Criança tem muita arte
E apetite voraz
Para gastar energia
Vive em um leva-e-traz
Brincando o dia inteiro
Sem se importar com dinheiro
Somente em queimar gás.
A estória de Maria
Com o seu irmão João
Deixou de ser fantasia
E infestou o coração
De uma mãe desalmada
Criatura amaldiçoada
Que vive na lei do cão.
Na cidade da Bahia
Chamada São Salvador
Uma mãe ganhava a vida
Na rua vendendo flor
Deixava os filhos sozinhos
Em busca de um trocadinho
Pra comida em casa pôr.
Os filhos o dia todo
Nada tinham pra fazer
A não ser comer salgado
Beber água e ver TV
Viam todos os programas
Da comédia ao melodrama
Querendo de tudo ter.
A mãe chegava de noite
Cansada e mal humorada
Os filhos na frente dela
Não podiam dar risada
Muito menos perguntar
Onde é que papai ‘tá
Senão levava palmada.
Quando estavam sozinhos
Brincavam de ser adultos
Gritavam um contra o outro
Fazendo grande tumulto
Depois iam ver TV
Sonhando em um dia ser
No mundo um belo fruto.
Um dia após brincar
E comer só salgadinho
Bebendo água gelada
Se sentindo bem fraquinho
João disse pra Maria
Minha irmã ‘tou com agonia
E me sentindo tontinho.
A irmã que era mais velha
Disse só pode ser fome
Hoje não comemos nada
Nossa mãe às vezes some
E nos deixa aqui sozinhos
Não se importa nem um pouquinho
Esquece até nossos nomes.
Levantou o pobre irmão
Que estava desacordado
Agiu como uma adulta
Deitou ele com cuidado
Correu logo na cozinha
E pegou uma carninha
Que a mãe tinha guardado.
É que a mãe chegava tarde
Cansada e muita faminta
Tinha que se alimentar
Pra no outro dia estar linda
Por isso comia só
Dos filhos não tinha dó
Queria era um boa-pinta.
Maria esquentou a carne
Com um pouco de farinha
Botou no prato e serviu
Ao irmão numa colherinha
Ele foi sentindo o cheiro
Arrepiou os cabelos
E abriu logo a boquinha.
Foi ganhando energia
E agradeceu à Maria
Que não comeu nem pouco
Da nutritiva iguaria
Ao voltar pra realidade
João pensou na maldade
Que a mãe nela faria.
Pôr ovo quente na boca
Ou queimar com o cigarro
Cuspir no chão quando olhar
Ao lembrar do pai bastardo
Tomar até banho frio
Dormir sentindo arrepio
Se engasgar com catarro.
Maria disse eu fiz
Para você não morrer
Se ela nos botou no mundo
Tem que nos fazer viver
Alimentados saudáveis
E ser bastante amável
Pro Juiz não lhe prender.
A mãe chegou de repente
João se encolheu na cama
Maria quebrou o prato
Perguntou mamãe me ama?
Ela lhe esbofeteou
E pela mão a arrastou
Pro fogão de acesa chama.
Botou o fogo no máximo
E encostou a mão da filha
Em cima da labareda
Viu brotando as feridas
Parecia carne assada
Ela estava esfomeada
Comeria a própria cria.
Maria gritou socorro
João disse mãe não faz
Churrasco da minha irmã
Que apenas gritou seus ais
Um vizinho denunciou
Quando o Juizado chegou
Já era tarde demais.
O Estatuto da Criança
E do Adolescente também
Diz que nenhuma criança
Pode sofrer de alguém
Tortura e espancamento
Fazer sentir sofrimento
Ou tratá-la com desdém.
O comissário a prendeu
Disse que era crime feio
Assar sua própria filha
Que amamentou em seu seio
O homem do bigodão
Quis imitar Salomão
E partir a mãe no meio.
João e Maria ficaram
Sob a guarda da Justiça
Até um dia aparecer
Uma bondosa família
Que faça a adoção
Dos sofredores irmãos
Sem separá-los na fila.
Tem gente até que acha
Que a criança merece
Dizem até que os danadinhos
Aprontam coisa pra peste
E se fingem de anjinhos
Livres como passarinhos
Mesmo que você deteste.
Crueldade não tem preço
É mais que crime hediondo
Tem pais que querem criar
Apenas ordens impondo
Não percebe que a criança
É a única esperança
Pro nosso mundo redondo.
Os pais de hoje em dia
Devem encarar seus filhos
Não como mini-adultos
Ou comedor de polvilho
Mas como seres contentes
Só de limites carentes
Com olhos cheios de brilho.
Jotacê Freitas
Salvador, 04 de agosto de 2007.