Publicado no Jornal A TARDE em 2015.
Tenho uma colega uruguaia, Mariel, que é encantada com a saideira. Ela diz que a saideira é uma entradeira, tamanha sua repetitividade. Lembram quando unidos pedimos a saideira? Aquela rodada de bebidas que era para ser a última de momentos de alegria ou de tristeza, chama outra rodada. Aliás, a última não, lá ele esse negócio de última, quem declara que seria a última qualquer coisa ou acontecimento pode precipitar a passagem dessa para melhor. Nada adianta lembrar aos menos atentos que fala-se de uma última específica, o melhor é não entrar nessa discussão e afastar possibilidades de infortúnio.
É ou não verdade que pedimos sempre uma outra saideira, mais outra, assim por diante? Nem adianta o garçom ou os donos da casa fazerem cara feia. A saideira nunca será a última, és o início de uma próxima. Há duas formas da saideira, talvez, ser de fato a saideira e para as duas há controvérsias e discussões em infindadas saideiras. A primeira forma de confirmar a existência de uma saideira é quando o sujeito ou a senhora morre depois de uns goles, não necessariamente logo em seguida. Sobre essa saideira há de se investigar quando o defunto ou a defunta bebeu pela última vez se o anúncio da saideira existiu.
Sei o que estão pensando ou imagino, mas quem garante que na calada da noite o individuo não teria visitado a geladeira e tomado uns goles da “cura ressaca”? A saideira pode não ter sido anunciada. Triste com a falta de proclamação da derradeira golada, o espírito inconformado pediria eternamente a Exu os primeiros goles oferecidos na terra por gente sabida e de boa índole. Só para rememorar: é recomendado oferecer ao santo o primeiro gole, pingando no chão medida da bebida sem mesquinhez.
Ainda na primeira possibilidade, como ter certeza que lá entre os nove céus do orum (mundo dos mortos) não estaria a pessoa a viver saideiras com amigos a esperar por outros sem antecipar as tais partidas? Antes que falem em saídas bruscas e términos antecipados, digo que isso não tem valia. Violência e interrupções do ritual não constituem saideiras.
Na segunda hipótese a ser debatida e talvez mais provável, a saideira teria dia e hora marcadas, sempre no 31 de dezembro às 23:59:59′. Nesta situação, ter-se-ia a certeza de estar tomando o último gole do ano sem confusões de relógios e horários outros ou por pequena fração de segundo misturaria os goles do fim de um ano com o início do outro? Lembram que o big ben já atrasou? Quem garantiria a exatidão dos relógios?Por favor, não proponham que a saideira seja bem mais cedo para evitar confusões com relógios atrasados ou retardatários. Voltaríamos a problemas da primeira hipótese na funesta possibilidade da saideira antecipar a morte: insola.
Sejam lá como forem as teses sobre a saideira, ela é infinita. A saideira é o sinal de nosso elo, algo como dizer que a amizade continua, uma face de nosso espírito de comunhão. Neste final de 2014, início de 2015, teremos muitas saideiras, algumas reinventadas com suco, refrigerante e água. Sóbrio, apto para bafômetros, irei ao Ilê Asipà fazer o ebó do ano, ouvir as recomendações com Zé Félix como Mestre Didi ensinou e viver tranqüilo em eternas saideiras.