No princípio era o verbo
E a verba era pra Deus
Está escrito na bíblia
De um analfabeto ateu
Que além de maconheiro
Era um grande fariseu.
Para se viver direito
Orto certo reta a vida
É preciso mais que sonhos
E um prato de comida
O mundo só vai mudar
Com a igualdade valida.
Mas há momentos em que
Todo homem necessita
Fugir do mundo real
Tomando umas biritas
Pra poder falar com Deus
De forma surrealista.
Muitos além da pinga
Precisam de algo mais
Cheiram pó e tomam pico
Exageram por demais
Alguns fumam a maconha
E se sentem vegetais.
Foi num transe transcendente
Enquanto fumava um
Que o cara avistou tudo
Como se fosse com zoom
O real e o imaginário
De forma sobrecomum.
Grandes e articuláveis
Coisas se locomoviam
Da pupila pra menina
Dos olhos que se buliam
Quanto mais ele fumava
Mas as coisas se entreabriam.
É verdade que o mundo
Parece que ‘tá virando
De cabeça para baixo
Com tanto fato assombrando
A população humana
Que pouco está se lixando.
O planeta terra é
O nosso lar temporário
Viajamos pelo cosmos
Em nosso jardim solário
Nos sentindo os melhores
Em qualquer fuso horário.
Ao chegarmos ao planeta
Tudo aqui já existia
Rios mares e florestas
Gente bicho e eu diria
Que a origem de tudo
Não foi ato de magia.
Diz que Deus nos fez de barro
E soprou em nossas ventas
Fez a cópia de si mesmo
Um ser que se auto-ostenta
Que irá virar poeira
Pois a vida não o sustenta.
Talvez eu esteja louco
Por blasfemar tanto assim
Pouco me importa o castigo
Quero é sair de mim
Paraíso artificial
Do começo até o fim.
Ver Deus na televisão
Falando através de um homem
Que se diz ser enviado
Mas não lembro o seu nome
Prometendo curar tudo
E acabar com a guerra e a fome.
Um céu forrado com nuvens
Um banho de cachoeira
O canto dos passarinhos
O fogo de uma fogueira
Uma vida bem melhor
Com amor e brincadeira.
Disse também pr’eu ligar
Pr’um número fornecido
Fizesse uma doação
E encaminhasse um pedido
Após orações horárias
E aguardasse o prometido.
Nessa hora a TV
Deu um pipoco e explodiu
A luz de um ‘poltergaister’
Como um raio subiu
E uma voz lá no alto
Lhe causou um arrepio.
– Você é bobo – disse Deus –
Em crer na televisão
Tudo nela é produto
Pra sua consumação
Quem crer nela ‘tá roubado
Vira otário de plantão.
– Mas o senhor é culpado –
Retrucou o maconheiro –
Devia acabar com tudo
Principalmente o dinheiro
Todos os males do mundo
Escoar pelo bueiro.
– Se o mundo fosse assim
Do jeito que você quer
Nada iria prestar
Folga folia ou mulher
Nem comida nem bebida
Seria um tédio ‘Mané’.
– Imagino o Senhor
Só vendo o mundo passar
Galáxias ao seu alcance
Com seus planetas a girar
Com estrelas e meteoros
Somente para brincar.
– Eu trabalho todo dia
Só descanso aos domingos
Que tiro pra ir no Inferno
Jogar um pouco de bingo
Namorar com as diabetes
Pra ver se não me extingo.
– Que pecado meu senhor
Pensar uma coisa dessas
Estou decepcionado
Com essa sua conversa
Na verdade eu pensava
Que o senhor não entrava nessa.
– Eu fiz a mulher um dia
Em que Adão tava triste
Pra lhe fazer companhia
E apontar o dedo em riste
Mas se deixar enganar
Pela serpente foi chiste.
– Eu não entendo o senhor
Acho que estou doidão
O senhor fala uma coisa
E o meu cérebro diz não
Não isso não é possível
Só pode ser ilusão.
– O amor é a invenção
Mais importante da vida
Por isso mandei meu filho
Ser uma ovelha abatida
E isso em mim até hoje
Não fechou suas feridas.
– Aprendi desde menino
Que Deus é misterioso
Está no alto infinito
Com um olhar curioso
Quem não lhe obedecesse
Ia pro inferno ardoroso.
– Proibir de fumar maconha
Tomar cachaça e cerveja
É uma grande babaquice
Quem inventou foi a Igreja
Agora preste atenção
Pare me ouça e veja.
– Rezei muito ajoelhado
Com uma vela na mão
Menino desesperado
Na primeira comunhão
Com medo de ser mandado
Para o caldeirão do cão.
– Isso é invenção dos homens
De atitudes caretas
Com paletó e batina
Cassetete e baioneta
Que também me transformaram
Num velho chato e ranheta.
– Ninguém crerá no que ouço
O fumo ‘tá batizado
Com haxixe da Bolívia
Ou então ‘crack’ pisado
Meus miolos estão fracos
Eu vou cair desmaiado.
Deus o pegou pela mão
E levou ele pro céu
Quando ele abriu os olhos
Gritou num grande escarcéu
– O mundo é uma roda gigante
Girando num carrossel.
Eu morri e virei alma?
Por que estou flutuando?
O que o senhor fez comigo?
Eu não estou acreditando!
Não sei se tudo é verdade
Ou se estou delirando.
– Tudo é um pouco de tudo
Você sou eu e eu você
Sua mente é a fortaleza
Que abriga o seu ser
Se você crê nisso tudo
Com certeza irá me ver.
Salvador, novembro de 2006.