A aula estava acabando. Chegara o momento mais esperado por Pedro. As
pernas tremiam, parecia não ter mais forças. No estômago a dor do vazio, aquele imenso buraco com uma ferocidade capaz de devorar toda a atenção do menino. Não guardou uma só palavra dita pelo professor.
Aquele vazio lhe roubava a alegria que existe no olhar de uma criança, mas a tristeza felizmente era passageira; acabava sempre na hora da merenda. Assim que o sinal tocava, ele se dirigia à fila, comia e repetia duas ou três vezes. Os colegas caçoavam, falavam que ele era morto de fome, que parecia nunca ter visto comida.
De fato, comida era uma coisa rara. Era órfão de mãe, morava sozinho com o pai — alcoólatra. Muitas vezes perdido na embriaguez, se esquecia do filho e gastava boa parte da aposentadoria de viúvo com bebida.
Em casa, Pedro era quem cuidava dos afazeres domésticos. Quando o pai
comprava os alimentos, ele se virava, cozinhava, comia o que tinha sem reclamar, mas nos dias em que o pai bebia e não tinha nada pra comer em casa, Pedro ia para escola de barriga vazia e, durante as aulas, só conseguia pensar na merenda.
As raras vezes em que estava sóbrio, o pai de Pedro até cozinhava, e quando não estava muito embriagado levava o menino para comer cachorro quente na barraquinha da esquina. Por isso, a zombaria dos colegas não o incomodava, o que incomodava mesmo era a fome, que frequentemente só era saciada durante a merenda.
O olhar sem brilho do menino passava despercebido em meio aos professores atarefados, preocupados com as dívidas, o salário baixo, os problemas familiares, a não realização profissional. Pedro era só mais uma peça no tabuleiro da desigualdade e do descaso social, sem movimento, sem cor, com fome, sempre atento ao cardápio da merenda escolar.