1.
– Peguei! Olhem que lindo! – dizia a menina magrinha e alta, sorrindo feliz.
– Deixe que eu coloco na lata – fala outra garota, aproximando-se: um rosto de boneca, com adorável narizinho arrebitado.
– Mas tenha cuidado, Verinha, siri é um bicho danado… continua Lite, segurando o jereré com cautela, enquanto o aproxima da lata.
– Pode deixar, minha irmã, é comigo que se acertam os siris… tenho um jeito especial, veja!
E com seus dedos habituados a pegar o animal, Verinha vai segurando-o pelas costas para impedi-lo de morder. Mas, ao tentar jogá-lo dentro da lata de querosene, onde estavam os outros pescados, ela se distrai e… zás! o siri morde-lhe o dedinho mimoso!
– Ui, seu diabo! Você mordeu meu pé… – e volta para a areia, correndo.
– O pé? – pergunta Lite, sorrindo maliciosa. – Pensei que fosse o dedo da mão…
Isso foi o suficiente para Verinha ficar amuada, pois a irmã e a prima, outra menina que está com elas pescando, ficam rindo do seu embaraço, enquanto voltam a lançar os jererés na água.
– Prima, não fique zangada! Sabemos que você sabe pegar siris melhor do que nós… Não fique triste.
– Não estou triste… Vou apenas tomar um pouquinho de sol, Margot. Daqui a pouquinho volto para pegar meu jereré e continuar a pescar…
A menina se afasta pela extensão da praia e vai caminhando, enquanto olha as pedras grandes e cinzentas, e os barcos ancorados que balançam ao sabor das ondas…
Para diante de um coqueiral e, distraída, risca a areia com o pé, sonhando…
De repente, uma vozinha doce, sussurrante, pergunta:
– Por que está zangada?
Verinha volta-se, rápida, para as outras duas, que continuam, cada qual com o jereré na água, pescando siri…
– Quem falou comigo? Você Margot, ou Lite?
– Nenhuma de nós – respondeu Margot, virando a cabeça em direção à prima. – Você está sonhando?
– Não ligue! – continua a vozinha doce. – Elas são duas bobas, mas gostam muito de você.
– Quem é você? – pergunta Verinha, ressabiada.
– Está falando sozinha, Vera? – Lite vem para a areia com novos bichos pescados e fita a irmã com ar preocupado.
– Com ninguém – responde a menina, botando um palmo de língua de fora.
Pensando melhor, vira-se para a irmã e pergunta:
– Vocês não estão ouvindo uma vozinha doce?
– Vozinha doce? – pergunta Margot com estranheza e olhando intrigada para a prima.
– Sim, uma vozinha doce. E não parece com a de vocês! – completa a menina, convicta.
– Não. Nós não ouvimos voz alguma… – diz Lite, enquanto faz um sinal imperceptível para Margot.
As duas encaminharam-se para Verinha, abandonando os jererés vazios perto da lata.
– Está sonhando, Verinha? Venha pescar siri que é muito melhor. Veja quantos já pegamos!
A vozinha fala apressadamente:
– Vá, Verinha! Hoje não posso aparecer ainda… Mas qualquer dia destes virei visitar vocês… Até logo!
Um arrepio passa pelo corpo da menina vestida num maiô azul. E pergunta, assustada:
– Quando você volta? Quem é você?
– Volto logo que possa. E me chamo Leyly… até outra vez!
– Até outra vez, menina invisível!
Lite e Margot sentam-se perto dela e ficam olhando-a sem entender. Tinham ouvido suas últimas palavras.
– Você tem alguma coisa? – pergunta Lite, colocando a mão espalmada na testa da irmã. – Não… Não está com febre – conclui, olhando desconsolada para Margot.
– Claro que não estou com febre, Lite. Ouvi a menina falando – observa Verinha, com os olhos brilhantes de excitação.
– Você comeu banana-prata hoje? – pergunta Lite com ar preocupado. – Mamãe diz que banana-prata lhe faz mal.
– Não comi banana-prata coisa nenhuma! – responde Verinha, irritada. – A menina falou comigo. Não me lembro do nome que ela disse, porque era um nome diferente, que nunca ouvi antes.
Verinha olhava para as duas com um ar desalentado. Lite e Margot fitavam-na preocupadas. As três possuíam cabelos castanhos e longos, traços delicados. O rosto de Verinha era oval, com um delicioso narizinho arrebitado. Margot tinha rosto redondo de boneca e olhos esverdeados. Lite era alta, magra e seu rosto era comprido, com olhos grandes, expressivos e negros. Tinham, na época, oito, nove e dez anos, respectivamente.
– Mas Verinha – insiste Lite – ela falou e você não viu quem era? Isso não é possível!
– Será o Peninha? – pergunta Margot, com sua imaginação fértil.
– O Peninha de Pedrinho e Narizinho? Ora, Margot, isso só existe em livros de história – responde Lite, irritada.
– Mas o Peninha é a única pessoa que eu conheço que fala e ninguém vê – justifica Margot entristecida.
– Mas não era voz de menino! Era de menina e era muito doce – Verinha explica, enfiando os dedos nos cabelos sedosos, num gesto muito seu de quando estava preocupada.
– Quem será então, Deus meu? – pergunta Lite.
– Quando contarmos a todo mundo, vai ser um sucesso! – diz Margot, animada com o mistério.
– Nada disso! – adverte Lite sensatamente. – Até que fique tudo esclarecido, não vamos comentar nada com ninguém… E, depois, é tão gostoso ter um segredo só nosso!
– É… Tem razão. Você tem mais juízo que eu.
– Bobinha, também sou mais velha, não é? – diz Lite, acariciando os cabelos da prima.
De repente, ainda preocupada com a irmã, vira-se para ela e pergunta:
– Verinha, hoje foi a primeira vez que você ouviu a tal voz?
– Foi, eu juro! Antes eu nunca tinha ouvido voz sem ver gente. Juro! – E seus olhinhos doces fitavam meigamente a irmã.
Lite acariciou-lhe as faces coradas pelo sol de verão e disse com carinho:
– Tenha calma e confie em mim! Acredito em você.
E, sentando-se na areia ao lado da irmã, continuou:
– O que foi mesmo que a tal menina falou?
Verinha repete toda a conversa que tivera com Leyly. Quando termina, Margot exclama, batendo palmas:
– Que bom! Tomara que ela ensine a gente a ficar invisível também.
– É mesmo! – diz Verinha, entusiasmada. – Nunca mais a gente apanha. Quando mamãe correr para nos dar umas palmadas, a gente some – sorri, vitoriosa.
– Mas… será que ela ensina à gente? – pergunta Lite, pensativa.
– Deve ensinar. Ela me parece tão boazinha…
– Vai ser tão bom sumir na aula de piano! Quando Dona Júlia chegar e puxar a cadeira daquele jeito de mandona, perguntando se a gente sabe as lições, na cadeira redonda haverá apenas… ninguém.
– Verinha! Já pensou no susto que ela vai levar? É bem capaz de desmaiar.
– Eu também, quando paizinho me botar de castigo na cadeira, sumo e venho brincar aqui na ilha… – diz Margot, com seu jeito faceiro.
– Sozinha? – pergunta Lite.
– Com vocês, é claro! Podem deixar que aviso.
“E eu?” – fica pensando Lite. “Qual será a melhor hora de desaparecer?” E pensativa, volta a cabeça para o local da pescaria.
– Olhem os siris! Esquecemo-nos deles e os mais sabidos estão voltando para o mar.
– Lá se vai nosso jantar – fala Margot.
– Vamos tampar as latas logo.
E Verinha corre, procurando agir depressa.
Nesse momento, ouve-se um chamado que vem da fazenda, trazido pelo vento:
– Li…te! Veri…nha! Mar…got!… A janta tá na me…sa!
– Ih! Como Lurdes tá apressada hoje! Vamos logo!
– É porque o motor da luz não está trabalhando bem. Mamãe mandou botar o jantar mais cedo pra gente comer direito, sabe como é, na base do candeeiro… – explica Lite.
– Ajudem aqui – pede Verinha – Os siris estão fugindo.
As três arrumam seu material e seguem, pensativas, para casa. Vão comentando sobre a estranha voz, a menina invisível…
– Será que ela vai voltar mesmo? – pergunta Margot.
– Será que ela existe? – diz Lite, num fio de voz.
– O que você quer dizer com isso, Lite?
– Sei lá! Sabem, agora me ocorreu que seja alguma peça dos meninos pra deixar a gente tonta… aliás, não é a primeira que nos pregam. Ah! Mas se descubro…
– Você acha, Lite, que eles são capazes disso? – Pergunta Margot, cuja fantasia já dera rédeas soltas à imaginação.
– Claro, bem pode ser. Vocês se esqueceram do canavial?
– É mesmo! Quando descobrimos e mandamos tirar as canas e as escondemos debaixo dos colchões, eles as pegaram, chuparam e depois devolveram apenas os bagaços, aqueles pestes. – Verinha faz um jeito cômico de raiva.
– Mas será que teriam coragem de fazer uma coisa dessas? – insiste Margot, não querendo se desfazer da ilusão.
– Ora se fariam! Somos as menores da turma e todo mundo manda na gente… Vocês veem que, durante o jantar, quando o motor pifa, eles pintam o diabo com a gente. Tia Tieta cata o siri, bota em nosso prato. Quando a luz volta, o que há em nossos pratos? – pergunta Verinha.
– Apenas cascas – diz Margot, com um suspiro. – Dos siris que eles comeram… Nós, nós temos mesmo é de nos contentar com pato, porque siri não tem mais.
As meninas caminham, ligeiras, pela areia da praia. Até que chegam a um grande portão de ferro que encima três degraus toscos feitos de largas pedras brancas. O caminho para casa é uma pequena ladeira em cascalho, ladeada de acácias e flamboyants alternando com bambus que se cruzam, formando uma sombra acolhedora, onde as folhas caídas constituem um colorido tapete natural.
Da varanda da casa, uma voz de mulher pergunta:
– Como é, pescaram muito siri?
– Veja, mãezinha, que beleza! – Margot, adiantando-se, mostra a lata.
– Nem um pio, ouviu, sua linguaruda! – diz Verinha para Margot, levando o gordo dedo aos lábios em sinal de silêncio.
– Ouvi, sua inventora de Peninhas! – responde a prima, esticando a língua com raiva.
– O que é isso, filha? Que modos mais feios!
– Não é nada não, tia Tieta! Elas estão apenas brincando – acomoda Lite.
E, baixinho, para as duas:
– Vejam se não entornam o caldo!
Entraram cantarolando na casa amarela de combogós vermelhos. E, cantarolando, passam pelas varandas cheias de redes. Uns conversam, outros jogam, outros cantam…
Iza, a dona da casa e mãe das meninas, aproxima-se e dá uma palmadinha carinhosa na poupança de Margot.
– Então, minhas bichinhas, que tal a pescaria?
Seus olhos negros refletem a bondade e a ternura que lhe caracterizam a alma, quando se dirige amorosamente para as meninas.
– Veja, tia Iza, você mesma! – e Margot exibe orgulhosamente a lata cheia dos irrequietos bichinhos.
– Então levem para Lurdes prepará-los – diz, rindo, Aguiar, o chefe do clã, abraçando a esposa com carinho.
Mais tarde, Ila, uma das filhas do casal, vem passando pela casa e chamando a família para o jantar.
– Vamos aos siris, senhores condes, duques e barões.
– Vamos a eles! – dizem os rapazes, saltando do muro baixo da varanda.
Na confusão de gentes, Ila dita ordens:
– Todo mundo lavando as mãos! Avan..ça…ç…çar …r…arrrr…! – grita ela, pondo as mãos em concha, feito corneta, diante da boca. – Cada mãe segure suas ferinhas! Tu…tu…ti…tu…
E à noite, deitadas nas caminhas juntas, no grande quarto de telha-vã, as meninas cochicham até tarde sobre o estranho acontecimento. Até que, com voz doce, Iza ralha, com seu jeito delicado:
– Vão dormir, minhas bichinhas!
– Psiu! – completa Aguiar, também em tom carinhoso. – São horas de dormir… Agora, as janelinhas vão fechar e as garotas vão sonhar com os anjos.
– Amanhã continuarão as brincadeiras. Vão descansar agora, – fala Iza, com sua voz arrastada de baiana.
Os três pares de janelas se fecham, sonhando as pequenas com um alguém estranho de quem só conhecem a voz…
2.
Manhãzinha, logo cedo, as meninas já estavam prontas, de maiô, ansiosas pelo banho de mar.
Na grande mesa, os donos da casa, Aguiar e Iza, sentados lado a lado na cabeceira. Dos lados, a família e, na cabeceira oposta, as três meninas.
Elas comem apressadamente. Após o agradecimento a Deus, Aguiar diz, sorrindo:
– Gente ao mar! Duques, condes e marqueses, senhoras, crianças, sigam-me! – e levanta-se, observando a confusão da sala.
É um tal de arrasta-banco, corre-corre.
– Cadê meu maiô? – pede uma.
– Céus, onde meteram a esteira? Ontem, estava aqui…
Margot, Lite e Verinha esperam sentadinhas no chão da varanda. Margot cochicha para Verinha:
– Será que é hoje?
– Psiu! Paredes têm ouvidos – responde a menina.
– Todo mundo pronto? – pergunta Iza, seguindo em direção à praia, elegantemente envolvida em uma toalha colorida.
– Todo mundo, mamãe – responde Lite, levantando-se rápida. Seguem todos e se divertem regaladamente, nadando, boiando, pulando dos barcos ancorados na pequena enseada.
À tarde, na mesma hora do dia anterior, as crianças voltam a passear sozinhas. Ficam sentadas nas pedras, no lugar exato em que a voz apareceu e aguardam, os pequenos corações ansiosos.
Mas nada de novo acontece.
Passam-se os dias… E as meninas já estão ficando ressabiadas.
Uma noite, a lua estava cheia e a família resolveu fazer uma seresta. Uns sentados nos bancos, alguns pendurados no muro ou deitados nas redes, outros ainda abraçados a violões, acordeons, afoxês, tambores, pandeiros, caixa de fósforos e até tampas de panelas. Além da família, amigos das fazendas próximas, como o Dr. Nélson, o barão, o Sr. Lauro, o visconde, tocando violino e bandolim.
O coro ia animado, a lua muito brilhante, quando de repente Tieta, arregalando os doces olhos verdes, exclama:
– Olhem que luz intensa! Até parece que o sol vai nascer de novo!
Todos olham na direção apontada e veem realmente um clarão forte e branco, como se fosse um banho de prata, emergindo no horizonte.
A luz avançava, subindo pelo céu, clareando toda a praia. Era como se estivesse amanhecendo. Todos ficaram maravilhados.
– Vamos até à praia ver o que há – propõe Aguiar.
– Não será perigoso? – pondera Iza. – Nem sabemos o que é.
– Mas é uma beleza, não? – interfere Tieta, extasiada.
As crianças observam tudo com muito interesse. De repente, a luz faz um movimento vagaroso para um lado, para outro, vasculhando toda a área, repete o movimento e, como começou, apaga, deixando a lua brilhar sozinha.
– Que pena! Estava tão bonita – lamentou alguém.
– Pareciam fogos de artifício – diz Iza.
– Minha sonhadora! – Aguiar beija a esposa com carinho. – Devem ser os holofotes. É a segurança da Baía de Todos os Santos, minha gente…
– É verdade, são os holofotes – diz, desanimada, Tieta. – E eu que já estava fantasiando as coisas…
– Que luz mais bonita! – diz Lite. – Pena que seja de holofote!
– Queria que fosse do quê? – pergunta, com ironia, Hélio, o irmão homem ainda em casa, pois Walter, o mais velho, já formado, médico, morava no interior.
– Sei lá! Do carro de uma fada talvez – explica a menina com um suspiro.
– Eu também estava sonhando com histórias – diz Tieta.
– Histórias? – pergunta Guinu, seu marido.
– Nada… sonhos… fantasias… – responde a moça, distraída, passando os dedos longos pelos cachinhos louros de seus cabelos curtos.
– Aguiar, nossas mulheres são duas incorrigíveis sonhadoras! Uma simples luz de holofotes é capaz de transportá-las para outro planeta. Não têm jeito mesmo – diz Guinu, rindo.
Mesmo assim, ficam os mais velhos até muito tarde trocando impressões sobre o estranho acontecimento.
– Não parecia holofotes – dizia Renato, irmão mais novo de Iza, formado há alguns anos em Medicina.
– Mas o que seria, então, se não fosse holofote? – perguntava Carminha, sua esposa.
– Fogos-fátuos, talvez… só que nunca os vi tão belos e demorados – diz Iza.
– Que são fogos o quê? – pergunta Margot.
– Fogos-fátuos, querida. São fogos feitos de luzes que têm brilho rápido, isto é, duram pouco tempo. Entendeu?
– Mas, tio Renato, nossa luz demorou muito tempo – observa a menina.
– Nossa luz? – pergunta o tio rindo. – É… Deve ser nossa mesmo – ele conclui – ou para nós…
As meninas se afastam para a varanda do lado da casa. Ficam quietinhas, olhando o céu iluminado, agora, pela luz da lua e das estrelas.
Uma vozinha doce se faz ouvir:
– Gostaram de nossa luz? Não prometi que voltava?
Elas se olham assombradas. Margot balbucia:
– Verinha! Estou com medo…
A voz continua:
– Não tenham medo. Não lhes quero fazer mal.
Verinha pergunta, fingindo-se forte:
– Quando nós vamos ver você? Como é mesmo seu nome?
– Leyly. Meu nome é L-E-Y-L-Y! – soletra – Aprenderam? Vão me ver outro dia, hoje não posso descer.
– Descer? Você está em cima de alguma árvore? – pergunta Lite, saindo para espiar os galhos das mangueiras que circundam a casa.
– Não – responde a menina, rindo.
– E… quando a veremos? – pergunta timidamente Margot.
– Quando for possível, aviso.
– De mesmo? – pergunta Verinha.
– De mesmo, juro! E como se chamam vocês?
Nesse momento, uma voz conhecida grita lá de dentro:
– Lite, Verinha, Margot, são horas de dormir!
– Pronto, já ficou sabendo: ela é Lisia, mas o apelido é Lite; esta é Margot, mas se chama Margarida. E eu sou Vera, mas me chamam Verinha. Todas nós temos Maria no nome. Satisfeita?
– Por quê? – pergunta a voz.
– Entrem, minhas bichinhas, está tarde – insiste Iza.
– Só um pouquinho mais, mamãe – pede Lite.
E, voltando-se a esmo para a escuridão do mato:
– Por que o quê?
– Por que vocês têm tantos nomes? Eu sou só Leyly.
– É apelido… qualquer coisa que se chama a uma pessoa para demonstrar carinho, ou para não gastar o nome, como diz papai. Meu nome todo é Vera Maria Lobo Aguiar.
– O quê? Que complicado! Eu sou Leyly de Zésper.
– Zésper? Que é isso?
– Meninas, vamos para dentro!
A voz imperiosa de Aguiar, apesar de terna, força as crianças, malgrado sua vontade, a se despedirem.
– Devem entrar então. Eu volto outro dia.
– Quando? – pergunta Margot, ansiosa.
– Quando for possível… Quando papai e mamãe deixarem. Também tenho que obedecer! Vão dormir e… bons sonhos!
– Posso sonhar com você? – perguntou meigamente Verinha.
– Como posso saber? Bem que eu gostaria de brincar com você em seu sonho, mas não sei se consigo fazer isso…
– Oh! Suas diabinhas! Vou já buscá-las aí – diz Aguiar, em tom zangado. – Já é tarde para crianças ficarem acordadas.
– Até logo, Leyly – diz Verinha, percorrendo todo o mato com o olhar, penalizada de entrar.
– Até breve! – dizem Margot e Lite. – Volte logo!
– Até logo. Obedeçam a seu pai. Outro dia, voltarei.
– Com luz prateada e tudo?
– Sim, sempre com luz… vocês verão!
– Que quer dizer Zés… como é mesmo?
A voz de Iza faz-se ouvir, imperiosa:
– Se não entrarem agora mesmo, vou aí com o chinelo.
– Entrem logo – diz a menina. – Outro dia eu explico.
– Está bem. Adeus!
Entram relutantes, com pena de deixar Leyly e excitadas com a novidade. Percebem a família ainda reunida, comentando o fenômeno da luz, se entreolham e, de repente, sentem-se felizes, porque são as únicas pessoas daquela casa que conhecem o mistério.
Depois de deitadas, cochicham seu segredo:
– Já pensaram, quando ela aparecer, como todo mundo vai ficar com inveja da gente?!
– É mesmo! Vamos ser as campeãs do veraneio.
– Será que os outros vão saber também?
– Ela não pediu segredo – admite Margot.
– Mas você não vai dar com a língua nos dentes, não senhora! Sei que está doida para contar à tia Tieta.
– Estou mesmo. Nunca tive segredo para ela, e fico com remorso…
– Um dia, você conta. Por ora, não, está bem? – diz Lite com carinho. Quando tivermos certeza…
– Certeza do quê? – pergunta Verinha.
– De que ela existe, ora essa!
– Você é fogo, hein, Lite!
– Claro. Do que temos certeza até agora?
– Você não ouviu a voz? Não viu a luz? – pergunta Verinha.
– É… Tem razão. Deve haver algo para descobrir.
– Psiu! Vão dormir, minhas bichinhas!
– Bênção, pai! Bênção, mãe!
– Bênção, pai, mãe, tio e tia…
– Deus abençoe a todas. Bem surradas sejam! – encerra Aguiar, gracejando.
O silêncio desce na casa grande. No céu, a estranha luz volta, agora, em todo o seu esplendor, e passeia tranquila por toda a ilha. E demora-se mais na fazenda, onde sonham as três meninas…
3.
O veraneio era animado: banhos de mar, de rio e de lagoa; pescarias na praia e na velha ponte, onde o saveiro de Satu atracava trazendo as pessoas que saltavam do vapor de Itaparica. Serestas, jogos…
Muitas vezes, à tarde, as meninas iam brincar na capela de Santo Antônio, que pertencia à fazenda: uma construção antiga, colonial, branquinha e verde, com uma grande cruz, separada do mar por um cais de pedras. Ali, na grama verdinha, as meninas brincam de pegar onda e… quem se molha primeiro, perde a brincadeira. Gritam, felizes:
– Quem tem raça?
E avançam, decididas, para ver se vencem a força da água.
Vence aquela que consegue ficar seca por mais tempo.
Ali vêm namorar as primas mocinhas, sentadas no muro. Iza manda que as meninas venham acompanhá-las.
O namorado de Tonde, irritado com a insistência de Margot em vigiá-los, pergunta à queima-roupa:
– Como é seu nome mesmo, menininha chata?
– Pinaúna – responde imediatamente Margot.
– Pois eu, me chamo Alfinete, para tirar pinaúnas…
– E com esse nome será batizado – diz a menina, molhando-o da cabeça aos pés com a água salgada do balde com que as três faziam castelos de areia…
A risada geral levou o rapaz a uma situação ridícula; alto, magro, muito vermelho, o rosto coalhado de espinhas, lembrava mesmo um alfinete…
E o apelido pegou tão bem, que até a própria Tonde passou a chamá-lo assim…
Outras vezes, vinham sozinhas e resolviam brincar de padre. Mexiam nos paramentos, fingiam rezar missas, batizavam as bonecas. Elas sentiam curiosidade pelas lendas contadas pelo povo da região, sentiam-se fascinadas pelas histórias de que o velho conde de Velasquez, primeiro dono daquelas terras, enterrara naquelas grossas paredes uma grande fortuna, com receio dos piratas que, possivelmente, na época, tentavam pilhagens na ilha…
Às vezes, o Sr. Lopes, administrador da fazenda, comentava com Aguiar:
– Dizem que é só derrubar as paredes que se acha o tesouro…
– E por que ninguém, antes de nós, tentou, homem de Deus?
– Nhô Aguiar, num tento eu qui sô empregado, mas o sinhô… Não custava nada. Se nada tivesse, arreparava dispois as paredes de novo.
– Não, Lopes. O que tenho me basta. Não acredito nessas lendas… me perdoe. Além do mais, segundo a lenda, quem achar o tal tesouro terá de vir à meia-noite, sozinho, e nunca mais fechar a parede removida, porque, se não, terá morte trágica. Prefiro viver tranquilo. Não gosto dessas coisas nebulosas.
As meninas nem ligavam às tais lendas. Hoje é um dia em que estão sós, as gavetas abertas, deixando entrever as roupas do vigário. Tudo revolvido, uma bagunça!
– Vamos tocar o sino e fingir que tio Mica vem rezar novena hoje? – sugere Verinha.
– Será que não vai dar confusão? – pergunta Margot, temerosa.
– Que confusão nada! Eu me visto de padre, você de sacristão, Lite de Nossa Senhora…
– De Nossa Senhora? Você está doida? Vê se pode uma coisa dessas?
– E o que você quer ser, então?
– Eu? Vamos ver…
Lite fica pensativa algum tempo. De repente, seus grandes olhos negros brilham com fulgor:
– Já sei! Faz de conta que sou uma alma penada que fugiu do cemitério aí de trás…
– Ótimo! – as meninas aplaudem entusiasmadas. – Vamos começar a vestir as roupas!
E falando e agindo, tocam o sino, abrem a capela, vestem as roupas e começam a brincadeira.
Mas elas se esqueceram das beatas da ilha que, ao ouvirem o chamado religioso, trocam suas melhores roupas e vêm chegando, limpinhas e arrumadas, com suas melhores roupas de chita.
As meninas continuam brincando, sem se dar conta de que têm plateia.
Verinha está em frente ao altar, os cabelos castanhos caindo em cascata pelos ombros de criança, os pés descalços, as roupas sagradas, tão grandes, arrastando-se pelo chão.
A seu lado, um sacristão diferente, de tranças compridas e grossas amarradas com fitas vermelhas.
O padre faz movimentos estranhos e diz coisas que as beatas não entendem.
– Deve ser um latim diferente… – pensam as pobres criaturas.
Vai em meio a “novena”. As beatas já compreenderam que as coisas não estão muito normais. Olham-se espantadas, mas… esperam.
De repente, entra pela porta lateral um fantasma todo vestido de branco que, correndo em direção ao altar, diz, em uma voz fanhosa e esganiçada:
– Quem quer quebrar as largas paredes desta velha capela? Darei o tesouro que escondi aqui com meu pai, o Conde de Velasquez, há 400 anos.
A surpresa toma conta das mulheres, que recuam apavoradas. Aquela “coisa branca” continua prometendo riquezas fabulosas enterradas ali.
Aos poucos, cada uma sai disfarçadamente e disparam todas pela praia afora em corrida desabalada.
Os bancos estão vazios. Apenas as três meninas. Rindo muito, Margot comenta:
– Lite, sabe que você é um fantasma e tanto? Até eu acreditei no filho do conde!
– Estava parecido mesmo? – pergunta a menina, despindo o disfarce. – Pobrezinhas… fugiram de verdade.
– E você queria que ficassem? Se até eu quase me pico! – diz Verinha, rindo.
– Ahn! Temos novena? – vai perguntando Iza que, braços dados com Tieta, entra pela capela a fim de verificar quem tocara o sino.
– Mas o que é isso, meninas? – pergunta Tieta, ao olhar as roupas e os disfarces.
As meninas, então, vêm conversar com elas, como se nada houvesse acontecido, pois percebem que não vão levar bronca.
Entretanto, das beatas que saíram, duas voltaram, ao verem as duas senhoras encaminhando-se para a capela. Chegaram timidamente para contar as novidades.
– Virge Nossa Senhora, vosmecês sabe que qui cunteceu inda agorinha? – pergunta a mais jovem com ar de mistério.
– Não, dona Miúda, estamos chegando agora… ouvimos o sino e corremos para assistir à novena… – diz Iza, vagarosamente procurando, com os olhos, as meninas, que já se tinham evaporado da nave.
– É… nóis também ouviu o sino e viemos pra cá pensando qui tinha sô Vigaro Mica promode dizê a novena.
– A cumade Miúda chamou: “Cumade Zica, Yayá Iza troxe o vigaro. Vamos na capela”?
– É pra já, cumade!
– Chamamo as outra e quando chegamo aqui, já tinha gente… só que o padre…
– Que tem o padre? – pergunta Iza, olhando significativamente para Tieta, que sorri de leve, imaginando ambas o que acontecera.
– O vigaro era tão esquisito… o sacristão fantasiado… mas o pior mesmo foi a visage… tão branca e fanhosa… cruz credo!
Benzem-se as duas.
– Visagem? Qual visagem? – pergunta Tieta, mal contendo o riso.
E lá se foi cumadre Zica contar toda a história.
– Será verdadeira essa história dos condes? – pergunta Iza com seu olhar sonhador.
– Foi assim memo qui o mardito falou Yayá…
– Que coisa horrível! – comentou Iza, querendo ser gentil. – E eu que nunca acreditei que essa lenda fosse verdade!
– Quem sabe – sonha Tieta, pousando na cunhada seus olhos risonhos e vivos.
Era crepúsculo já quando voltaram para casa. As duas cunhadas deixaram-se ficar sentadas no muro baixo da igreja, imaginando como teria sido toda aquela gente blasonada, com quem eles costumavam brincar, fazendo de conta que eram nobres… e olhavam o mar, que vinha docemente bater de encontro ao cais de pedras.
Quando tiveram certeza de que estavam sós, chamaram as meninas, sorrindo:
– Apareçam, suas pestinhas! Hoje a brincadeira foi longe demais.
E Tieta, com voz meiga:
– Vamos ter de ensinar a vocês, suas molecas, a separar e respeitar as coisas sagradas… e a igreja, que é a casa de Deus…
4.
– Vamos a Dez Arrobas? – pergunta Margot, passando correndo por Lite como um pequeno furacão.
Lite estava jogando dominó, na sala de jantar, com Lícia, uma prima do grupo das mocinhas.
– Você está “precisando” ir? – responde Lite com ar de mistério.
– Hum… hum… – responde a outra, acompanhando as palavras com um gesto de mãos, significando uma precisão não muito urgente.
– Então vamos chamar Verinha… Você aguenta mesmo? – diz, falando no ouvido de Margot.
Levantando-se, chama pela irmã:
– Ila, por favor, tome meu lugar aqui no jogo. Tenho que sair com as meninas.
– Que diabo é Dez Arrobas? – pergunta Lícia, já conformada em perder a parceira, ainda mais porque a outra estava ganhando.
– Dez Arrobas? – repete Lite meio sem jeito, olhando ressabiada para Margot.
Margot puxa a prima pela manga da blusa, dizendo, para confundir as outras duas:
– É besteira nossa! – e, de mãos dadas, ela e Lite saem correndo para o quintal em busca de Verinha.
Vão encontrá-la trepada nos galhos de uma goiabeira, comendo goiaba e conversando com Tonde, irmã mais velha de Lícia, também pendurada em outro galho.
Às palavras mágicas “Dez Arrobas”, a menina desce como uma macaquinha, não antes de perguntar:
– Para quem?
– Para mim – responde Margot. – E não demore muito, Verinha.
– Que quer dizer “Dez Arrobas”? – pergunta Tonde com sua profunda voz de contralto.
Mas a pergunta desfaz-se no ar. As meninas nem ouvem mais.
Pegando a trilha que segue em direção ao aviário, desaparecem na curva da estrada. Tonde fica observando as primas, enquanto balança a cabeça:
– Dez Arrobas… Que coisa mais doida! Essas meninas…
Todos os primos queriam saber o que era a tal de “Dez Arrobas”, mas as meninas faziam um mistério total em relação à coisa. Nesse dia, elas já estavam de volta pelo caminho de cascalho quando Hélio pula do alto de uma árvore, dando um longo grito de Tarzã e indo cair bem no meio delas.
– Leo! Que jeito de chegar! – diz Lite irritada.
– Que belo susto nos pregou! – falou Margot, rindo.
– De onde vêm vocês? – perguntou o rapazinho.
– De nenhum lugar especial… andando por aí… – diz Verinha com ar inocente.
– Pois eu fui catar caju no mato. Vejam isto! – diz o menino, triunfante.
– Dá pra gente? – pede Margot com meiguice.
– Tomem. Aqui tem mais.
O garoto mostra os bolsos recheados de cajus. Elas pegam as frutas, chupando-as avidamente. Hélio insiste:
– Vocês vieram das “Dez Arrobas”?
Elas olham-se, encabuladas. Mas Verinha responde, meio distante:
– Que Dez Arrobas, que nada! Nós fomos pegar os ovos das galinhas. Veja nossas mãos como estão sujas!
– Mas papai não disse que não quer ninguém mexendo nos ovos nem nas galinhas, meninas? – diz Ila, chegando perto do grupo.
– Credo! Você até parece assombração, Ila!
– Vocês pegaram ovos de um galinheiro só ou andaram mexendo em todos?
– Não é da sua conta! – responde Verinha, botando meio palmo de língua para fora.
– Menina sem modos, mal educada! – comenta a moça, voltando para casa irritada.
– Quem está me educando é a sua mãe – responde a menina, com malcriação.
– Sua mesma mãe – repete a outra, voltando a cabeça com ar de desdém.
– E não é mesmo? – pergunta Lite, conciliadora. – Não somos, ao todo, sete filhos, contando com Walter?
– Mas não é assim que se diz… É…
– O ar…mo…ço tá na me…sa…a! – grita Lurdes da porta da cozinha.
– Vamos entrar: está na hora da comida – diz Ila, fingindo esquecer a frase errada.
Verinha pergunta com um arzinho inocente:
– Como é mesmo que se fala, “fessora”?
– Fica melhor assim: sua própria mãe… – responde Ila, fingindo não compreender a ironia da irmã mais moça, a quem adora.
Muitos dias depois, as meninas estão pescando na ponte. Cada uma segura sua varinha com o anzol, debruçadas todas na amurada, olhando, distraídas, o mar.
De repente, aquela vozinha doce se faz ouvir claramente:
– A pescaria está boa hoje? Quem pescou mais?
As meninas entreolharam-se admiradas.
– Onde está você, Leyly? Nós não estamos vendo você…
– Estou num lugar de onde vejo bem as três – diz a menina, rindo.
– Brincadeira boba! Nós também queremos ficar invisíveis, você ensina? – pergunta Lite.
– Se é uma brincadeira boba, como é que vocês querem brincar? – pergunta Leyly, divertida.
– Oh! Deve ser tão bom conversar sem ser vista… Você nos ensina? – pede Verinha com seu jeitinho meigo.
– Não há nenhum mistério nisto – responde alegremente Leyly. – Simplesmente, meu corpo está num lugar um tanto longe daí. Por isso vocês só ouvem minha voz.
– Ué! Onde você está, então? – indaga Margot, arrepiando-se toda e pensando em coisas sobrenaturais.
– No mar? – arrisca Verinha, amedrontada.
– Não, eu não estou no mar – continua Leyly, sorrindo. – Nem na praia, nem na ponte.
– E está onde, então? – pergunta Lite.
E acrescenta, continuando o raciocínio:
– Se não é na ponte, se não é na praia, se não é no mar, então… então… – sua vozinha treme de medo.
– Então, o quê? – pergunta Leyly, divertida.
– Você é um fantasma! – conclui Lite, apavorada.
– Sou o quê? – A menina não consegue disfarçar o riso.
– Uma assombração do cemitério! – berra Margot, com a voz rouca.
E as três, largando varas e iscas, peixes e cestos, saem em carreira desabalada pela velha ponte de cimento.
– Voltem! Não é nada disso, suas bobinhas! – continua a voz, seguindo-as. – Sou tão viva quanto vocês e não pretendo dar susto em ninguém.
Mas as meninas estavam pálidas e correndo ainda quando encontraram a irmã mais velha, que já é casada e passeia na praia tranquilamente com a filhinha de um ano, Ida. A moça olha sobressaltada e pergunta com carinho:
– Que foi? Pescaram alguma sereia?
Elas vão parando, aliviadas por não se sentirem tão sós. E Lite responde, respirando quase sem fôlego:
– Não foi nada, Lea. Estou com dor de barriga.
– E dá tempo de chegar em casa? Se não dá, vá aí mesmo, na praia. Nós tomamos conta…
– Não. Vamos pra casa: as meninas também estão…
– Que engraçado! Até nisso vocês são iguais.
Leonice vê as irmãs se afastando e acompanha-as com a vista, enquanto Idinha faz castelos na areia.
Mesmo seguras em casa, elas tremem ainda. Trancam-se no sanitário e conversam. Felizmente, a essa hora, a casa está calma. Uns vão ao mato catar frutas, outros passeiam pela praia e alguns dormem nas redes, enquanto outros ainda jogam pela sala, ou leem.
O sanitário é grande, com uma banheira cavada no chão como uma pequena piscina. Elas conversam baixinho, com medo de serem ouvidas:
– Será que é mesmo alma de outro mundo, Margot? – pergunta Lite.
– Não sei. Não estou gostando mais dessa brincadeira.
– Uf! Que medo senti! Quase me despenco da ponte com anzol e tudo! – confessa Lite, rindo.
– Você ri, Lite, nós nos metemos numa enrascada! – comenta Verinha. – Com outro susto desse, mergulho no mar de cabeça e tudo, daquela altura, com isca, peixe e anzol de roldão…
– Senti um medo terrível quando Margot imaginou que ela fosse uma alma – fala Lite, com os olhos negros arregalados.
– Mas não sei se teria coragem de saltar daquela altura, não! – e acompanha as palavras com um gesto de mãos.
– Nunca mais vou lá pescar… Será alma brincalhona do cemitério que fica no fundo da igrejinha?
– O quê? Você está brincando – diz Lite, estremecendo.
– Vamos ver. Quantas vezes ela apareceu? – indaga Margot.
– Três – diz Verinha e relembra: uma, na praia, quando a gente estava pescando siri; outra, na varanda, naquela noite da serenata; e hoje, na ponte.
– É… Lugares diferentes. Portanto, não foi sempre perto do cemitério, que nem hoje.
– Mas alma vai a todo canto, não fica somente no cemitério… Isso não faz muita diferença.
– Arre, por favor! Deixem que eu fale com mãezinha! Ela ajuda a gente a decifrar o mistério – pede Margot, quase chorando.
– Nada disso! – diz Lite com autoridade. – Vamos encontrar a chave do mistério sozinhas. Que é que vocês acham? – pergunta, olhando as meninas com carinho.
– Está bem – aquiesce Margot. – Mas não sei se aguento outro susto como este!
O veraneio continuou sem problemas, mas as meninas não iam mais a lugar algum sozinhas… nem sequer a Dez Arrobas.
Um dia, Tieta, que espreitava amorosamente a filha e as sobrinhas, perguntou com ternura:
– Vocês andam esquisitas. O que houve?
– Esquisitas, como, mãezinha? – pergunta Margot, no mesmo tom.
– Não brincam mais sozinhas. Até para ir ao canavial chamam Hélio. Nem se fala mais na tal de Dez Arrobas. Que está acontecendo?
Enquanto fala, alisa docemente os cabelos sedosos da filha única, e uma ruga de preocupação vinca sua testa alva.
– Nada, mãezinha… – responde Margot, baixando os olhos com remorso. – Não temos nada.
Lite vem em seu auxílio:
– Sabe, tia Tieta, depois daquele dia em que me vesti de fantasma, sonhei que uma alma daquele cemitério queria brincar com a gente… uma menina… aí… ficamos apavoradas… é isso… – completa a menina com um riso meio sem graça.
Tieta dá uma risada gostosa.
– Ah! Então é isso? Suas marotas… pobrezinhas… almas do outro mundo não vêm assombrar ninguém… elas caminham pra Deus!
– Verdade? – pergunta Margot, cravando seus olhos esverdeados nos olhos claros da mãe.
– Verdade, querida; por que haveria eu de mentir a vocês?
À noite, nas caminhas, as pequenas concluem:
– Temos mesmo é que resolver este mistério de uma vez. Mãezinha diz que alma não volta aqui. Leyly diz que não é alma. Então, o que será?
– Cruzes, que coisa difícil! – completa Verinha, benzendo-se.
– Como será ela? Qual a cor de seus olhos? E a de seus cabelos? – sonha Margot.
– Sabem de uma coisa, curta e certa? – pondera Lite. – Vamos dormir, que é melhor! Senão, acabaremos ficando doidas.
Mas em sonhos, as três fizeram diabruras com uma menininha levada, de quem, porém, não conseguiam ver o rosto…
5.
É sempre uma festa quando chega uma pessoa da família. Quase sempre chegam à tardinha, desembarcando do vapor de Itaparica. E então se acomodam no saveiro de Satu.
Satu foi nascido e criado na Ilha, naqueles lados de Mar Grande. É um homem forte, vê-se que sempre trabalhou no mar, às voltas com barcos e saveiros,ajudando certamente a seu pai, já envelhecido naquelas lutas, desde pequeno. Satu é um caboclo alto, falador, conversando com todos, conta muitas histórias da Ilha, fala das pescarias com o pai, gosta sobretudo de histórias de assombração. Ninguém nunca soube se eram verdadeiras ou inventadas. Mas os passageiros divertem-se com ele e Satu está sempre de bem com a vida. Delicado, bem humorado, é muito especial para todos os moradores e veranistas. Para as crianças sobretudo, ele é um herói! Conta tantas histórias sobre o mar revolto! Se é mentira ou verdade, nunca ninguém teve certeza…
Todas as tardes, a família vai cedo passear na praia e, sobretudo as crianças aproveitam para tomar outro banho de mar. E quando o vapor chega vão todos para a ponte de ferro, esperar os visitantes, Aguiar, Aguinaldo e algum mais que tenha ido a Salvador para resolver qualquer problema.
É uma família unida, alegre e carinhosa. Vão-se as conversas, abraços, beijos, entre risos e alegria.
Mas há um primo especial sobretudo para Margot, que desde muito pequena conviveu com ele em Salvador. Verinha e Lite a este tempo, viviam em Cachoeira. Por isso, não o conheciam muito bem.
Embora jovem, é formado em Engenharia e ocupa hoje o cargo de prefeito no município de Itaparica. É casado com Idinha e tem uma única filha, chamada Lucila.
Naquela manhã ele aparece cedo, cavalgando um cavalo castanho, de crina e cauda douradas, pelo brilhante. Vê-se logo que é um animal bem tratado.
Seu dono chega, orgulhoso e feliz, para mostrar à família sua nova aquisição.
Margot pergunta, abraçada com ele:
– Nanduca, como é o nome dele?
Nanduca, que em verdade se chama Fernando, alisando os cabelos castanhos da prima, responde:
– Relâmpago! Isto porque corre muito. É um campeão!
– Posso montar nele? – Pergunta Verinha, já toda animada.
– Não minha querida! Ele ainda é fogoso, bravo e implicante com crianças. Quando eu conseguir amansá-lo, vou trazê-lo para vocês montarem à vontade. Mas isto leva muito tempo.
– Mas você promete? – Pede Lite, dengosa.
Nanduca sorri feliz com o sucesso do animal
– Mas claro que prometo, palavra de honra!
Afinal vão todos para a mesa tomar um delicioso café da manhã.
Conversa vai conversa vem, tanto Nanduca elogia os feitos do seu cavalo, que Aguiar resolve tirar a prova. E, brincando com o primo, pergunta sorrindo:
– Vamos fazer uma aposta?
Nanduca olha espantado para Aguiar e pergunta:
– Uma aposta? E qual é?
– Vamos botar os dois cavalos para correr: o seu Relâmpago e o meu Veloz. O que você acha disto?
– Eu me ofereço para montar Veloz, Aguiar, diz Guinu sorrindo.
Nanduca pensa um instante, mas logo concorda.
– Ótimo! Guinu monta Veloz e eu monto Relâmpago. De Itaparica, parando aqui para dormir, concordam?
Todos concordam sorrindo.
Chega afinal a data aprazada. Guinu vai para Itaparica na véspera.
Madrugada ainda, os dois primos, usando chapéus e bem protegidos do sol, passam pela Fazenda Santo Antonio, acenam para a família, que, na praia, acompanha a passagem dos dois animais e seus cavaleiros, batem palmas, dão vivas, desejam boa sorte. Lá pela tardinha eles estão de volta, apeiam e soltam os cavalos no pasto para comerem e beberem água. Eles descansarão esta noite ai, na fazenda.
No dia seguinte voltam os dois: Nanduca exultante, Guinú triste, por que perdeu. Foi por pouco, é verdade, mas… perdeu. Mas ele é um esportista: rema e joga vôlei, sabe perder com grandeza!
Aguiar dá muita risada; logo depois finge estar zangado. Faz de conta que briga com Veloz, mas acaba tudo em brincadeira…
Pouco depois chegam Idinha e Lucila. E as comemorações seguem noite a dentro. Toda a família cantando e dançando.
Coroam os cavalos com flores do mato; ambos ganham brindes: Veloz coisas de menor valor. Relâmpago, coisas mais sofisticadas. Os cavaleiros também doces e frutas.
É tudo delicioso! Adoravelmente simples! Carinhosamente feliz!
6.
Hoje vamos encontrar as três meninas num dos quartos dos fundos da casa, preparando as selas a serem usadas. Tudo pronto, Lite monta Negrito; Verinha arruma Castelo, seu cavalo, e Margot pega Daracolito.
Às vezes, quando são muitos os cavaleiros, as meninas vão juntas num cavalo só. Mas hoje são apenas Hélio e Luciano, futuro aviador, que está pelos 16 anos. Luciano é irmão de Tonde, Lícia e Noélia.
E os cavaleiros partem em passo de trote, rindo, brincando, parando aqui e ali, nos sítios e fazendas vizinhos. Param também nas casas humildes, de palha, onde moram os pescadores, que os recebem com muito carinho, chamando-os de Yayá e Yoyô e oferecendo-lhes um caju, uma manga doce, uma goiaba madura.
Nesta bela manhã de sol, eles vão ladeando a praia e chegam à fazenda do Sr. Fontes, o qual, na brincadeira de realeza, era chamado de visconde. Ali encontram o administrador, o Sr. Caboclo, homem do mar, famoso por suas bravuras.
O Sr. Caboclo está ocupado, limpando uma gaiola onde um passarinho de penas castanhas salta, canta, tentando livrar-se da prisão.
Verinha, pergunta, olhando, interessada, o delicado animalzinho:
– Que pássaro é esse?
– É o “cabocolinho” – responde o homem com sua voz cantada, sem tirar os olhos do pássaro.
– Lindo esse caboclinho, repete Luciano para que as primas entendam o erro de linguagem do pescador.
– “Seu” Caboclo, você me dá um caboclinho? – pede Verinha toda dengosa.
– Este, não dou… – diz o homem virando-se para a menina. – A este já tenho amor… mas vou pegar outro no mato pra Yayá. Tá bem assim? – ri um riso largo, mostrando os dentes fortes e brancos.
– Está – responde a menina, satisfeita.
– Até logo! Outro dia, voltamos.
– Inté! Quando chegarem é só apeá. Lembranças…
E os cavaleiros seguem em frente, passando pelo Duro, Ilhota, Jaburu. Param na venda para comprar rapadura.
– Gente, são horas de voltar! – pondera Luciano.
Quando vão chegando ao fundo do quintal, tio Nélson passa todo paramentado para caçar. Grita-lhes alegremente.
– Que bom chegarem! Vamos caçar rolinhas?
– Vamos! Quem vai com você?
– Toda a tropa: Tonde, Lícia, Noélia, Ila, Lia e Tieta, e vocês…
– Vamos lá!
Os meninos apeiam rápido, mas Margot, quando quer saltar, puxa a rédea de mau jeito. Daracolito, um cavalo de natural manso e bom, empina ligeiramente, deixando que a menina escorregue de encontro a um limoeiro, onde ela arranha braços e mãos. Desce sangrando e reclama carinhosamente:
– Ficou zangado comigo, Dara? – diz, enquanto alisa o pelo castanho-dourado do animal.
– Você está sangrando – diz Lite, preocupada. – Vamos botar água salgada aí, antes que tia Tieta veja.
– Não está doendo, Lite – retruca a outra, com medo do ardor do sal.
– Mas venha… água salgada cura tudo.
Ainda reclamando do ardor do sal, Margot volta com as primas para libertar Daracolito dos arreios. Os outros animais já estão pastando, livres e felizes: Castelo, de pelo branco; Negrito, igualzinho ao nome; Árgus e Veloz, cor de café.
– Daracolito, não fique triste! Esse machucado não foi nada, meu querido! – diz Margot, afagando o animal, ao ver seus grandes olhos doces pousados, aflitos, naquele fiozinho de sangue.
Daracolito baixa a cabeça, como se entendesse. Margot volta a alisar seu pelo, a crina dourada, após libertá-lo dos arreios. E continua seu monólogo, certa de que ele a compreende:
– Fui eu a culpada; vai ver, até doeu em você, não é, meu amorzinho?
– Hum… hum,… hum…
– Eu sei, você não queria me magoar; estancou até, para que eu pulasse e não ficasse presa ao limoeiro… Nunca a gente vai brigar, não é Dara?
– Eu também posso montar Dara? – pergunta uma vozinha já sua conhecida.
Margot volta-se, assustada, para as primas que se distanciam cada qual levando seu cavalo pela mão em direção ao pasto enquanto berra:
– Lite! Verinha! Leyly voltou.
– O quê? – perguntam as duas ao mesmo tempo, virando os rostinhos assustados.
Os rapazes já haviam entrado em casa para se prepararem para a caça. Elas estavam sós. As duas largaram os cavalos e voltaram correndo. Lite foi logo perguntando:
– Apareceu, ou só falou?
– Ainda não apareci porque meus pais não me deram permissão. Logo que possa, virei brincar com vocês.
– Vai demorar muito?
– Você não é alma do outro mundo?
– Não – diz a menina, rindo-se da ideia. – Não tenha medo. Sou uma menina igual a vocês. Só que meus cabelos são louros e meus olhos são dourados… e venho de longe, muito longe.
– E como se chama o lugar?
– Zésper. É minha pátria. Mas meus pais são da Lemúria. É tão longe daqui!
– Le… o quê? Quanto nome complicado, menininha!
– Lemúria. LE…MÚ…RIA… – soletra.
– Lemúria… Nunca ouvi esse nome antes – diz Margot, que das três é a que mais gosta de ler.
– Nem eu – dizem as duas irmãs.
– E onde fica? – insiste Margot.
– Longe… muito longe. Quando aparecer, contarei a vocês nossa história. Ih! Você está com os braços e mãos sangrando! – diz a voz, demonstrando preocupação.
– É… – fala Margot. – Caí do cavalo de mau jeito e me arranhei num pé de limão… Coisinha à-toa.
– Ouça, Margot! Vou fazer parar de sangrar seu machucado. Se sentir um calor, não tenha medo: logo passa.
Efetivamente, apenas uma ligeira sensação de calor. As meninas olham para os machucados, o sangue parece ter sido sugado para dentro dos ferimentos. Fica tudo limpo, enquanto uma luz azul violácea passeia tranquilamente por toda a área ferida. Na pele tostada de sol já não há mais sangue e… desaparece até a cicatriz! Os bordos das feridas se fecham e a pele fica novamente íntegra, lisa, macia!
As meninas estão ainda espantadas, quando Leyly diz:
– Agora devo ir, mamãe está chamando.
– Obrigada – balbucia Margot. – Você faz milagres!
– Foi só uma ajudazinha – diz a menina, rindo. – Até breve, minhas queridas amiguinhas!
– Até breve! – respondem as meninas, acenando com as mãos, fitando o céu, procurando descobrir o rosto da menina.
– Que é isso! – pergunta tio Nélson, que vem chegando. E, rindo: – Algum novo ritual religioso inventado por vocês?
As meninas riem encabuladas. Desta vez, Verinha tira as outras da confusão:
– Estamos fingindo ópera, tio Nélson!
– Vocês vivem brincando de fingir, meninas! Quanta fantasia! – ri tia Lia, esposa de tio Nélson.
– Vamos à caça? – pergunta o tio. – Guinu, Renato e Carminha vão também. Vai ser uma beleza!
– Vamos! – e aproveitando a deixa, entram correndo em casa para arrumar-se para uma nova aventura.
Com sua alegria contagiante, Nélson junta a turma de sobrinhos e primos e, hoje, até irmãos e cunhadas, para caçar. Combina:
– Quem se perder, deve emitir o grito de Tarzan, assim ô… oooô… oooô… oooô! – Leva as mãos em concha à boca abrindo e fechando para modular o som emitido. – Deve repetir este grito em intervalos pequenos de tempo para ser localizado. E, sobretudo, não deixem que o medo tome conta de vocês! O medo é o nosso pior inimigo. Nós não deixaremos ninguém perdido no mato – sentencia, sorrindo. – Vamos!
Ele segue na frente, puxando o grupo, cantando uma canção popular. E os garotos repetem, sem entender a malícia das palavras:
– Oi, zabelê cantou no mato!
– Toco cru pegando fogo! – respondem em coro.
E caminham mata afora, rindo, brincando, chutando pedras, pulando espinheiros… Lite vai na frente das meninas, puxando o capim bravo com as mãos e pisando na malícia-de-mulher, para que não espetem as outras duas.
À Margot, com seu espírito sensível, não agradava a caça, o iro seco e certeiro, o abater o pássaro livre em pleno voo ou em sua paz nos galhos das árvores, magoava seu coração infantil. Acabar de matar uma avezinha delicada, batendo a cabeça no cano da espingarda para acabar com seu sofrimento, não era atração para ela.
Ia mais pela companhia dos primos e pela farra que o tio fazia… Seguia, trilha afora, cantando.
Entretanto, à noite, todos gostavam de saborear as rolinhas assadas, gostosas e fritas, como só Lurdes sabia fazer…
7.
A família acabara de tomar o café da manhã. As três meninas conversavam baixinho sobre Leyly, sentadas no sofá da sala. De repente, Margot pergunta à queima-roupa, distraidamente, como se fosse algo sem importância:
– Mãezinha, o que é Lemúria?
Lite e Verinha olham-se apavoradas, mas ela procura tranquilizá-las com um sorriso e um leve sinal de cabeça.
– Lemúria? – Tieta larga a revista que lê, cravando na filha os grandes e expressivos olhos verdes.
– Sim. Lemúria – repete a menina, impaciente. – Que país é esse?
– Já ouvi falar nesse nome, mas agora me foge à memória. Deixe-me ver… é país antigo, não tem no mapa… deixe-me ver…
Ela faz um esforço para lembrar-se: não quer mostrar à filha que ignora a resposta àquela pergunta.
Margot pisca, disfarçadamente, para as outras duas.
– Lemúria é um antigo continente perdido, ninguém sabe como e quando, num cataclisma geológico que ocorreu na Terra há milhares de anos, no qual desapareceram continentes e surgiram outros que, ao que tudo indica, deram origem aos lugares onde vivemos hoje – responde Guinu, pai de Margot, vindo em socorro da esposa, atrapalhada com a pergunta inesperada.
– Então é como a Atlântida? – pergunta Tieta, não querendo mostrar à filha que ignorava o assunto.
– Isso mesmo – diz ele, voltando a interessar-se pelo livro que tem nas mãos.
– Mas por que esse interesse, agora, filhinha, por um continente desaparecido há tanto tempo? – pergunta Tieta, intrigada.
– Nada… é que andamos vendo umas revistas que falavam do assunto na fazenda do Visconde, e ficamos sem entender direito – diz Lite, vindo em socorro da prima.
– Mas agora já estão sabendo. É muito bom que procurem saber das coisas. É assim, aos poucos, que se faz cultura. Quanto mais largo o horizonte da pessoa, mais condições ela tem de ser feliz.
As meninas não entenderam a filosofia do pensamento e riram um risinho desconsolado. Mas disfarçam, seguindo logo para o banho de mar, a fim de conversarem melhor.
– Viu? Um continente perdido, sumido no mar – diz Verinha, com desânimo. Acho que estamos ficando doidas ou alguém está brincando com a gente.
– Puxa! Será que Leyly mentiu para nós!?
– É… a explicação deles não levou a nada – diz Margot, com um suspiro.
– Pelo contrário! Ah! Ah! E quase você bota tudo a perder, sua desmiolada! – diz Lite, rindo para a prima com ternura.
– É… Desculpem. Eu só queria ajudar.
– Não faz mal. Este mistério, um dia a gente descobre.
– Muito bem! Nós não somos D’Artagnan, Porthos e Aramis, como paizinho nos chama? Os três mosqueteiros não vencem tudo? Então, vamos mostrar quem somos a essa meninazinha danada!
– Isso mesmo, Margot! À luta! – grita Verinha, pulando e brandindo uma espada imaginária.
– À luta! – gritam as outras duas, imitando seu gesto belicoso.
– Ei! Vamos brincar de boneca na casinha branca? – “Aquela” vozinha se faz ouvir, clara e doce.
As meninas deixam cair as mãos em atitude de desânimo. Viram os rostos ansiosos, procurando. Margot pergunta, toda arrepiada:
– Quem falou?
– Não fui eu – diz Verinha, olhando de soslaio para as outras.
– Nem eu – diz Lite, amedrontada.
– Fui eu: Leyly. Vamos brincar de boneca?
– Você chegou agora? – pergunta Lite, meio sem graça.
– Cheguei há pouco, isto é, ainda não cheguei, mas ouvi tudo o que disseram! Meu pensamento, desde cedo, está ligado a vocês. Não me queiram mal, minhas queridas! Eu não menti. Meus pais são realmente de Lemúria… Vamos brincar de boneca? – repete o convite de maneira carinhosa.
– Lá é perigoso – cochicha Verinha. – Só tem uma porta. Se acontecer alguma coisa, como vai ser pra gente fugir?
– É… Aqui, pelo menos, temos a praia toda.
Leyly insiste:
– Não tem perigo nenhum. Não sou uma pessoa má. Só quero brincar um pouquinho com vocês…
– Você ouviu o que a gente disse? – pergunta Margot, aterrorizada.
– Claro! – responde Leyly, com naturalidade.
– Claro, como? Verinha e eu falamos tão baixinho!
– Porque eu leio em suas mentes o pensamento.
– O que é isso?
– É meio complicado. Em Zésper, nós nos comunicamos assim.
– Que é Zésper? – insiste Margot.
– O planeta em que eu moro – diz a menina, com simplicidade.
– Planeta? Deixe de brincadeira boba, menina! – repreende Margot, ficando repentinamente zangada. – Você não pode nos fazer de tolas!
– Não fique zangada, Margot. Lá na casinha explicarei tudo a vocês.
– Sobre a Lemúria? – pergunta Lite, com ironia.
– Sim, sobre a Lemúria…
– Paizinho disse que a Lemúria desapareceu há milhares de anos. Como você pode ser de lá, de uma coisa que sumiu tão antes de a gente nascer?
A família vai chegando para o banho de mar. Leyly despede-se rapidamente, insistindo:
– Se vocês forem até lá, talvez eu possa explicar tudo.
Numa fração de segundo, as meninas se consultam com os olhos: o medo é grande, mas a curiosidade é maior…
– Então, vamos! – decide Lite.
– Vão aonde? – pergunta Ila, muito charmosa em seu maiô estampado, acompanhada das irmãs e primas mais velhas.
– Brincar de boneca – responde simplesmente Margot.
– Que meninas esquisitas! – comenta Hélio. – Na hora do banho de mar, quando todo mundo chega, elas saem para brincar trancadas numa casinha de mentira.
– Não é da sua conta – retruca Verinha.
O aviário era um conjunto de casinhas brancas ladeando a estrada de cascalho, teladas e abrigando galinhas Rhode, Leghorn, patos, gansos. Mas a primeira, Aguiar mandara conservar vazia para que as meninas pudessem brincar quando quisessem.
As três seguem para lá. O caminho está vazio, porque todos estão na praia. Apenas os empregados passam de quando em vez.
As meninas chegam e olham o interior da casa: apenas um grande vão, paredes alvas, caiadas, chão de areia branquinha, construída num terreno em declive. Vazia, tristemente vazia!
Entram e têm cuidado de deixar a porta escancarada.
– Que menininha que gosta de brincadeira! – suspira Lite, desalentada.
– Já é demais – diz Margot, amuada.
– Gosta de brincar com a gente – faz Verinha, com desprezo.
– Gosto mesmo! – diz, triunfante, uma nuvem rósea, que dança de maneira adoidada no meio das meninas. Gira, gira e vai aos poucos tomando forma humana.
As crianças ficam geladas de pavor. Lite fala tremendo:
– Bem… emm… que…. que… eu…. dis… sse… que… a… qui… a… coi…sa… a… e… ra… fe… i… a…!
– Es… ta… mos… per… di… da… as!… – diz Margot, em pânico.
– Vamos gritar por socorro! – berra Verinha.
Mas sua voz morre na garganta quando as meninas veem, pálidas de espanto, surgir diante delas uma menina lindíssima, de pele rosada, cabelos louros e brilhantes, olhos grandes e dourados, lábios vermelhos sorrindo e um rostinho com expressão meiga.
– Não disse que vinha? – pergunta, sorridente.
– Leyly! Como você é linda! Até parece uma fada! – consegue balbuciar Margot, mais refeita do susto.
– É mesmo – confirma Verinha – É uma fada disfarçada de menina para vir brincar com a gente.
– Não; não sou fada coisa nenhuma! Sou gente como vocês. Apenas vivo em outra dimensão, quer dizer, outro planeta.
– Conta tudo pra gente! – pede Margot, curiosa, pegando a menina pela mão.
– Nunca vi ninguém tão bonita quanto você! – consegue Lite dizer.
– Nem eu – afirma Verinha, mirando-a da cabeça aos pés.
– Uma lindeza!
– Vamos brincar? – diz Leyly, com simplicidade.
– Vamos! – repetem todas, já sem receios.
Leyly brinca, canta canções de sua terra…. Fazem roda, brincam de bonecas, correm picula…
Depois, sentadas na areia, Leyly conta a triste história do desaparecimento da Lemúria, que as meninas ouvem, embevecidas.
8.
– Há muito tempo, nem meus avós eram nascidos, meu povo vivia num continente do outro lado do mundo. Eles eram felizes, um povo culto e saudável… Muitos eram bons, mas havia também muitos maus, bastante inteligentes, mas também violentos e egoístas.
Frequentemente recebiam visitas de seres de outros planetas que chegavam em suas naves iluminadas, como agora eu venho ver vocês…
Apesar dos conselhos, eles persistiam em ser maus. Foi aí que Clínius, o chefe intelectual do planeta Zésper, convidou alguns deles para passear em seu planeta. Zésper corresponde à Terra em composição de atmosfera, pressão e água.
Alguns dias depois que os viajantes partiram, o mar cresceu alucinadamente, engolindo a terra, levando para seus abismos palácios e tesouros que ninguém jamais verá – conclui Leyly suspirando.
– Ih! Como você fala difícil – comenta Verinha.
– É… – diz Lite, rindo. – A gente faz uma ginástica doida para entender.
– Querem que eu explique alguma coisa? – pergunta a menina, com serenidade.
– Por exemplo – pergunta Margot: – Por que seus olhos têm essa cor tão linda? Nunca vi na Terra olhos assim.
– Você gosta? Em meu planeta muitas pessoas têm olhos assim: meus pais, por exemplo.
– Lá é mais bonito do que aqui? – pergunta Lite, com interesse.
– Sem querer magoar vocês, eu acho. É maior, mais evoluído, as pessoas se comunicam pelo pensamento e se vive com amor e alegria; não há doenças, sofrimento e morte, como vocês dizem.
– Não? Então, as pessoas ficam pra semente?
– Não, não é isso – explica a menina, rindo. – Apenas, quando uma pessoa morre, ela passa a ser fluídica, muda somente de roupa, joga fora a velha, que não presta mais, e aparece com outra, transparente, mas igual; muda de lugar de morada, mas pode voltar quando queira para conversar com a família, com os amigos.
– Desculpe, Leyly, mas não entendi patavina! – comenta Margot desanimada.
– Mas não precisa entender, querida – diz Leyly, rindo. Vamos fazer o que as crianças de todo o Universo fazem: brincar! Garanto que assim todo mundo se entende.
– Isto é que falar! – diz Margot, já animada.
E com a naturalidade das crianças, pulam corda, cantam rodas, brincam de boneca, com panelinhas de barro e comidinhas.
Muito tempo depois, uma voz chama:
– Leyly! Venha filha! Temos de retornar.
Leyly para, ouve sua mãe chamando e se despede, prometendo voltar logo que possa. Sua fisionomia vai se apagando, seu macacão esmaece a cor e a nuvem cor de rosa vai se adensando ao seu redor, girando, girando, e a garota desaparece como que por encanto.
As meninas não cabem em si de encantamento, mas querem continuar a guardar segredo.
– Vocês, minhas bichinhas, acompanhem suas primas mais velhas até a igreja. Não gosto quando elas vão namorar lá sozinhas – pede Iza, como o faz frequentemente.
– Mas mamãe, elas são muitas… – diz Verinha, amuada. – Uma toma conta da outra.
– Não. Todas vão namorar. É preciso que alguém da família esteja por perto, para impor respeito. Olhem! Vocês ficam por ali, brincando.
– Já sei. Ficar de soldado! – diz Lite, aborrecida. – Que troço chato! Cada um que tome conta de si!
– Não, senhora! – volta Iza a insistir. – Não quero moças criadas à solta aqui em nossa casa. Gosto de namoros decentes. Vão, para mim, está bem? – pede, com doçura, afagando as três cabecinhas rebeldes.
– Lá vem mamãe com essas besteiras! – diz Ila. – Ninguém vai fazer nada demais, mamãe! Apenas a gente conversa com os namorados… Às vezes sai um beijinho, mas é quase à-toa… – diz a moça rindo.
– Menina! Mais respeito!
– Mamãe precisa confiar mais em nós – comenta Jucira, a mais velha de todas. – Desse jeito, vai ser difícil casar tanta moça!
Riem todas do comentário.
– A senhora pode ficar tranquila, mamãe! – fala Ila, com ternura.
– É, tia Iza. Não vamos nos demorar, não – completou Tonde, com sua voz de contralto.
Lá na capelinha, as meninas ficam brincando de quem tem raça. As ondas do mar vêm e vão e elas correm para dentro na areia do cais, tentando fugir do mar para permanecer com roupa seca.
Jucira, Tonde, Ila, Lícia e Noélia, sentadas em bancos de cimento, conversam com os namorados. São veranistas, rapazes novos. Mãos dadas, olhares ternos, pequenos gestos que exprimem ternura.
E aquela vozinha fala:
– Vamos ver quem tem mais raça?
– Leyly? Claro que você ganha da gente! – dizem as meninas em coro. – Você tem força e poderes que a gente não conhece.
– Prometo não usar nenhum truque. Vamos brincar em condições de igualdade.
– Então, venha – diz alegremente.
E as quatro meninas voltam a brincar juntas. Uma grande afeição começa a uni-las. Já sentem saudades quando não estão reunidas.
Um dia, estavam todos no banho de mar, jogando água uns nos outros, quando tio Mica passou para casa. Metido naquele macacão comprido, porém elegante, ele nem parecia ser padre! Margot comentou:
– Puxa! Eu pensei que padre não pudesse tirar a batina.
– Mas não pode, minha filha.
– E como você está de calção? – pergunta Lite.
– Porque o banho de mar faz bem à saúde e estou no meio de minha família. Vejam: é uma praia e só estamos nós aqui. Compreendem?
– Compreendemos.
– Acho bonito é sua compreensão com todos. Todo mundo que tem problema, diz: “Vou conversar com tio Mica”. É muito bom poder ajudar os outros assim, não é?
– É sim, minha filha. Isso me faz feliz.
Tia Dadá chega, passa o braço em seu ombro e vão os dois irmãos conversando em direção a casa, mas não antes de recomendarem:
– Não demorem para o almoço, ouviram?
– Vamos daqui a pouquinho.
– Posso pedir conselho ao tio Mica também?
– Leyly! Que bom! Você chegou agora?
– Cheguei.
E voltaram a brincar na água verde do mar.
Um dia, já perto do final do veraneio, ela fez o convite com naturalidade:
– Vocês gostariam de ir conhecer o meu planeta?
– E pode? – pergunta Verinha, incrédula.
– Pode. Eu pedi à mamãe.
– E como iremos? – pergunta Lite.
– Em nossa nave – responde simplesmente Leyly.
– Que maravilha! Vamos ver a beleza do céu e conhecer seu planeta! – grita Margot irradiando alegria.
– Vocês vão? – pergunta Leyly, fitando as amigas.
Apenas uns poucos segundos de silêncio.
– Claro que vamos! – decide Lite.
– E quando será? Temos de dizer alguma coisa em casa – pondera Verinha.
– Quanto tempo levaremos na viagem? Se demora muitos dias, como é que a gente vai?
– Nossas naves são muito velozes. Conseguem vencer toda a imensa distância que nos separa em um mês mais ou menos, em menos tempo, é impossível mesmo.
– Como faremos para sumir tanto tempo? – Margot fala já se imaginando impedida de ir.
– Vou pensar num jeito – responde Leyly. – Vamos combinar com meus pais e, no dia marcado, viremos buscá-las. Está bem assim?
– E como tomaremos a nave? – quer saber Lite.
– Nossa base fica no outro lado da ilha. Viremos numa nave pequena e ficaremos à espera de vocês, pela manhã, bem cedo, na grama da igrejinha. Quando chegarem, acenem. Nunca se aproximem da nave sem mim! Eu desço e subo novamente com vocês. Vejam bem, tenham cuidado.
– Por quê? – pergunta Margot.
– Porque existe uma defesa da nave, para proteger-nos de perigos. Pessoas estranhas, para entrar, têm de fazê-lo com um de nós. Entenderam? Está combinado?
– Combinado! Obedeceremos cegamente – sentencia Lite.
– Estaremos à espera, e com que ansiedade! – suspira Margot.
– Tomara já fosse logo a hora! – sonha Verinha.
– Chega depressa, vocês vão ver.
– Até lá, então!
– Até lá!
Novamente, uma nuvem colorida que se evola, e a menina se vai…
9.
– Anh! Então “Dez Arrobas” é isto, hein, suas malandras! – pergunta Ila, triunfante, ao ver as meninas penduradas num galho alto de uma mangueira-espada.
– Sua boba assanhada! Você não tinha nada que seguir a gente até aqui, Ila! – diz Verinha, amuada. – E aqui não é “Dez Arrobas” coisa nenhuma!
– Não é? Ouvi quando Lite piscou o olho para Margot e ela perguntou baixinho:
– Dez Arrobas?
– Aí vocês três correram para o lado de cá. Segui vocês sem ser vista, vi quando gritaram por Verinha e agora pude matar minha curiosidade.
– E o que você viu? – pergunta Lite com raiva.
– As três sentadas, cada qual num galho. Brincadeira mais besta! – ri a mocinha, deixando ver seus dentes alvos e bonitos. – E ela volta pra casa, rindo da confusão das meninas.
As garotas deixam que ela se distancie. Margot cochicha para as primas, tentando consolar as duas.
– Felizmente ela não viu o mais importante!
– É mesmo! Ila não ficou sabendo que, além de servir para se conversar, a Dez Arrobas é o melhor sanitário do mundo! – ri Verinha, pondo as mãos na boca. – O segredo melhor, Ila não ficou sabendo.
– Nem viu que a gente se limpa com palha de coqueiro – comenta Margot, falando e imitando o gesto com as mãos.
– E depois, quando acaba, a gente cobre com as folhas secas do chão.
– Vocês não vêm, suas pestinhas? – pergunta Ila, virando-se para trás.
– Vamos tomar banho de rio na fazenda de Renato? – pergunta Iza, chegando à varanda já com roupa de banho.
– Vamos! A cachoeira deve estar ótima! – responde Tieta, com animação.
Reunida a família, seguem todos pela praia, cantando, rindo em direção à fazenda de “seu” Fogueira, como era chamado o antigo dono, Sr. Filgueira, pelo povo da região. Agora pertence a Renato, irmão mais novo de Iza.
No caminho, param para beber água da bica de Santo Antônio, água mineral e conhecida por suas propriedades digestivas.
Chegam à fazenda e entram em casa fazendo brincadeiras e uma balbúrdia dos diabos.
Renato e Carminha juntam-se a eles e vão todos para o riacho.
Já bem tarde, os outros voltam para casa, mas as meninas ficam, para almoçar com tia Carminha.
Estão as três sozinhas, mergulhando, pulando n’água, quando a vozinha doce se faz ouvir:
– Então, nosso passeio pode ser na próxima semana. Vocês vão falar com seus pais?
– Leyly, que bom. Claro que pode – diz Verinha, batendo palmas.
– Que roupas devemos vestir? – pergunta Lite.
– Qualquer roupa que usem para visitar amigos. Dentro da nave, usarão roupas que daremos a vocês – roupas próprias para este tipo de viagem: pressurizadas.
– Roupas pre… o quê? – pergunta Margot, intrigada.
– Pressurizadas – explica a menina com simplicidade – isto é, que regulam as pressões ou forças externas para que haja equilíbrio, entendem? Mas… deixem os cuidados comigo. Vamos nos divertir à larga – diz, enquanto seus pezinhos alisam a areia branca do fundo do riacho.
– Estou louca para que chegue a hora! – Margot fala sonhando acordada. – Ver o céu, as estrelas, os cometas… Nunca pensei, meu Deus, que ia ver de perto tudo isso!
– Vai ver sim, menina inteligente. Mas, prestem atenção: nós gastaremos um mês nessa viagem. Como faremos com seus pais? – ela olha sério para suas amigas.
– Então eu não posso ir… – diz Margot, com voz triste.
– Xi! Nós também não! Mamãe não deixa mesmo – conclui Lite, desanimada.
– Tenho uma ideia – grita Leyly.
– Qual? – pergunta Margot.
– Amanhã, vamos nos encontrar na igrejinha; darei a vocês um frasco que contém um perfume. Vocês pressionam o botão e deixam que o ar fique saturado do perfume… e devem sair logo da casa, porque as pessoas que ficarem, dormirão durante dois meses mais ou menos, exatamente o tempo em que estaremos de volta… e de nada se lembrarão quando acordarem. Vocês só deverão usar o perfume na horinha de sair, com calma, logo se retirando do ambiente. Compreenderam?
– Mas isso não faz mal? – pergunta Lite, temerosa e com remorsos.
– Claro que não! Se fizesse, eu mandaria vocês usarem? Ah! Minhas queridas, em meu planeta só há paz e amor, não se faz mal nem aos bichinhos!
– A que horas sairemos? – pergunta Lite.
– Quanto mais cedo, melhor! Veremos o sol nascendo no Brasil. É uma beleza! Às quatro, está bem?
– Misericórdia! Nunca acordei tão cedo em minha vida – diz Margot, aterrorizada.
– Não faz mal. Acordaremos desta vez – diz Lite, tentando demonstrar coragem.
– Mas está tudo escuro a essa hora! Nem os empregados estão de pé; a porta da frente está trancada, e se nós formos abrir, será um rebuliço na casa – explica Verinha, sentindo o frio da aventura percorrer-lhe o corpo.
– Então, que tal às seis? – insiste Leyly.
– Assim é melhor. Ótimo às seis – aquiesce Lite, mais satisfeita.
– Pegaremos vocês em frente à capela, está bem? – pergunta Leyly.
– Muito bem! Estamos ansiosas pela maior aventura de nossas vidas!
– Bem! Agora já vou. Aguardem uma comunicação às vésperas da viagem. Quando estiver tudo certo, aparecerei.
– Eta menininha de fala difícil – comenta Verinha, com admiração.
Leyly sorri, beija as amigas e começa sua dança circular, transformando-se em uma nuvem azul, que dança, dança… e desaparece no ar.
Enquanto as meninas acenam afetuosamente ao nada, pois Leyly já se tinha evaporado, sua tia Carminha chega a fim de chamá-las para o almoço, vestida ainda com o maiô.
– Ei brotos! Estão ensaiando algum número de balé?
Surpreendidas assim, as meninas ficam sem jeito. Lite logo se recupera e arranja uma desculpa:
– Gosta da nossa exibição? Caprichem, meninas, para ser mais perfeito! – diz engrossando a voz, como se fosse uma professora de dança.
Depois do almoço, enquanto os tios fazem a sesta, elas discutem os planos da viagem. Quando, à tardinha, voltam à fazenda, encontram todos na maior confusão.
Jucira, a irmã mais velha, passa por elas com panos quentes, exalando fumaça. Mal as vê, fala baixinho, tentando explicar:
– Foi Leo… coitado!
– Que aconteceu? – perguntam as três de uma só vez.
– Caiu do cavalo e quase fica sem o nariz.
– Foi tão sério assim? – pergunta Lite, arregalando os olhos.
– Se foi? Castelo quebrou a perna e Leo quase fica com a cabeça esmagada.
– Xi, que horror! – diz Margot, espantada.
– Meu cavalo! Leo saiu com ele sem me pedir licença. Agora meu cavalinho vai ficar aleijado? Onde está ele? – pergunta Verinha, já chorando.
– Na estrebaria. Papai já está cuidando dele. Mas é melhor ver primeiro seu irmão, Verinha.
– É… Vamos ver Leo e depois veremos o cavalo – pondera Lite.
Elas entram no quarto do menino. Toda a família está reunida lá. Iza, com os olhos vermelhos, alisa carinhosamente os cabelos do filho querido. Padre Amílcar conforta-a com sua voz suave de barítono. Hélio está deitado, um chumaço de algodão na face, gemendo. Tieta faz o curativo, falando baixinho palavras de ternura. Aguiar entra, nesse momento, no quarto, chega perto do filho e diz, olhando para Iza:
– Mandei um empregado à fazenda de Renato. Como vai ele? – vira-se para o filho, que geme um pouco mais alto.
– Continua gemendo muito; mas o sangue estancou com o gelo. Agora Tieta está limpando o ferimento.
– E Castelo, papai? – pergunta Leo, falando com dificuldade.
– Castelo está fora de perigo. Amanhã, trarei o veterinário; a perna dele está muito machucada.
– Pobre do meu cavalo! – diz Verinha chorando.
– Não fique triste, filhinha! Vou tratar dele direito. Ficará bom logo.
– Está bem, papai, mas só quero ver…
– Vamos lá agora então. Venha comigo!
Aguiar abraça a filha mais nova e sai com ela.
Renato chega e pede explicações sobre o acidente. Quando retira o algodão, aparece a pele do nariz esfolada, solta, balançando. Ele pega, então, sua maleta de cirurgia e… mãos à obra.
Todos saem da sala, ficando apenas o padre Amílcar, para encorajar o menino, e Tieta, para ajudar ao médico.
Lá fora, Carminha conversa com Iza, que explica o acidente:
– Quando Leo percebeu o buraco, já estava perto demais. Ficou com medo de que Castelo não pulasse. Puxou a rédea e… zás! Castelo pulou! Mas como o menino tinha puxado a rédea, o cálculo do cavalo falhou: o pulo do cavalo foi pequeno para a largura do fosso… Aí, meu pobre filho caiu com cavalo e tudo! – choraminga Iza, enxugando os olhos.
– Que perigo, poderia ter sido amassado! – comenta Carminha.
– A sorte foi que o cavalo, nem sei como, caiu ao lado dele e não em cima… senão… agora, meu filho estaria morto! – e recomeçava a chorar.
Mas Leo logo se recuperou. E voltou a montar como se nada houvesse acontecido.
Castelo, porém, levou muito tempo para curar a fratura. E pelo resto da vida, mancou…
Verinha ia vê-lo todos os dias, cuidando dele, assistindo aos curativos. Fazia dó ver a tristeza dos seus olhos negros quando fitava sua dona, como se quisesse contar que ficara assim por ter salvo a vida de seu irmão.
10.
Verinha estava passeando com Castelo, manhãzinha cedo. A menina caminhava, devagarzinho, puxando a rédea enquanto conversava com ele:
– Castelinho, vamos apanhar sol: assim você ficará mais a gosto. Está se sentindo bem?
– Hum… hum… – geme o animal.
– Quer parar, meu benzinho?
– Hum… hum…
– Vamos parar então. Por hoje, já caminhamos bastante.
– Enquanto ajeita o cavalo na grama com todo o carinho, a menina ouve a voz da prima que a chama:
– Verinha, vamos brincar de vaca?
Virando-se para ela, Verinha responde:
– Fale baixo! Castelinho vai dormir…
Margot alisa o pelo do animal, enquanto repete a pergunta:
– Vamos brincar de vaca? Eu sou a Flor do Campo. E você? Afastando-se do cavalo, Verinha responde, animada:
– Eu sou Bordada; acho essa vaca linda!
– E eu sou Pretinha – diz Lite. – Oh! vaca dengosa! Tem um pelo bonito! E está pra ter bezerrinho. Por isso, tenho de colocar um travesseiro em minha barriga.
Seguem as três para o pasto. E Lite vai com o travesseiro amarrado grotescamente em seu corpinho infantil. Pulam, correm, fingem pastar… Lite e Verinha encostam-se numa árvore, fingindo ruminar.
A certo momento, Lite grita para Margot:
– Corra! Lá vem Flor do Campo!
Ela e Verinha tratam logo de pular a cerca de arame farpado para fugir da vaca. Margot pensa que é brincadeira e não liga. Lite insiste:
– Corra, Margot! Flor do Campo pega!
Mas a menina continua calma, fingindo ruminar e achando que as primas estão fugindo dela, Flor do Campo.
Aí a vaca dá um mugido forte. Margot vira-se apavorada, quando percebe que ela já está perto demais. Tenta correr, pular a cerca, o mais rápido que pode. E ao pular, rasga a pele delicada da coxa. A carne vermelha aparece, sangrando. Mesmo assim, corre e alcança as primas num milagre de ligeireza.
Novamente o mar curando os ferimentos.
Pretinha chega ao momento de parir. Parto difícil, com veterinário. Ela chora silenciosamente, as lágrimas correndo de seus olhos. As meninas ficam ao seu lado e a acariciam. O bezerrinho nasce bem, saudável e bonito.
Dias depois, a vaca começa a ficar triste, sem comer, o corpo quente, enfraquecida, só querendo ficar deitada.
Aguiar manda trazê-la para perto de casa. O veterinário demora a chegar e Pretinha piora. As meninas não arredam o pé de perto dela. Verinha só sai dali para ir ver Castelo. Até adiam a viagem com Leyly.
Pretinha olha para as meninas, muge baixinho e chora… de dor? de saudade do bezerrinho? por saber que vai morrer?
O sol começa a esquentar. As meninas trazem palhas e mais palhas de coqueiro a fim de fazer sombra. Os empregados vêm ajudar. Raimundo faz uma pequena cabana. Trazem água para a vaca. Mas nem isso ela aceita mais.
E, de tardezinha, ela se vai. Parte chorando lágrimas silenciosas; daquelas que rolam lentamente, gota a gota.
– Nós prometemos que vamos cuidar do seu bezerro, viu Pretinha? diz Margot, voz chorosa, acariciando-lhe a cabeça.
– Fique tranquila, que ele será um touro bem forte – diz Verinha, fungando e fingindo que não está chorando.
– Você vai ficar boa, minha Pretinha! – anima Lite.
Mas Pretinha já se foi.
Aguiar toma todas as providências para que os outros animais não vejam o corpo.
Mas… fato interessante: ao chegarem do pasto, os bois vêm chorar seu lamento triste, gemendo, dando voltas, como se procurassem por alguém.
– Que coisa mais estranha! – diz Margot. – Parece que eles sabem que Pretinha morreu.
– Meninas! O jantar está na mesa – chama Ila. – Basta de olhar vacas!
Dias depois, Estrangeira, uma das vacas mais bonitas da fazenda, é vendida para Salvador, junto com outros animais.
As meninas estavam na praia, presenciando as manobras para colocar o gado no saveiro, quando aquela vozinha se fez ouvir:
– Já melhorou a dor de ter perdido Pretinha?
– Leyly! Que bom que você veio! – diz Verinha, alegre.
– Hoje, não vou ficar por muito tempo; quero marcar a viagem para amanhã. Pode ser? Tenho comigo o frasco de perfume. Preciso explicar a vocês tudo certinho…
– Pode ser sim. Castelo já está bom. A perna de Margot já cicatrizou – diz Lite, olhando a prima com carinho.
– Se você estivesse aqui, eu não teria ficado marcada – diz Margot.
– Eu estava longe no dia, nem recebi mensagens de vocês no aparelho. Se você tivesse pensando firmemente em mim, eu saberia que estava correndo perigo. O aparelho registraria. Mas você não se lembrou e eu nada captei.
– Não faz mal. É tão pequena a marca! Quando eu crescer, ninguém vai ver mais nada.
– Então, lá vou eu brincar um pouquinho com vocês! – diz Leyly e, desta vez, uma nuvem amarela, da cor de seu macacão, a antecede.
De volta à casa, as meninas começam os preparativos para a grande viagem. Com voz melosa, fazem um pedido à cozinheira:
– Lurdes, você amanhã acorda a gente bem cedo? – Lite pede com ar distante. Às cinco horas…
– O quê? Estão preparando novas artes? – A mulata olha de soslaio para as três.
– Não, Lurdinha! Nós vamos beber leite cru – diz Verinha, confortavelmente sentada na sala e fingindo-se interessada numa revista.
– E pra beber leite cru precisa acordar tão cedo? Vocês dá trabalho pra levantá às sete… vamo vê às cinco?! Eu, hein!
– Acorda, coisa linda? – insiste Verinha, levantando-se para dar um cheiro na cabocla de rosto meigo. – Acorda?
– Tá bem, acordo, suas pestinhas. Qui vocês pede qui num faço?
– Então, nós vamos fazer um doce agora. Você deixa?
– Lá vem! Vão sujá toda a minha cozinha! Meu Santontônio, valei-me!
– Um docinho só, Lurdes! É pra dar de presente.
– Presente? Para quem? – pergunta Lurdes, desconfiada.
– Ah! Você nem conhece. É para a mulher de “seu” Caboclo, da fazenda vizinha – responde Lite, receosa de ver descoberto seu segredo. – Ah! Lurdes, deixa de tanta pergunta!
E as três vão correndo para a cozinha, a fim de fazerem rapadura de banana, pois querem levar um presente para Leyly.
No quarto dos fundos, escolhem as bananas. Cortam-nas e começam a fazer o doce. Mexem a panela, o doce ferve, borbulha, salta no chão, nas paredes, nas mãozinhas delicadas… Puxam o corpo com medo.
Mexem e mexem e… nada de virar rapadura. Margot, então, chega a uma conclusão:
– Bota mais açúcar, Lite! Quem sabe assim endurece!
E o açúcar é colocado a mãos cheias.
Feito o doce, quente ainda, jogam-no numa bela terrina chinesa do aparelho de Iza, e vão brincar…
Separam suas melhores roupas (as de vir de Salvador e voltar para lá), deixam os pares de sapatos debaixo das camas, e vão passear na praia.
É quase noite quando chegam e se arrumam para o jantar. Voltam à cozinha para cortar o doce. Perguntam a Lurdes por ele.
– O doce? – diz Lurdes, distraída. – Botei ele na copa.
– Ih! Endureceu demais! – diz Margot, empurrando o dedo no doce agora endurecido que elas haviam colocado pastoso na terrina. – Hum!… Deve estar delicioso – diz, lambendo os dedos para ter certeza.
– Vamos cortar – diz Verinha, com os olhos brilhando de satisfação.
Tentam com a faca e… Nada!
– Endureceu demais – diz Lite, desanimada. – Viu no que deu sua ideia de botar mais açúcar, cabecinha tonta?
– É, eu pensava que ele tinha de endurecer na própria panela, mas agora acho que não era. Quando esfriou, endureceu de vez. – Desculpe, Lite! Sou uma burra mesmo!
– Não fale assim, minha querida. Vou pegar um martelo e quebrar – consola Verinha, animada, já imaginando o gosto de um pedacinho da sobra.
Assim disse e fez. Enquanto Margot segurava a faca, Lite sustentava a terrina e ela batia o martelo com vontade.
– Um, dois, três e… vá!
Tanto bateu, que em vez de cortar só o doce, despedaçou a bela terrina também.
Lurdes, que ia passando para verificar o trabalho da copeira, percebeu os cochichos das meninas, acercou-se curiosa e espiou o que faziam.
– Que horror! – exclamou, apavorada. – A terrina do aparelho de D. Iza! Vocês vão dizê, suas pestinhas… senão, eu ou Isaura leva a fama – ralha a mulata, zangada.
– Lurdes, pelo amor de Deus – pede Verinha, os olhos súplices. – Tenho de esconder isso de mamãe!
– Não, senhora! Vamo contá… eu digo qui você num teve curpa.
– Não Lurdes! Assim, a gente apanha! – diz Lite, empalidecendo.
– Ou leva palmada ou fica de castigo! – complementa Verinha, arrasada.
– De castigo, em casa, sem sair? – pergunta Margot, apavorada. – Logo amanhã!
– Não, Lurdes! Pelo amor de Deus, não diga nada à mamãe. Amanhã, nesta mesma hora, nós vamos com você contar tudo!
– E pru qui não hoje? – pergunta a mulata, desconfiada.
– Pra gente ter tempo de criar coragem – conclui Lite.
– Tá bem, tá bem – concorda Lurdes. – Mas amanhã, voceis num me escapa, ouviu, suas pestinhas? Num vô deixá Isaura levá curpa, promode voceis ficá por aí fazendo besteira… Vamos é agora, cambada!
As meninas olham-se, aterradas.
– Lurdes, confie em nós. Dou minha palavra de honra que amanhã a gente vai com você! Vou criar coragem, meu Deus!
– Vamos rezar, Lite, pra Santo Antonio, pra mamãe não bater na gente.
Ao ouvir a voz tão chorosa de Verinha, Lurdes amolece o coração e resolve deixar a queixa para o dia seguinte. Não era Verinha seus dengues? Resolve até ajudar as meninas a enrolarem o doce, prova mesmo um pedacinho. E as meninas arrumam tudo em papéis enfeitados e coloridos, conversando, rindo, até que chega o jantar…
Ainda cedo, as três vão dormir felizes, sonhando com a grande aventura!
11.
Já estavam em pé e vestidas, quando Lurdes veio despertá-las. A moça estranhou:
– De pé, a estas horas? Que estão preparando, meninas?
– Nada, Lurdinha! Vamos só dar um passeio – responde Verinha vagamente.
– Passeio? A esta hora? O sol nem nasceu!
– É isso! Queremos ver o nascer do sol passeando na praia – fala Margot com entusiasmo.
– Que mania mais besta! – diz Lurdes, balançando a cabeça. – Vorte na hora do armoço promode eu num ficá feito doida, gritando…
Dizendo isso, sai cantarolando baixinho. Na sala de jantar, previne às crianças:
– Venha tomá café sem fazê barulho. Todo mundo está dormindo!
Tomam o café correndo; apertam o vidrinho de perfume e abraçam Lurdes. Quando esta abre a tranca da porta, saem depressa em direção à capela.
A tão sonhada nave lá estava. Parecia feita de prata. Pequena, com umas janelinhas redondas, graciosas.
As meninas param, ofegantes da corrida, e olham boquiabertas para a estranha embarcação. Aguardam ordens de Leyly.
Nesse instante, a porta se abre e Leyly surge, ágil e delicada, descendo a escada que se desenrola até o chão. Saúda as amigas carinhosamente:
– Que bom que vocês vieram! Vai ser um passeio lindo!
– Nós sabemos! – diz Verinha, feliz.
– Demoramos muito? – quis saber Lite, preocupada.
– Não, chegamos há pouco. Venham: vou mostrar a vocês mamãe e papai. Ah! Usaram o perfume como expliquei?
– Fizemos – responde Lite – exatamente como mandou: deixamos que ele exalasse por toda a casa. E depois… saímos correndo!
– Então vai dar tudo certo – diz Leyly, sorrindo.
– Venham!
Leyly segue na frente em direção à nave; as outras a acompanham, excitadas e curiosas.
– Olhe, Leyly, isto é para você e sua mãe – diz Verinha, entregando timidamente os doces. Nós mesmas fizemos; por isso, talvez não estejam muito gostosos.
– Que é isso? – pergunta a menina com curiosidade.
– Doces… da Terra! – responde Margot.
– Fico feliz porque vocês se lembraram de mim. Como são gentis!
Ela abraça o pacote e sobe a escada, acompanhada das amigas. Ao chegarem à porta, a escada se enrola e desaparece e a porta se fecha.
Um frio de medo percorre o corpo das três meninas.
A nave é pequena, porém espaçosa. Leyly leva as meninas para um compartimento dotado de janelas, de onde podem apreciar toda a paisagem.
– Que lindas amiguinhas você arranjou, Leyly! – diz uma moça alta e muito linda, de cabelos dourados que lhe caem em cascatas até as ancas e com os olhos cor de ouro iguaizinhos aos da menina.
– Esta é mamãe – diz simplesmente Leyly.
– Eu me chamo Yana – explica a moça, usando com dificuldade os lábios para falar. Leyly já explicara que eles falavam com o pensamento.
Yana procura deixá-las à vontade e convida carinhosamente:
– Venham ver o sol nascer daqui!
Extasiante a paisagem lá fora! O mar, a ilha que vai se tornando pequenina com a distância, a fazenda, a Baía de Todos os Santos com suas ilhas lindas de praias cheias de coqueiros…
O sol, nascendo, traz consigo uma mistura de luzes em todos os tons e cores. Surgem logo três naves muito grandes, semelhantes a gigantescos pratos de metal. Com rapidez incrível, a nave em que viajam acopla-se a uma delas e as meninas se veem dentro de uma nave cor de laranja.
Um salão grande, forrado com fazenda macia e brilhante, lembrando o cetim. Aparelhos em profusão, fios em todas as direções. Vozes saindo dos fios. Telas grandes e claras mostrando imagens de pessoas e coisas desconhecidas… um perfume delicioso pairando no ar. Yana pergunta:
– Estão gostando do passeio? Leyly, leve as meninas para a janela 5/611XL. Foi preparada para que elas possam ver tudo com segurança.
– Sim, mamãe!
– Ahn! Este é meu marido. Kríon, chegue até aqui. Estas são as amiguinhas de Leyly, nossas convidadas!
Kríon entra na sala e sorri para as meninas. Também ele é belo: as meninas acham engraçados seus cabelos longos, sua altura. Acham que lembra os anjos das igrejas e percebem o esforço que ele faz para falar com os lábios:
– Faremos tudo para que o passeio possa agradar a vocês.
– Parece que estão falando com surdos-mudos – pensa Lite.
– Não é isso, minha filha; nós, em Zésper, não usamos mais os lábios para falar; só o fazemos com o pensamento. Daí a nossa dificuldade em dialogar com os seres da Terra, nossa pátria no passado – diz ele, com um suspiro.
– A Lemúria? – pergunta Margot, interessada.
– Sim… a Lemúria… há tantos séculos.
– E o senhor se lembra? – pergunta Lite, com um arrepio de medo e um arzinho incrédulo.
– Eu, não; mas papai, sim. Eu só tenho mil anos – diz Kríon quase num sussurro, como se pedisse desculpas por ser tão jovem.
– O quê? – pergunta Margot, horrorizada. – Mil anos? É brincadeira.
– Não, não é brincadeira. São mil anos terrenos. Em nosso planeta atual vivemos quase uma eternidade. Duzentos anos seus equivalem a um nosso, entende, minha pequenina? – explica, enquanto afaga o rostinho de Margot. – Meus pais e avós, e os de Yana e os avós deles, ainda estão vivos e sadios em Zésper!
– Que maravilha! – comenta Verinha, radiante. – Que bom morar lá!
– Agora observem a paisagem! Deixaremos logo a atmosfera terrestre e iremos cair no espaço cósmico. Olhem: ali está o Brasil. Vejam que beleza é a Terra daqui de longe.
Elas já haviam trocado suas roupas por aquelas estranhas vestes folgadas, de fazenda desconhecida, macia e brilhante, com aspecto metálico.
Yana traz uma bebida doce, gostosíssima, esclarecendo que é de frutas de Zésper.
– Ali ficava a Lemúria – diz Kríon – apontando para uma extensão de mar. Constantemente vamos lá e trazemos alguma coisa das relíquias artísticas que foram tragadas pelas águas.
– Trazem, como? – pergunta Margot, espantada.
– Usamos uma nave especial de mergulho.
– Ah! Quem me dera passear nela – diz Verinha, encantada.
– O senhor pode nos levar um dia?
– Quem sabe? Talvez possa, sim. Leyly já foi algumas vezes, não é, minha filha?
– Fui sim. Vocês vão ver os peixinhos nadando e, quando se chega à Lemúria, a gente vê tanta coisa bonita… Pode, papai, levar minhas amigas?
– De outra vez. Agora, segurem-se bem. Vamos deixar a atmosfera. Olhem!
Efetivamente, a Terra era agora uma bola solta no espaço. Seu colorido estava mais e mais esmaecido, e ela girava, girava como louca no escuro.
– Olhem: um planeta ali!
– É Marte, o planeta mais próximo da Terra – Yana explica.
– Que cometa mais lindo, meu Deus! – exclama Margot, extasiada.
– É… lindo, mas vocês verão maiores. – diz Kríon com naturalidade.
– A cauda dele é cheia de estrelas.
– Sim.
– Que poeira colorida e brilhante é essa? – indaga Margot.
– É poeira cósmica. Desprendida de cometas, estrelas e asteroides que se destroem – explica Kríon.
– Olhem outro maior, muito maior do que aquele! – grita Lite, entusiasmada.
– Ainda verão maiores – diz Yana, rindo.
– Que planeta claro, iluminado – comenta Verinha.
– É Vênus: um planeta bonito. O que vocês estão vendo é o reflexo da luz do sol…
Nesse momento, entra na sala um outro homem alto, que se dirige a Kríon sem usar os lábios. Leyly traduz para as meninas o seu pensamento:
– Kríon, querem falar contigo do planeta que estamos sobrevoando.
– Já vou então. Obrigado.
E, virando-se para as meninas:
– Estas são as amiguinhas de Leyly.
O estranho saúda-as com a cabeça.
– Que engraçado! – pensa Margot. – Que gente diferente!
– O universo é todo assim, Margot – esclarece Yana, compreendendo os pensamentos da menina. – Você vê povos mais evoluídos que os da Terra, como nós. Vê mais evoluídos que nós, seres que nem sequer necessitam de alimento: a própria atmosfera de seus planetas os alimenta. São seres de inteligência superior. Há outros, entretanto, em que só se vê o mal… doenças… guerras…
– Como na Terra – diz Verinha, triste.
– Muito pior.
– É mesmo? – pergunta Lite, incrédula.
– Claro! O Universo é uma escola. As humanidades estão em constante aprendizado. Numa escola terrena não há várias classes, de acordo com a idade das crianças? Pois, o Universo é assim – diz Yana, puxando com a mão direita uma mecha de seus cabelos louros que lhe atrapalha a visão.
– Olhem Saturno, que planeta mais lindo! – grita Leyly.
Efetivamente, Saturno, com suas luas brilhando, os anéis refulgindo de esplendor, feitos de gotículas de gelo colorido, refletindo todas as nuances imagináveis de cores, é uma festa colorida.
– Vamos descer lá? – pede timidamente Margot.
– Não, querida. Ele vive envolto em hidrogênio e vocês, para respirarem lá, têm que possuir máscaras transformadoras de oxigênio, ou terem os pulmões preparados para qualquer adaptação de atmosfera, como nós.
– Em outro dia a senhora leva? – pede Verinha, sem entender quase nada do que Yana havia explicado.
– Ah! Sim. Em outra oportunidade – diz Yana, afagando os cabelos da menina.
– Adeus, Saturno! Até outro dia!
– E este agora? – pergunta Lite, apontando para um planeta gigante, envolvido por cores variadas, como se fora um cinto de fumaça.
– Este agora é Júpiter. Também é lindo; observem suas luas: algumas delas são habitadas.
– Podemos ir lá? – insiste Margot.
– Infelizmente, não; aí também há o problema da atmosfera.
– Que pena! Vocês também têm este problema?
– Nós, não; somos viajores do espaço e para isso preparamos nossos pulmões para qualquer atmosfera.
– Quero fazer isso também! – afirma Margot, entusiasmada – e ficar viajando com vocês por estes mundos afora.
– Querida, você é ainda muito criança para decidir isso. Exige muito sacrifício, sabe? – consola Yana com carinho. Nossa missão é árdua: se aprendemos com os povos evoluídos, entre os mais atrasados pisamos em muitos espinhos! – completa a moça, suspirando.
– Mas eu gostaria tanto… Mãezinha diz que, sem ajudar aos outros, a vida não vale nada.
– Que bonito! Vê, Kríon? Na Terra há pessoas que comungam de nossos ideais de fraternidade.
Kríon sorri, enquanto as chama com ternura:
– Ei, pessoal! Chegamos a Zésper! Vejam só que beleza de planeta!
Epílogo
Loucas de alegria, as meninas passam para a nave pequena e nela descem ao planeta Zésper, onde vive Leyly.
Visto do céu, Zésper até que parecia com a Terra. Só que suas cores são mais vivas e seu tamanho muitas vezes maior. Cinco luas fazem movimento em redor dele. Yana vai explicando às meninas.
– Olhem! – mostra ela com orgulho – As casas são feitas de material translúcido, que lembra o cristal da Terra. Mas as nuances de cores vocês nunca viram antes.
– Vejam aquele rio, que beleza!
– E o mar, que água límpida! – comenta Lite, encantada.
– E é perfumada – diz Margot, aspirando o aroma suave.
– Todo o planeta é envolto em suave perfume – explica Yana.
– Olhem, aquela é nossa casa – diz Leyly, acenando para uma jovem senhora loura, parecida com Yana. – Aquela é vovó, mãe de mamãe.
– Mas é um palácio! – diz Verinha, extasiada. – Na Terra, você seria considerada rainha.
– Ah! Mas não sou – responde, rindo, a menina. – Aqui todos somos iguais. Ali é a Casa de Instrução, onde eu estudo.
– Anh! Você quer dizer escola – conclui Lite, espiando avidamente da janela, sem querer perder nada das belezas que vê.
– Ali são campos de esporte. Estão vendo aquela menininha? – diz Leyly, apontando para uma criança que caminha em meio ao povo. – ela é da Terra. Veio para cá com os pais há mais ou menos oitenta anos terrenos, não é, mamãe?
– Mais ou menos. Ela tinha uma doença incurável lá, que aqui poderia ser curada. Numa de nossas viagens, ficamos conhecendo os pais dela; propusemos trazê-los, eles concordaram e… nunca mais quiseram voltar.
– Como se chama a menina? – pergunta Lite.
– Louise. É francesa: vejam como é lourinha!
– E qual foi a doença? – quer saber Margot.
– Tumor maligno… Ela morreria.
– Coitadinha!
– Bom! Ela sofreu bastante. Mas hoje está curada e é muito feliz. Vejam:
– Louise! Veja estas meninas da Terra! – grita Leyly. – São minhas amigas.
A menina volta o rostinho mimoso em direção à nave, sorrindo e acenando com a mão.
– Louise, você quer voltar para a Terra? – pergunta Margot.
A garota percebe o pensamento:
– Não. Somos felizes aqui – responde simplesmente. – Vocês vieram para ficar? – pergunta, chegando pertinho da nave.
– Quem me dera! – diz Verinha, suspirando.
– Nossos pais não vieram, não podemos ficar – explica Margot como desculpa.
– Vou até ao campo de pouso receber vocês – diz, resoluta, Louise.
– Está bem.
No planeta, as meninas visitam a casa de Leyly, sua Escola, o grande Templo da Paz, conhecem seres de vários outros planetas que lá estão a passeio, brincam com Leyly e Louise, tomam uma refeição simples composta de frutas e doces muito gostosos.
Mais tarde, vão brincar num parque público, bem cuidado, cheio de flores fosforescentes e pássaros de plumagem colorida.
De repente, uma garça de penas muito azuis chega perto do grupo e, com voz mansa, pergunta:
– Passeando, Leyly?
– Estou, Seki. E veja: tenho três amigas da Terra.
– O quê? Esse bicho fala? – diz Margot, ainda tremendo de susto.
– Aqui, todos os bichos falam – explica Leyly, rindo da expressão de susto das meninas. – Pela lógica, se nós somos mais evoluídos, eles também deverão ser… apesar de terem um raciocínio bastante rudimentar. Eles falam. Correspondem aos homens primitivos da Terra, entendem? – Ela olha as amigas nos olhos para perceber se haviam entendido.
Abraça com carinho a garça, dizendo:
– Esta é uma grande amiga minha, não é, Seki?
Satisfeito com o carinho de Leyly, o belo animal sorri para as crianças e pergunta:
– Em sua pátria os bichos não falam?
– Não – responde Margot. – Apenas emitem sons.
– Coitados! Felizmente, nasci aqui. Adeus! Vou contar a novidade aos meus amigos. Ora vejam só: bichos que não falam!
E no brilho do sol, sua plumagem brilha em todos os matizes do azul. Ela plaina, batendo as asas, orgulhosa pela sensação que despertou nas meninas da Terra.
– Adeus! – respondem as três, encantadas.
Yana e Kríon chegam abraçados. E a moça fala para Leyly:
– Querida, está na hora de voltar!
– Oh! Tão depressa? – perguntam as meninas com tristeza.
– Temos uma viagem pela frente – diz Kríon – Pedi até mais dois homens na nave, porque estou cansado. Não poderei chefiar a navegação.
Despedem-se dos parentes e amigos de Leyly. Sobrevoam o planeta. Kríon vai explicando tudo cuidadosamente:
– Nosso planeta não é ainda conhecido na Terra. Corresponde a ela nas características de atmosfera, constituição do solo e clima. Mas nós contamos com a vantagem de termos sempre e em qualquer lugar de nosso planeta um clima ameno e saudável, sem grandes variações. Não temos frio ou calor. Há sempre uma brisa amena e perfumada. E nas noites de lua, temos prata por todo canto: são cinco luas a iluminar-nos!
A volta é mais rápida. As meninas não desgrudam os olhos da janela. O sono que haviam dormido em casa de Leyly, em camas fofas e cheirosas, lhes havia dado uma força como nunca haviam sentido antes. Kríon e Yana não se cansam de mostrar e explicar tudo o que as meninas querem ver e saber.
Já estão chegando perto da Terra. Cometas, com suas caudas de gases incandescentes, brilhantes e belos, passam pertinho da nave. Estrelas, de todas as cores e tamanhos, desfilam ante seus olhos admirados. Viram, novamente, os planetas, a lua. Ao passar por esta, as meninas constatam que é melhor vê-la de longe, pois de perto perde aquele encanto de bola de prata. É uma bola de pedra cinzenta, escura, girando doidamente no céu. Ao longe, a Terra resplandece em toda a sua luz.
E chegam à atmosfera terrestre um mês depois, no tempo da Terra.
Novamente, um amanhecer com sol.
Yana traz néctares e ambrosias para as crianças se fartarem. As grandes naves param e as crianças, já na nave pequena, descem para o campo da igrejinha. Abraçam e beijam Leyly, agradecendo a ela e a seus pais pela viagem. Verinha pergunta com voz chorosa:
– Quando você volta, Leyly?
– Logo que possa. Continuaremos a brincar juntas sempre.
– Da próxima vez, Kríon e eu queremos conhecer seus pais – diz gentilmente Yana.
– Ih! O que devemos fazer para eles acordarem? – pergunta Lite, lembrando-se, de repente, do perfume.
– Tome este vidro – diz Leyly com ar risonho. – Logo que entrem em casa, apertem o botão. Assim vocês não ficarão dormindo também. Aliás, aquele perfume foi programado para o tempo que gastaríamos na viagem, para não haver contratempos, até hoje à noite, caso houvesse algum atraso.
– Menininha danada! – diz Margot com admiração.
Nesse instante, Yana volta de dentro da nave, trazendo muitas flores brilhantes de Zésper, de cores suaves e variadas. Seu perfume é delicioso. E ela, com meiguice, as distribui às meninas.
– Para sua mãe, Verinha, que nós mandamos com carinho.
– Obrigada! Você é um amor – diz Verinha, emocionada, beijando-a.
– Para você entregar, de nossa parte, à D. Iza, ouviu Lite? – continua ela com sua voz suave.
– E estas são para sua mãezinha, Margot, com nosso abraço.
Margot pula ao pescoço de Yana, beijando-a com carinho.
E Leyly entra, trazendo… imaginem! Três cachorros falantes de Zésper.
– Cada uma terá o seu: elas falam, sabem sumir como eu e podem ensinar a vocês muitas brincadeiras divertidíssimas – diz a menina, divertida com a expressão feliz das amigas.
Enfim os agradecimentos finais, as despedidas e as promessas de voltarem sempre.
– Como vocês chamarão seus cachorrinhos? – pergunta Leyly carinhosamente.
– O meu vai ser Keyt – diz Margot, afagando o pelo brilhante do animal.
– Deixe ver… o meu… será… Tip! – exulta Verinha.
– Já batizei o meu também – diz Lite, com alegria. – Ele se chamará Jong!
– Ótimo! – exclama Leyly, feliz. – Gostei dos nomes: Keyt, Tip e Jong, nossos mais novos amigos! Podem esperar que aprontaremos muitas artes novas da próxima vez, com eles.
A viagem chegou ao fim.
A nave se aproxima do campo da igrejinha e desce, brilhante, serena, silenciosa, dominando os céus.
Yana aproveita os últimos momentos para aconselhar às meninas:
– Não se deve ocultar nada dos pais. Se Kríon e eu soubéssemos que vocês não haviam contado a seus pais sobre nós e a viagem, teríamos ido à fazenda pedir o consentimento deles. Só depois que já estavam em Zésper, é que Leyly nos contou a história do perfume.
– Mas vocês não leem os pensamentos? – pergunta Margot, sem entender.
– Sim, quando a pessoa pensa. Mas Leyly não pensou. Resolveu sozinha, essa moleca! Foi mais uma das artes que ela fez, embora saiba que não pode usar os conhecimentos que tem para coisas erradas.
Leyly fita a mãe com um ar triste.
– Eu sei, filha, você não fará mais. Eu sei – diz Yana, afagando-lhe os cabelos.
– Nossos pais são nossos melhores amigos. A eles cabe dar-nos conselhos, afastar-nos dos perigos e levar-nos ao caminho certo – continua a moça.
– Queremos visitar seus pais da próxima vez que aqui voltarmos; vocês são três crianças maravilhosas e podemos todos ser amigos! – diz Kríon, com ternura.
– Em nosso planeta, as crianças são felizes porque confiam nos pais e nada escondem deles!
– Mas eu garanto que se a gente pedisse, eles não iam deixar – comenta Margot, arrependida.
– É… por isso, não deixei que ninguém em casa soubesse do nosso segredo – diz Lite, com remorsos.
– Bem que eu queria – arrisca Margot, com timidez.
– Mas agora vamos contar tudo. E pronto! Todos serão amigos – conclui Verinha, feliz.
– Posso fazer uma pergunta? – pede Margot.
– Claro! – responde Yana. – Nós temos direito, sim, a ter segredos. Quando queremos que os outros não leiam nossos pensamentos, controlamos nossas mentes para que eles não possam captá-los. Satisfeita? – pergunta, por vez, Yana, rindo-se do espanto das meninas.
– Cruzes! Era sobre isso que eu ia perguntar… E ela respondeu na hora.
Riem todos. E chega a hora das últimas despedidas. Beijam e abraçam Yana e Kríon, agradecem mais uma vez. Leyly desce com elas até a grama da igreja. A escada é novamente desenrolada e as meninas descem, acenando carinhosamente para os pais da amiga. Perto de pisarem na grama, voltam-se e dizem:
– Voltem logo! Voltem sempre!
– Teremos muitas saudades!
– Obrigada! Voltem sempre… nós esperamos vocês!
Já em terra, beijam e abraçam Leyly, que explica, com seriedade:
– Esperaremos, na nave pequena, o tempo de verificar se está tudo bem em casa. Quando todos acordarem e tudo voltar ao normal, ligaremos nosso vídeo D. Podemos acenar e falar que ouviremos e veremos tudo. Se precisarem de ajuda, desceremos e ficaremos com vocês até que tudo esteja bem. Entendido? Este vidrinho fará o milagre.
– Entendido. Farei tudo como recomendou – diz Lite. – Foi um passeio maravilhoso. Obrigada… por tudo! – E beija-a com ternura.
– Foi o tempo melhor de minha vida – diz Margot, fungando e afagando os cabelos dourados da menina.
– Gostei tanto de conhecer vocês! Sua pestinha, quanta coisa maravilhosa nos ensinou nestes dias! E nossos cachorrinhos, que lindeza! Quero ser sua amiga para sempre – fala Verinha, emocionada.
– E seremos! – diz Leyly, rindo e deixando-se beijar pelas amigas. Agora, até breve!
– Até breve! – respondem as meninas.
Leyly volta-se e sobe as escadas, sempre acenando; fecha-se a porta, e a nave sobe girando vertiginosamente como um parafuso, enquanto as mãozinhas de Leyly vão ficando menores, menores, até desaparecerem de todo, acenando adeus…
A autora
Era uma vez uma menininha que gostava de sonhar acordada e de inventar histórias…
Ela abriu os olhos para o mundo numa tarde ensolarada de domingo, algum tempo atrás, numa casa de veraneio situada na praia do Cantagalo, na cidade de Salvador, na Baía de Todos os Santos e todos os deuses…
Nasceu na primavera, tempo de flor, sol e amor, perto do mar e aquecida pelo amor de seus pais, tios e avós…
Cresceu correndo picula, batendo lata no sábado de Aleluia, jogando bola, pulando corda, brincando de roda, de chicotinho queimado, de anel, de batatinha frita, de macaco, de boneca, de bicicleta.
Era o tempo em que a criançada brincava e corria livre pelas ruas…
Nas férias, duas opções: o paraíso da Fazenda Santo Antônio, na ilha de Mar Grande, cujas travessuras são narradas em – “Leyly…”, e a Fazenda Pitanga, também da família, na cidade histórica de Cachoeira. Sobre ela também há um livro que fala do ciclo da cana-de-açúcar: Moenda, para adultos.
Sempre gostou de ler: na infância seus companheiros favoritos foram Monteiro Lobato, Júlio Verne, Andersen e Grimm, Swift e Érico Veríssimo (TIBICUERA), Amicis (CORAÇÃO) e outros.
Aos nove anos de idade fez sua primeira poesia: A vida.
Sonhou desde pequenina em ser escritora. Para isso, leu sempre e estudou com muito amor.
Adolesceu na década do romantismo, dos boleros, das rumbas, dos foxes, das canções de amor e…, naturalmente, do samba!
Nessa época leu Machado de Assis, Macedo e Alencar.
Estudou balé, piano e declamação desde os cinco anos de idade.
Diplomou-se em Música pelo Instituto de Música da Universidade Católica da Bahia.
Diplomou-se em Medicina pela Faculdade de Medicina Federal da Universidade da Bahia. Dedica-se à Pediatria.
Em criança, gostava de conversar sozinha e, quando lhe perguntavam com quem falava, respondia:
– Com meus personagens, ora essa!
A alegria de ver seu primeiro livro editado foi tão grande que só se compara à emoção de receber nos braços um filho que nasce! Ela não sabe descrevê-la…
Aconteceu com Spectra, o planeta misterioso, e aconteceu com todos os outros. Spectra foi editado em 1983, pela Contemp, em Salvador.
Hoje, a menina cresceu e se tornou mulher e mãe. Casou-se e tem quatro filhos maravilhosos. Isto não a impede de sentir-se mãe também dos amigos dos filhos, dos afilhados, e até dos animais da casa: cachorros, pássaros, etc.
Seus pais, avós, tios e atualmente o marido e os filhos deram sempre força ao seu ideal maior: a literatura.
Dedica sua vida ao lar, à profissão, à arte (pintando e tocando piano) ao seu grande amor: a literatura. É um mundo rico e colorido!
A esta altura, vocês já adivinharam: essa, sou eu!
Gostaria de dizer a vocês, meus amiguinhos, que o sonho e a poesia devem viver no coração da gente para nos fazer felizes. O amor, a fé, a esperança devem conduzir nossas atitudes para que levemos sempre aos outros a alegria e o amor. Se cada coração for cheio de alegria e fé, o mundo será melhor.
O homem só é feliz quando conserva sua capacidade de sonhar…
As fontes mais verdadeiras de emoções perfeitas, além de Deus, o amor e a esperança são a arte e a criação.
Ser feliz é sentir a poesia que existe nas ondas do mar, no mistério do pôr do sol, na magia da lua, nos tons róseos do alvorecer, na harmonia do canto dos pássaros…
Isto é Deus em vocês!
Meu beijo carinhoso e… Divirtam-se com as diabruras de LEYLY, a menina que veio de longe…