Como formiga que transporta florestas
sobre infalível lombo seco e quase ausente
Como o subterrâneo que a abriga
invisível, sob violentos passos apressados
Como desprezível a matéria que lhe pesa
sobre a carne mínima mais que pesa a carne,
assim o velho catador:
Puxa a carroça do tempo
sobre o dorso que de frio já se ausenta
Deixa para trás a cidade livre das carcaças do consumo
que erigem do velho catador a casa
Sobre o subterrâneo coração, peito e cidade arfantes
de puxar a engrenagem de tornar o velho em novo em velho
Sobre sua cama de papelão, nenhum sonho de concreto
sob a chuva num bairro do centro, todos os olhos dos poetas
assim o velho catador:
puxa a carroça do tempo
sobre o peito que pouco calor inspira
Sobre subterrâneo coração, assenta as pedras cidade
e torna em casa as ruas estreitas por onde seu corpo estira
Deixa para trás a cidade livre das palavras da eternidade
sobre sua cama de papelão, sonho algum se pereniza
Assim o sonho do poeta:
Como formiga transcrever florestas
invés de chaminés transcreverem nos céus a cidade
Transportar-se invisível na carroça do tempo
que puxa a engrenagem de tornar a arte ao lixo o lixo à arte
Deixar para trás a vaidade de todo poético intento
de escrever sobre papel branco a estreia de sua novidade
E sobre este coração suburbano, assentar o esquecimento
pois a chuva do bairro do centro leva a dor a qualquer parte
E sobre o monturo de papelão, acumula poeira e silêncio
Nos olhos do velho catador, poesia e guerra levantam estandarte.