O som do triangulo se aproxima, é canto fantasia de criança. — Tabocaaaa… O menino com a sacola nas costas volta pacientemente, abre o vasilhame de alumínio e tira de dentro a magia, mistura de farinha e sonhos. Mãos inocentes, de olhar boquiaberto suspiram. Sonhos doces se desmancham rápido. Alguns prolongavam o tempo, partindo o sonho em pedaços adiando a alegria por mais um tempo. Foi assim que Rosa ensinou a filha desde pequena — quando os momentos felizes se aproximam, nós temos que saborear devagar, senão eles somem, demorando o tempo de outros. Por isso, ela partia a taboca em pedacinhos miúdos e, colocava na boca durante o dia longo, fechava os olhos, aproveitando todos os sentidos nesse momento.
Rosa observa a filha crescendo em tamanho, os seios despontando desejos da idade. Era uma menina bonita, negra, por isso, imagine só o despautério… era isolada pelos colegas. Chegada a fase dos bailes, pedia que a mãe a levasse. Ela ia. Assistia a filha sentada sem nunca ser chamada para uma dança que fosse. Rosa sofria ao ver os olhos da menina esperando a dança, querendo também ser gente, igual às colegas de cor branca. Rosa um dia se encheu de coragem, confessou a filha uma infâmia da sociedade — Você é uma linda menina minha filha, não existe problema com sua aparência, sim com a nossa sociedade, algumas pessoas pensam que são melhores que as outras, a cor da pele ainda continua sendo motivo de exclusão, tratamento desigual. — Continuou na explicação — Antigamente minha filha, os homens negros ainda queriam a nós, mulheres negras, hoje em dia muita coisa mudou, elas se tornaram piores, os negros de tanto ser humilhado começaram a querer ter mulher branca, para se sentirem gente que nem eles, os filhos saem mais claros e nunca são afrontados. Sabe o que acho disso tudo, eles são uns covardes, nos abandonaram nessa luta. Erga a cabeça, estude, assim enxergam tua beleza, te respeitam. A menina desistiu da dança, sua paixão eram os livros. Era a melhor da turma desapontando os professores, com o tempo foi se destacando longe da cidade, ganhou bolsa para outro país. Começou a ser citada em artigos acadêmicos. Imagine os brancos que se achavam superiores, terem que estudar os artigos de uma mulher negra… Foi uma grande conquista. Passados os tempos ela chega de férias a casa da mãe, traz uma amiga negra. Rosa está feliz, uns dias com a filha bem perto. A mãe vai saboreando aos pedaços essa alegria, a menina passa os dias pelo mato, aparece só nas refeições. Tem pouca prosa com a mãe, parece querer contar o não dito. Uma noite a mãe acorda vai ao quintal ver a lua cheia. Noite clara. Parece dia. Vê a filha e a amiga, despidas, trocando intimidades, libertas.