Seu pé pisa no assoalho envelhecido da minha entrada, ultrapassa o rodapé e empurra um pouco mais o acesso pontuado por rachaduras – por onde entram as luzes – e facilidades. Sim, facilidades. Mas sempre que sua sola faz barulho ao aportar na porta, você recua, balança a cabeça e esconde os olhos. Por vezes, parece julgar o fato de não ver fechaduras e dobra-duras. Então, enquanto ainda está empurrando tapetes em entrelinhas, deixe-me pontuar o que é elementar.
O primeiro detalhe fundamental que tenho a deixar como sirene é: só entre se estiver valorizando essa tal da facilidade. Charadas e retrocessos não são atrativos para quem acorda lembrando que o raro só é raro para quem aceita o pouco como muito. A cada vez que seus calcanhares batem em retirada pela sede do mistério, mais a greta vai ficando menor, mais a minha facilidade vai ficando só com ando. Porque o que atrai quem quer transbordar, é o poder caber.
Pode – e vai – ter um montão de montanhas, afinal, se não tiver, é porque não está olhando direito e, se não está olhando direito, é porque não está sentindo de fato. Mas tropeçamos é nas pequenas pedras. Montanha a gente escala. E só é fácil o que é honesto. Quem acha que a-guardar e omitir é não magoar, acaba magoado, mata a base. Só aceito o que no for, é-ser.
Esse negócio de dizer que o que vem fácil, vai fácil, é puro embaraço. Só ocorre assim para quem não rega depois de receber a horta. O amor, só é amor, se construir fácil. A paixão, só é paixão, se voltar fácil. O talento, só é talento, se fluir fácil. O encanto, só é encanto, se nascer fácil. O prazer, só é prazer, se durar fácil. O fácil é o único tipo de pé que faz valer a caminhada nas pedras. O que pede demasiado ardor e vem com um apanhado de barreiras, só é tesouro se, no fundo, ou melhor, no caminho, desembaraçar fácil. Paciência somente para o que der paz e ciência. Por isso, senta aí e vamos papear sobre o inadmissível. Depois, se formos um único barco, vamos engolir mar, porque só assim poderemos respirar.
Ser fácil é dançar dos dois lados sem largar os passos de cor do próprio. A complicação irreversível é a do engano. O truque para segurar é deixar tudo em liberdade para escolhas através da própria verdade que emite – e ela só existe, se vier, sim, com cobranças. De resto, é sensato demais, comedido demais, estabilizado demais. E, então, é falso demais. De resto, é difícil. O difícil nunca arromba a porta, porque só se arromba porta aberta, nenhuma outra pode ser quebrada, nem mesmo com ludibriação. A porta aberta é casa, e casa não é caça. Caça nunca vai ser amor. E só entra aqui quem não tem arma, só dura.
(Vanessa Brunt | @vanessabrunt)