Ainda não me convencera das voltas todas. De quantas as escalas que nos impomos diante de sóis ou mesmo tempestades. Dia de festa e festividades, aquele. Todos ali em serena contemplação. Ele, pai, mãe, tios, enfim. Dia de ida à terra natal revisitada. Não pudera me conter a tamanha excitação: o lugar de nascedouro de todo caminho percorrido. Tempo de festa, sorriso ao vento ante algo de suaves agonias. Então, a súbita visão: uma pedra sob-sombra de árvore qualquer e olhos no acompanho de águas vertendo, aos montes, rochedo abaixo. O som d’estrondo e turbilhão de milhões de partículas d’água, espumas no vago de aerações e luares amanhecidos. No rosto das gentes frescor d’alva nascente. O corpo dele lá, apoiado quase-ausente no compêndio da verteção, envolto pelas névoas das precipitações. Sol deve ter rasgado feito punhal a espuma esvoaçante. Deve – é preciso – não ter olvidado dos rumores mais silentes que escorressem, talvez, pelos túneis e labirintos do pensamento dele, pousado quase-só diante do tudo aquilo. Escorrer de todas aquelas emanações. E uma sede emergindo do mais profundo volume d’água, porto de impenetráveis iluminações: aquela sede, entre-mares e líquidas imensidões. A queda d’água interligando céus, infâncias, sonoridades-aniz em tempo passante, certos receios-celestes, sopro-marinho estancado por garganta, notas musicais, vida por breve-fio, dores e pequenos desentendimentos, o chão da terra, o verde da pedra em que quase-suspenso; olhares todos de todos os olhos, a vida na tela das rememorações enquanto jorros d’água despencam e pulverizam – aos ventos – a sede maior de os espíritos-ventos, agasalho de tristezas e férteis felicidades. Verdade? Dia de festa e felicitações. Água e águas enxurrando. Parecia era de quilômetros de alturas; de maior qu’estrelas cadentes ou tempo de chuvas ancestrais. O corpo lá e os olhos longos, longe, mais quietos que jamais, de encontro ao volume líquido por infinitos os lamaçais. Meus olhos ardiam de ver e se misturavam ao denso ar aquoso, quase sem respiração, o-meu- o-dele. E a sede branca, o único veio de salvamento, o último entre-suspiro- capaz sem movimento, contrastando com o despencar vertical. Não. Não compreendi que dos olhos dele jorrassem outros vegetais. Jamais consideraria que dos meus vertessem outros quantos vendavais. – Os pelos-sinais? Então procuro – os olhos retesados contra o peito – por uma só oportunidade. Busco a fera de dia aquele soterrada em minhas insanas recordações. Anseio por ver-me onde desterrei-me sem saber, naquela tarde, entre tantas noites amanhecidas. Tempo de borboletas. Esperado encontro: a festa. As frutas todas lá, conformadas à manhã inaugural. Frutas ao sabor de sol, no muito verde entre águas escorreitas e sonoridades matinais. Todos cantos. Passarinhais. Tempo era de muita manhã e quietas verduras. Uvas – muitas uvas decepadas – à mostra o brilho do retinto sabor. Aromas e vinhos pelas encostas da garganta; as todas tonalidades: pêssegos talhados; frigores; melancias partidas; as telas todas ensolaradas; mangas-girassóis; todos os laranjais; festa de sabores; mananciais; espumas líquidas espocam romãs-frugais; melões; peras; fatias de sede: perdições; uvas, uvas – por demais saboreadas–; todas florações, dálias, lágrimas serena-pendentes; angélicas, palmas, hortênsias, rosas, rosas brancas-tão- alvas, lírios, madressilvas, lírios, lírios, gardênias, glicínias meus olhos lá: entrecortar de todas as florifrutificações. Assim fosse se não atinasse, na curvatura das horas incertas: onde-quando lá? A manhã aquela, a tarde aquela, o escuro da noite por moldura. Onde, onde, aonde passos de meus passos? O som de todos os pássaros; noites mal dormidas, pequenas agonias e sortilégios: instante de breves vendavais, quase-tormentas: quisera eu gritar entre frutas e luarais. Quisera o tanto e o como. Quisera um pouco da fina-dor que alimenta nossos corações; alentos e angústias vagando nos olhos da gente. Pai, mãe, irmãos, tios e tias – todos – ocupando devido lugar na hora exata das coisas quase-ausentes: morte aos poucos de cada instante e o que há de vir. Tempos de remanso. A lua, talvez, por coincidência. Mas, a sede, a sede por enxurrada desde dentro até o lugar do encontro. Conferência dos ponteiros. Nada mais que além. Festividade no cair das tempestades e só quisera mesmo era lançar-me de corpo profundo e suores menores naquele rio de águas tardes. Percorrer todos filamentos meus, ramagens, liquens, restolhos de folhagens e forragens. E – talvez – por fim, ter-me a mim por mãos dadas, abraço no próprio abraço, quisera eu, mas, quanto? Deus meu! E tudo não passara de breve festa de sabores e umas poucastantas pequenas agonias. As frutas inda pousadas, estendendo sabores e perfumarias no compondo daquela manhã, onde nasci. Primeiro nas pontas de lápis sobre varais de papel – 2 anos depois de ter aberto os olhos. Depois, na manhã fatídica quando despenquei-lhe das mãos e – em súplica renúncia – espero pelo solo que me acolha e me revele. A clarineta, eu flutuando na hora exata, entre dedos inertes e frio do chão. Até quando todas as sedes?
Eu olhara desde fora até o mais remoto pensamento e de nada me valera dedicação toda. Soubera mesmo que ele se fora entre uma manhã e outras tantas; entanto, a falta que dali advém preenche de vazios e aerações os ocos de minha garganta livrepresa aos descontínuos d’esquinas e arribações. As águas seguem destinos desfiladeiros, ruas, veias e artérias: meus corações. O dia da festa aquela. Pulso de um tempo em que harmonias centraram vitalidades e acordes os mais inebriantes. Então, ouço-me escorrer entrepautas e me aprumo – quase-ausente – em colcheias e semibreves notas musicais. Desloco-me por corredores e chaves e sopros de clarinetas: o moleque da rua 1. A minha inda aqui, longe dos dedos. Falta o ar-devido para toque de meus lábios. Som retido perene, em dentro o instrumento. O meu calado. O dele silente. Nem a menor expectativa – por macia que fosse – de acontecimento depois daquela festiva manhã entre verduras e sabores em que todos ali nascemos. Ali. Ali onde uvas e girassóis repercutem – de rumores – nossas vidas e onde ali, bem ali, talvez tenha me entregado ao cansaço maior – cansaço de cansaços – em que me enterrara em solo logo, longo, longe: corpo deixando-se aos ventos. Ínfima fortuna – entre pele e solo – fora o veio de travessia por onde diluí-me, espargi-me, liquefiz-me, evaporei-me, sem o nada dizer. Estava só, desde então. Sem ninguém por perto e por milênios. Nem de-mim. A dor da festa crescente por instantes de imensidades e pequenas saciedades. Intensas agonias. Nada além de 30 pulsões distante de mim. Olhos quietos e insuspeitos. O espanto rasgara-me aos terços. Lenhos e lanhos. Sobre pedra-manhã – bem aquela, observe ao lado – pousado estivera. Ali por milenioseternidades. Não dera conta por trânsito de pensamentos que vivenciara dentro daquele olhar lançado contra a vertigem das águas que desciam-desciam rolantes pedras abaixo e, no repentino, não era mais sede e sim eu sem manhãs, nem tempestades. Tudo só. O compondo de sucesso até então não exercitado; ali há uma distância das mãos – de meio a meio – entre pastagens e girassóis aos ventos e ventanias e torvelinhos e nutrições e vertedouros. O peito pelas esquinas e mantos de germes rodando girando azulando tempo das tempestades que não sei se vividas ou negadamente inundadas. Não sei, nem quero. Uvas e pêssegos: os todos sabores. Perda de tardes-quase- noites e lágrimas e negras jaboticabas: meu velho balanço de romper vendavais sob parreira aquela. Vertendo espaços. A casa. De antes e de antesmente-antes. As duas, as mil, quantas entre sóis? Quantos sóis e desertos e suaves melodias vindas de lugar de lonjuras onde pequenas agonias acostumavam com gentes e parentes. Um lugar d’esmo, esquecimentos e felizes desolações. Lá a cachoeira. Som de clarineta em precipício. Lá, o corpo lá. Pertinho de Deus.
Eramos.
Registros. Verdades. Datas. Invenções. Nada além de contingências das tempestades. Eu olhava estrelas enquanto água rolava rochedos e liquens, naquela tarde. Suor do rosto mais diz que mil palavras, se saídas da garganta. E é de pedra o silêncio das clarinetas naquelas enxurradas. Eu ali, no adiante – entre fantasmas, escombros e recordações – olho; tempo de borboletas e o lume aceso do deserto, pulso d’encontro aos mananciais mais líquidos, vertidos daquela tardia tempestade.
Que-não.
Às horas todas, no por-dentre.
Enfim:
Na cabeça do tempo
Eu plantei um Ipê,
Amarelo. [2]
[1] Paisagem: festa – longe dos homens – pertinho de Deus, Torrinha
[2] G. M.