Ressoa na memória a impressão da música:
por quanto tempo mais poderemos tanto?
Uma saudade obscura, uma febril antecipação?
Correu pelas veias o sangue ágil do anjo.
Silêncio trêmulo de notas percutidas,
o parentesco nos faz ainda suspensos no ar.
Quem ouve agora a moça cantar
e o violão da véspera?
Ressoa na memória a impressão da música:
se a carne lateja, é que a alma sonora
teme por teu segredo, senhora!
(Por que nos decifras aguda?)
Vamos esquecer, esquecer,
deixar o anjo ser pássaro:
correr o pano que se abriu de novo, a memória
onde ressoa a impressão da música.
Nós nos dispersamos; alguns sorriem, no dia de hoje…
Lábios ridentes em que morre a canção, dizei ao poeta
que sua mão não pode com a memória inquieta,
que só o anjo, só o anjo canta sem ela
isto que é a impressão da música.
In: Natal de Herodes. Ilhéus: Mondrongo, 2017.