Lembrar é fazer reviver?
É desfazer a calma?
É acalmar o ser?
É remexer a alma?
Ou seria desabrolho
De uma semente perdida
No fundo da tua terra
Dessa alma esquecida?
Onde está a memória?
Na pele, no olho, no cheiro?
Na minha e na tua história
Do nosso instinto fagueiro?
Papel de bala deixado no bolso
Marca de um corte no pé
Pétalas de rosa no livro
Outra lembrança qualquer
Uma música de antigamente
Uma carta amarela de tempo
Uma saudade que dá na gente
Uma foto do casamento
Menina veneno
Vitrola e disco de vinil
Nega do cabelo duro
Eu sei que você ouviu
Brilho moranguinho
O fusca era show
Black power, boca de sino
Eu sei que você usou
Milkbar era lolo
Jorge era benjor
Gatinha era brotinho
Cheirava-se loló
Na memória da pele
Resistem as digitais
O afeto deixa marcas
E o tempo seus sinais
A voz rouca da professora
É um lembrar acolchoado
Deita sobre seu som
Um afeto bem guardado
Caneta de doze cores
Saia azul de tergal
Sapato conga no pé
Manga verde com sal
O arco-íris aparecia mais no céu
E tinha banho de chuva
Uma cama quente depois
Caía como uma luva.
Uma colcha de retalhos
As mãos gordas da avó
Cheiro de café moído
Gostinho de leite em pó
O pai contando história
Biscoito, pão a lenha
Geladinho de “kissuque”
Cada coisa é uma senha
O primeiro beijo
Uma caminhada na praia
O dia do vestibular
Lembra daquela saia?
O primeiro filho
Violão, fogueira e vinho.
O dia em que ela se foi
E ele ficou sozinho
Nos ouvidos uma música
No olfato um cheiro
No corpo um abraço
Em um lembrar fagueiro
Fica tudo numa caixinha
Que vai guardando vida
Por onde pisou nosso pé
E um mundaréu de coisas
Faz da gente o que a gente é