Zumira casou aos vinte e sete anos. Casou preocupada. Achava que não iria mais casar. Mas casou. Que alívio aquele dia. Não sabia por que tinha medo de não casar. Não sabia o que era o casamento. Não sabia o que era a sua vida. Zumira não sabia de nada. Via que ali, pelos arredores da casa que morava tinham mulheres assim. Mulheres que ocupavam a casa de outras famílias. Mulheres sem casa. Mira sabia que queria uma casa. Porque até ali não lembrava de ter tido casa. Mãe morta, cedo Mira perdeu a casa.
Um ano de casamento, o primeiro filho. – Já deu. Pensou Mira. – Não quero mais ter filhos. Vieram os cinco. Veio a fome. Veio o vício. Marido bêbado. Mira mãe, sem querer, seis. Mira aguentou tudo. Marido bebeu, filho bebeu. Filho bebeu muita água. Água estragada por peixes doentes. Fim de um filho.
Mira aguentou tudo, Mira continuou contando seis. Mira aguentou até. Meninos grandes. Mira tinha uma casa. Era sua. Parece que era isso que sempre quis. Não iria mais sair dali. Escolheu o melhor canto da casa. O mais quente. A beira do fogão. Acendia o fogo todas as manhãs. A lenha queimava o dia, a noite. Ela ali ao pé da quintura. No canto que era seu. Sua casa. Estranhados os filhos, tentaram remover a mãe daquele canto. Os vizinhos. Os parentes. – Sai, Mira. Vem ver o pé de jaca. – Vem ver a laranjeira cheinha de água. Assim cheinha até por cima. Mira não sabia mais falar com a boca. Dos olhos caíam as palavras. A casa de Mira era a casa mais triste. Mira era a mais triste. Mira pensava que tinha casa e que queria sair. Mas não podia mais. A quinturinha do fogo colou sua boca. Seus pés. Mira queria dizer isso aos filhos. Queria que todos soubessem que ela não saia dali porque a quinturinha a segurava.
A família casou, mudou, viajou, chorou, ía e vinha. Dois filhos ficaram. No fogão, Mira. Ao redor da casa, o cachorro, o pai, o bêbado, o apanhador de. O bêbado enticava Mira. Mira derramava água quentinha. O pé de jaca enchia. Cheirava. Perfumava o canto do fogão. Mira queria ver a árvore. As jacas. Os bagos. O amarelo. O visgo. Era o visgo da quinturinha. – Será que tinham passado visgo de jaca? Mira olhava todo o seu corpo a busca de um visgo de jaca. Queria se descolar. Queria ir ver o pé de jaca.
O bêbado começou a sentir Mira estranhada de si. Parece que começou a entender sua vontade de jaca. O bêbado torturou a mulher quentinha com o desejo da jaca, com o cheiro, o cheiro. O cheiro. O cachorro aprendeu com o bêbado e passava correndo pela cozinha com um amarelo pedaço de jaca. Soltava no terreiro, se lambuzava. Se jogava na terra como rindo de mim. Todos os cachorros riem de mim. Todos os bêbados riem de mim. Odeio todos os pais. Odeio Mira que não sai desse canto. Assombro a casa com um vento frio. Passo por perto dela. Assopro sua orelha. Resfrio os pés dos meninos na sala. O cachorro e o bêbado me veem. Riem de mim. Vento ainda mais forte dentro da casa. Resfrio a quinturinha. Confundo a tonta colada na parede. Abro todas as janelas da casa. Plá! Plá! Plá! Correm. Fecham as janelas. Eu estou dentro da casa. Movimento o lixo no chão, as roupas soltas, os tapetes, os panos. Na cozinha, as panelas. Não quero mais me ver na beira do fogão. Não quero mais depender da quinturinha do fogo. Vlá! Vlá! Vlá! Es-p-a-lho o Fogo. Ela cai. Abro as janelas. Ao redor da casa o cachorro grita e se joga no terreiro. O bêbado cospe toda a água que bebeu na casa, quer apagar o fogo. A casa é minha. Sou quinturinha. Multiplico o fogo. O bêbado corre. O cachorro ri. O bêbado é o apanhador de. Os meninos não existem mais.