Era sexta-feira e lá vinha D. Graça com sua bolsa estufada do lado, vestida numa legging marcando seu corpo de mulher de sessenta anos e com a blusa bem colorida. Entrava no bar saudando todos com o seu grito de guerra:
– Salve, minha família!
Dirigia-se ao espelho grande que ficava na entrada e dava para si mesma seu sorriso largo, remexia na bolsa até encontrar o batom rosa choque, borrava a boca e, aí sim, pedia sua cerveja preferida. Encostava no balcão e era sempre a mesma coisa, conversava com todos que entravam, discutia, às vezes, oferecia cerveja, pedia também:
– Paga uma cerveja aí, minha família! – Depois de um tempo já se ofendia e ofendia aos outros, à toa, do nada, gritava com sua voz de bêbada: -Pega visão, disgrama!
As pessoas riam e, aí, ela começava a chorar e contava aos gritos:
– Eu nunca tive mãe, eu não sei de onde eu vim, também não sei pra onde vou. Fui criada sozinha, comendo pão com água aqui, farofa de azeite ali. O Candomblé me acolheu. Iansã me escolheu, mas eu sou do mundo, eu sou de todos, eu sou de tudo!
E chorando e chorando muito, começava a dançar. E chorando, dançando e gritando, se despedia do
bar:
– Pega a visããão, disgraama!