Deitada no sofá olhava a janela com um brilho fosco no rosto como o de uma esperança morta a machadadas. Pensava em ir ao banheiro e depois ir à cozinha tomar um copo de água, mas a intensidade da preguiça amortecia a necessidade fisiológica e a sede, que lhe açoitava a garganta.
Lá fora tudo ocorria tranquilamente, o cotidiano transparecia como uma leve brisa, um rapaz de bicicleta bradava a venda de seus pães, algumas crianças brincavam na calçada da varanda da frente, com armas de brinquedo na mão, dramatizando uma guerra entre polícia e bandido.
O suor descia-lhe pelo corpo largo, o vestido desbotado encharcado e um cheiro não muito agradável impregnado em sua pele. O silêncio falava pela vida, a casa de poucos cômodos possuía uma imensidão insuportável, aquelas paredes, frias, calculistas, ocultavam segredos profundos, perigosos, proibidos, que jamais deveriam ser pronunciados. Brigite temia que seus pensamentos denunciassem os segredos pedregosos que a atormentavam, o balançar das cortinas, de segundo em segundo, transparecia uma denúncia da qual ela não podia fugir: a imagem da sua mãe presa sobre a cama.
A estante da sala possuía elementos que revelavam algo perdido, retratos do seu tempo de glória, moça, bonita e miss, o sonho de consumo de todos os homens que moravam naquela região. A mãe, professora viúva, criara a linda menina de olhos azuis, sozinha, se esforçando para lhe dar a melhor formação, Brigite estudou em colégio de freira, fez curso de secretária, foi indicada à um cargo na prefeitura.
Os sonhos da mãe para o futuro da filha eram singelos, queria que Brigite passasse em um concurso público, de preferência para professora, estabilidade financeira, conseguida com a única moeda que o pobre possui: o estudo. A vida, com suas artimanhas, reservava inúmeras opções de escolha para a moça com rosto de miss.
Foi sentada em uma praça que a jovem recebeu seu primeiro convite, um desfile no clube da cidade com uma boa quantia em dinheiro, pouca na verdade, mas muito em comparação ao seu salário de secretária. A esperança do dinheiro rápido fez os olhos de Brigite transbordarem em fascínio.
O corpo escultural, a pele clara, os olhos azuis e o cabelo negro renderam a Brigite o primeiro lugar. A sua beleza virou fama, odiada pelas moças, adorada entre os rapazes, era a maior referência da região. Ostentava o ofício de secretária a pedido da mãe, que temia o fim da carreira de modelo; no mais, não lhe agradava nem um pouco ver a sua única filha exposta, desejosa e desejada. Brigite não escondia sua ambição, suas palavras só proferiam riqueza, sucesso, sua vaidade atingia seus limites morais, poucos por sinal, sentia prazer em humilhar suas concorrentes durante os desfiles, não possuía nenhuma amiga, sentia-se superior às moças da pequena cidade, que a cada dia diminuía ao ponto de sufocá-la.
A beleza incontestável lhe rendia admiradores, um número crescente, uma mistura de poder e perigo. Seu primeiro caso foi com o prefeito, este lhe deu um cargo fantasma, não precisava mais da roupa de secretária, a pouca vestimenta tornou-se necessária, em troca: joias, passeios, roupas e sapatos, tudo comprado com o dinheiro público.
Em suas viagens de negócio, o prefeito sempre à levava a tiracolo, na pacata cidade, a bomba já havia estourado, a primeira dama desejava sua morte, tinha o marido só no nome, esse fazia questão de exibir seu troféu pelos congressos a fora, e ainda jogava na cara da esposa que ela estava velha, que não possuía mais o frescor da juventude, e mesmo que possuísse, nem em outra vida brilharia como o seu Rubi, apelido carinhosamente dado à amante.
Sua joia foi descoberta por um deputado estadual, a traição rendeu a Brigite olho roxo, o prefeito foi ameaçado pelo deputado, com o rabo entre as pernas, voltou a assumir a esposa, levando-a para todos os eventos, difamando a moça aos quatro ventos, amanheceu com a boca cheia de formiga, restou uma viúva e dois órfãos de pai.
O deputado queria esconder seu tesouro para que ninguém lhe roubasse, deu a Brigite um apartamento em Copacabana, e inúmeras viagens ao exterior; quieta, a moça olhava os cartões postais e se os laços com sua mãe não tivessem sido rompidos, certamente lhe enviaria um.
Em um cruzeiro marítimo um pirata roubou o Rubi do deputado estadual.
Diante do espelho, a imagem de uma linda mulher coberta de joias não tinha sentimento, nem sentia prazer ao ser tocada pelo novo deputado, um velho asqueroso, que só lhe causava náusea.
Em seu ventre pesava a culpa dos inúmeros abortos, engravidava facilmente. O velho asqueroso lhe entupia de remédios abortivos, mas não permitia que Brigite tomasse anticoncepcional, queria ter o prazer de deixar a vida germinar e depois lhe cortar o fio como um sopro. A família do velho caquético, eleito governador odiava Brigite com a profundeza de uma alma, a sua esposa já passava dos sessenta anos.
Brigite almejava encontrar um novo amante com um cargo político ainda mais alto, e muito mais velho, com o pé na cova, disposto a dar-lhe todas as joias do mundo em troca do seu corpo, fonte inesgotável de prazer. Usava todas as armas que seu corpo lhe fornecia, na cama não tinha limites ou pudores, estava apta a tudo, se tornara profissional na arte do prazer, e este se tornou seu sustento. Quando o governador morreu, continuou no meio político por algum tempo, os cargos foram caindo, assessor, secretário, puxa-saco.
O reflexo no espelho, a denúncia, o declínio do seu poder; para comer, vendeu as joias, as roupas finas, o sapatos caros, a elegância fugia-lhe entre os dedos, quando não restava mais o que vender foi para o calçadão enfeitada de bijuterias e roupa barata, as curvas ainda desejáveis atraía inúmeros clientes. O apartamento virou o ponto do prazer, conseguiu jovens bonitas para enfeitar o lugar, não tão belas quanto ela, nas noites de sexta-feira exibia-se como um troféu, quem desse o maior lance levava a noite, no início só homens, depois apareceram mulheres, desejada por ambos os sexos, admiradas por suas secretárias, profissionais do ramo, todas queriam ser como ela.
A sua fama de boa de cama correu o Rio de Janeiro, o comércio cresceu, garotos de programa abrilhantavam o clube, com bar, pista de dança, suítes, tudo muito caro, bem frequentado, homens e mulheres importantes todas as noites em busca do prazer. Mulheres infelizes no casamento satisfaziam ali suas fantasias sexuais, homens tarados pervertidos realizando nos corpos jovens o que a carne enrugada de suas esposas já não propiciava.
Em uma noite chuvosa, o estabelecimento abriu as portas apenas para um cliente, um homem alto, aparentando trinta e poucos anos, cabelos castanho-mel, pele morena, olhos verdes. Brigite estava deitada quando ele bateu à porta, levantou enfurecida ameaçando jogar água quente no atrevido ou atrevida que estava a lhe importunar. No primeiro olhar, a certeza do início de uma paixão avassaladora. Automaticamente, mandou que o homem entrasse, ofereceu-lhe bebida quente, depois aposento, no lugar mais privilegiado do clube, sua suíte, o ponto mais desejado por muitos homens, e a aquele desconhecido foi oferecido de graça, dispensando apresentações, ele certamente sabia quem ela era, Brigite entregue aos braços do anônimo sentiu seu primeiro orgasmo.
O nome ficou oculto, Brigite pediu a homens de sua confiança que investigassem a vida do homem misterioso, descobriu que se tratava de um homem separado, pai de cinco filhos, abandonou a família para furtar e manter o seu vício com drogas, pobre, desonesto, fez vítima até seu próprio pai, roubando-lhe um carro. Nada disso interessava, Brigite queria o homem misterioso a qualquer custo, pediu que ele voltasse ao clube e lhe fez uma proposta, sustentaria seu vício e tudo mais que ele assim quisesse em troca de outras noites como aquela.
Narciso atendia aos apelos sexuais de Brigite, e ela alimentava seu vício com a mesma voracidade que ele a devorava na cama. O vício de Narciso aumentava na mesma proporção dos hematomas no corpo de Brigite, cega pelo prazer que ele lhe proporcionava na cama, como uma múmia, permitia que seu homem espancasse suas secretárias, espantasse seus clientes, vendesse suas joias, do clube elegante só restava as paredes, os móveis foram vendidos e trocados por drogas.
Deitada em papelões à espera do seu alimento, mal vestida, descabelada, gorda desdentada, os olhos de Brigite incandesceram ao ouvir a porta abrir, desceu as escadas rumo ao salão de festas, ao longe ouvia ruídos da voz de outro homem, Narciso bateu a porta. Mais tarde, um corretor foi ao estabelecimento exigindo que Brigite desocupasse o local, Narciso vendera o clube e fora embora com seu amante. Brigite pensou em suicídio, por sorte, escondera de Narciso a única joia que lhe restara, juntou os molambos, vendeu a joia e comprou uma passagem de volta para sua pequena cidade, a máquina do tempo cruel transforma o homem em bicho, devorou toda a riqueza de Brigite, que estava feia, desarmada, cabisbaixa, escondendo-se de todos os rostos que um dia sem piedade alguma humilhara.
O endereço, o mesmo; a casa sofrera as transformações do tempo, sua mãe estava vivendo em estado vegetativo, em cima de uma cama aos cuidados de uma estranha, que tentou expulsá-la quando esta se apresentou como filha da doente, a moça não podia acreditar, conhecia outra Brigite, a das fotos na estante, da beleza afamada, e não aquela figura, feia, larga, desdentada, o jeito foi apresentar os documentos. Brigite fugia das pessoas que iam visitá-la buscando ver de novo sua rara beleza, geralmente ficava no escuro do quarto, a casa não possuía mais espelhos, quando o calor apertava, deitava no sofá da sala com o rosto parcialmente coberto, deixando somente os olhos azuis à mostra. A moça desconhecida à qual ela nem se quer perguntou o nome, continuou a cuidar da sua mãe, fazia compras, não conseguia um diálogo com Brigite, pois esta nada falava e se a moça lhe pergunta-se alguma coisa não respondia.
Na janela, um vendedor ambulante batia palmas, Brigite nauseante recusava-se a levantar, os seus olhos foram tocados pelo reflexo do espelho, o sol escaldante produzia a incandescência do objeto. Pôs os pés no chão enfrentando a náusea, abriu a porta, pegou o espelho no carrinho de mão do ambulante, desterrou sua imagem, depois de algum tempo sua conversa foi interrompida.
— Vai comprar ele moça? — aquela voz atravessou-lhe o peito como uma faca, com uma coragem uterina encarou o rosto que um dia fora seu céu e seu inferno, o espelho escapou-lhe entre as mãos caindo no chão e partindo-se em pedaços, apavorado Narciso puxou o carrinho de mão sem olhar para trás.
Paralisada em frente à casa, sentiu seu corpo ser tocado, a moça com os olhos cheios de lágrimas em palavras cortantes disse:
— Dona Aurora morreu.