convenço de que sou um animal. Que falta que minha filha me faz!