Num gesto sem vontade, ela passa a vassoura pela casa. Os movimentos se demoram cansados, se misturam nas lembranças de menina, da vó dizendo: varrer casa à noite chama coisa ruim. Desalentada da vida, encosta o corpo cansado na parede sem cor, com manchas do passado. A mão continuou na vassoura, deslembrada de ânimo, sente saudades da vó, dos passeios à casa com pé de cajá. Era pequena, ainda recorda como da primeira boneca que foi sua, ficaram na memória as árvores sagradas. Surpreende-se no encontro com a árvore de Iemanjá, se abraçam felizes em cumprir o destino, ela a embala com os galhos, afaga com as folhas seus cabelos. A vó gritava de longe: sai daí, menina! Essas árvores são sagradas; não pode brincar com elas. A vó nem imaginava a ligação entre as duas, a árvore lhe segredou tantas coisas… O vento soprava, era Iemanjá com sua espada na mão, que cortava o ar e lhe transmitia antigos saberes. Voltou das lembranças, já escurecia, terminou a limpeza da casa, lavou o corpo e o descansou na rede. O pensamento ganhou largueza, ouvia distante a voz da avó querendo culpado – pregar botão em roupa no corpo chama a morte abreviando a ida pro além. Lágrimas escorreram, eram salgadas, Iemanjá lhe disse que morava nas águas salgadas, ela iria entender que não agiu de caso pensado. Não sentia remorso, não foi de propósito, mas o marido esbravejou tanto da camisa com botão perdido, que ela pegou um e pregou na camisa já vestida no corpo. Ele fraquejou as pernas, perguntou – o que é isso mulher, que tá assucedendo? E foi escorregando a vida, quando chegou ao chão ela já tinha ido embora. Estava mortinho da silva. Chorava e não era de saudade do traste, era do afago da árvore.