Eu vos dei a minha vida. Agora ofereço a minha morte. Nada receio. Serenamente dou o primeiro passo no caminho da eternidade e saio da vida para entrar na História.
A venda ia se enchendo. Era como se, de uma hora para a outra, todo aquele lugar fosse incondicionalmente getulista. Mas não. Difícil era encontrar uma só casa de roça que não tivesse o cartazete com a foto de Cristiano Machado ao lado de um boi. Naquele mundo de pequenos proprietários rurais houve uma identificação maior com o candidato à presidência pelo PSD (o Partido Social Democrático) nas eleições de 1950, do que com o gaúcho que cativava as massas de trabalhadores urbanos. Agora os sentimentos eram outros. A trágica morte de Getúlio Vargas os fazia oscilar entre a perplexidade e as interrogações. Estaria a mão da grande perdedora em tal pleito, a UDN (União Democrática Nacional), por trás do dedo que apertou o gatilho? Atento à desolação reinante, concentro-me na voz do rádio:
– “… esse povo, de quem fui escravo, não mais será escravo de ninguém”.
Com essas palavras, que ali deixavam todos tocados, Vargas se rendia como um herói. Sua morte, porém, deixava apreensões no ar:
– É agora que o comunismo vai tomar conta do Brasil.
Comunismo?
Eu ainda não sabia o que era isso. E, com certeza, nem o homem na venda de Josias Cardoso, que tanto o temia.
*Crônica publicada originalmente pela Editora Íbis Libris, para a Primavera dos Livros, realizada no Museu da República/ Palácio do Catete, de 29 de novembro a 2 de dezembro de 2007, e da qual Antônio Torres foi o patrono.