Roberval Farias estava dirigindo, no meio do caminho de volta para casa,
retornando de uma reunião no parlamento, quando notou que se esquecera de abastecer o carro. Para o seu azar, encarou um inesperado engarrafamento, e viu o seu automóvel parar, consequentemente, ficando preso na pista.
Desesperado para chegar a uma reunião que poderia lhe render muito dinheiro – caso oferecessem a propina que esperava –, decidiu descer do carro, empurrá-lo até o acostamento e caminhar, mesmo de terno e gravata, em direção ao ponto de ônibus mais próximo, que ficava numa praça pouco movimentada nos arredores.
Chegando à praça, se deparou com um rapaz de regata a pingar de suor em razão da quentura do verão.
“Calor do diabo!”, reclamou o engravatado, com um olhar condescendente.
“É, tá um fogo aqui…”, respondeu o sujeito.
“Acredita que deixei a gasolina do carro terminar? Que idiota eu sou. Tiver aqui até aqui pegar um ônibus para resolver um assunto logo.”
“Ao menos o senhor tem um carro e terá de vir só hoje. Imagine ter que viver pegando ônibus todos os dias? É um inferno! Acredite em mim.”
“Pois é. Andar de ônibus aqui é uma putaria. País cheio de bandido burro e
vagabundo.”
“Ah, mas não é assim não! Você é que pensa… Os bandidos são correria. Alguns entram pro crime por discaração ou perversidade, é verdade, porém, a maioria entra porque tem que ajudar na correria de casa.”
“Ah, faça-me uma garapa! Sinto falta dos traficantes fodões de antigamente, que aterrorizavam, mas davam lições. Dividiam tudo em grupos, sabiam se organizar e lidar com a polícia. Agora os traficantes são bestas violentas que perdem tempo se importando com porra de ostentação e música fodida.”
“A música é o entretenimento que faz a gente esquecer”, argumentou o moço.
“Ah! Vai me dizer que você gosta dessa coisa toda? Meu Deus! Me explique,como isso é possível? Sinto saudades da época em que traficante matava quem lhe ameaçava e investia na educação das crianças da comunidade, não na orgialização social por meio da música. É tudo culpa dessa música popular que chamam de cultura.
Entendeu? ‘Orgialização’, essa foi boa, não foi?”
O rapaz sentiu indignação, a até cogitou dar uma bela surra no presunçoso
magnata, mas, de repente, começou a chorar.
“O que foi? Por que está chorando?”, perguntou o burguês, ensopado.
“Assim você me fode! Traficante também tem sentimentos… Eu aqui, dando o maior duro para agir de forma honesta, ainda que na ilegalidade, e assim proporcionar bons momentos para a minha família, e você aí, um representante do povo, fazendo do nosso horror um entretenimento. É difícil ser fodão quando a gente tem sentimentos e filhos pra cuidar. Eu, por exemplo, vivo tentando ser implacável, mas tem que ser muito sangue ruim para mandar acabar com a vida de pessoas que tem famílias e seguram a maior barra, igual a gente” – enquanto falava, gaguejava com o olhar lacrimoso.
“Oh! Meu Deus, você é mesmo um traficante? Veja só como os traficantes estão… Deixa eu te ensinar: BANDIDO NÃO CHORA! Não aprendeu isso? Você é um amador, filho! Um amador! Você deve ser duro. Você precisa botar ordem na porra toda para fazer valer o seu poder e prestígio. Nunca leu Maquiavel? Os bandidos antigos é que eram verdadeiros. Possuíam valores. Não tinham essa coisa de cantar música e tirar foto na Europa não. Você não pode se importar com os outros se quiser ser respeitado no crime.”
O sujeito permaneceu irritado, no entanto, as suas lágrimas cessaram. Apesar de sequer ter escolhido se tornar o que era, sabia que os magnatas eram perigosos, e por isso decidiu manter a seriedade e evitar contato até que fosse embora dali. Ainda tinha algumas encomendas para entregar, provavelmente no bairro do figurão que lhe condenava. “Talvez o meu cliente seja filho deste homem”, pensou.
“Traficante com sentimentos não dura muito. Você tem medo de morrer?”,
continuou o engravatado.
“Claro que eu tenho. Como dizia minha vó: ‘quem tá vivo pode morrer’. E você?
Não tem?”, retorquiu ele.
“Eu não! A minha vida eu gasto, igual a palito de fósforo.”
“Faz bem.”
O rapaz avistou o ônibus que esperava, e levantou a regata que vestia, para retirar, da carteira que guardava no bolso da bermuda, o dinheiro da passagem. Foi o tempo necessário para que o engravatado, supondo uma autodefesa, sacasse do paletó
uma pistola com silenciador e atirasse na sua testa, bradando:
“Bandido bom é bandido morto.”