Os olhos do menino eram duas jabuticabas: pretos, redondos e doces.
Abriam, fechavam, sorriam, choravam. Lágrimas de verdade e de mentirinha também.
Soltas… sozinhas… de montão!
Somente à noite é que descansavam para, no outro dia, verem mais ainda. Só eles
sabiam quanta coisa boa existe pra gente ver.
Uma noite, o dono dos olhos, muito aborrecido, chamou sua mãe e falou:
– Hoje os olhos não querem dormir. Eu fecho, eles abrem. Eu tranco, eles piscam. Me
conta uma história pra ver se ficam quietos…
A mãe tentou se lembrar de alguma história, mas sempre se atrapalhava no final.
Ficou aflita. Caminhou em direção à janela e puxou a cortina, querendo escurecer o quarto.
A cortina estampada mostrava barquinhos de todas as cores: verdes, azuis, cor-de-rosa…
A mãe, observando os barcos, teve uma ideia genial: inventar uma história.
Pensou, pensou, e começou a contar assim:
“Era uma vez uma porção de barquinhos muito sossegados. Todos tristes que nem passarinho preso na gaiola.
Dava pena de ver.
Um dia, um dos barquinhos, justo o menor, cansou de ficar parado em fila e resolveu fugir. Falou isso pro barco vizinho, que falou pro outro, que falou pro seguinte. Foi aquele zunzum de barquinhos cochichando. Depois as velas se abriram, os cascos empinaram e os mastros espicharam o pescoço pra ver se enxergavam mais alto.
Todos os barquinhos fugiram pro mar.
Os ventos sopraram, fazendo tremer os panos coloridos. Ondas gigantes ameaçaram devorar as proas, brincando de tubarão.
Os barquinhos iam… vinham…
vinham… iam…
no mar.
Eram um… dois… três… quatro…
cinco barquinhos…
a navegar.
As ondas iam… vinham…
vinham… iam…
pra lá e pra cá.
Os barcos subiam… desciam…
desciam… subiam…
em alto-mar.”
A mãe fez uma pausa na sua história e espiou os olhos do menino. Lá estavam eles fechados, quietos, no jeito de quem dorme. A mãe sorriu satisfeita.
Levantou-se pé ante pé, pisa aqui, ali… Já ia alcançando a porta, quando os dois grandes olhos se abriram de repente.
– Mãe, e pra onde foram os barquinhos?
Ela voltou resignada, sentou-se ao pé da cama, deu dois suspiros bem fundos e pôs-se de novo a imaginar. As ideias foram chegando, crescendo, ficando fortes, e a mãe terminou a história assim:
“Longe, longe foram os barquinhos,
caminhando sem direção.
Correram devagarzinho
China, África e Japão.
Numa ilha chegaram,
era a Ilha do Tesouro.
Lá, piratas enterraram
muita prata, muito ouro.
De que adianta encontrar
tanta prata ou dinheiro?
Bom mesmo é navegar,
ser barquinho aventureiro.
Eram cinco barquinhos
como os dedos da mão,
por certo bem juntinhos
no mar ainda estão.”
A mãe se calou. Deu outra espiadela no filho. O menino agora dormia. Dormia e
sonhava, viajando…
viajando…
viajando…