Guardo em meu peito estilhaços deixados pelo amor, ou pela minha falta de amor próprio. Vosso pai desde o início do nosso namoro sempre fora dado a garanhão. Não conto as diversas traições, das quais as lágrimas sequei, mas as marcas infelizmente guardei.
Minha filha escutai palavras de minha boca. Pois, um segredo agora vou revelar. Meu primeiro filho, eu perdi. Não sei ao certo o sexo, pois o feto tinha pouco mais de um mês. Vosso pai, que na época já me namorava há três anos, não aceitou a minha gestação de bom grado. E quando eu fui surpreendida com a perda do bebê. Com medo, fugi de casa. E vossos avôs foram atrás de mim.
Eu esperneava. Teimava em não querer ir. Dizia que só voltaria para casa quando o vosso pai retornasse da roça. De certo, eu era ainda muito moça, iludida com as coisas. Vosso pai foi ao meu encontro somente no hospital. Onde me encontrou ainda coberta de sangue. Vossa avó me forçou a fazer repouso. Vosso pai sumiu no mundo. O mundo é grande e pequeno.
Foi então que eu soube que vosso pai continuava a aprontar das suas. E com uma dona de longe desfilava pelas ruas. Uma ferida se abriu no meu peito. E ainda chorando de amor, nosso namoro, eu terminei. Nesse período, conheci outro moço. O qual se apaixonou por mim. Eu confesso que tentei esquecer vosso pai. Mas a dor da perda de um filho gritava em meu peito.
Vosso pai não demorou a procurar-me. E chorando me pediu perdão. Por desejo ou descuido, eu me encontrava grávida de novo. Fizemos planos de casamento. Já estávamos noivos há mais de um ano. O fato é que casamento não saiu. Permaneci na casa dos meus pais. Onde você nasceu.
E vosso pai continuava pelo mundo. E às vezes nos visitava. Um ano depois, estávamos na mesma cidade. Em casas separadas. Eu insistia no casamento. Vosso pai alegava que não tínhamos condições de nos casar. Eu achava irônico, pois até filha já tínhamos. As visitas de vosso pai eram rápidas. Eu o olhava e não mais o reconhecia. Eu o tocava e não o sentia. Não sei ao certo se o que eu via era verídico ou ilusão. Nos olhos dele, eu ainda via amor. E vosso pai ficou tão transtornado que se perdeu tanto de nós, se afastou de toda vida, se fechou, se devorou.
De um boato em outro, eu ficava a par das saídas noturnas de vosso pai. E dentro de mim, aos poucos, as más línguas semeavam a desconfiança. Foi então que vosso pai mais uma vez seguiu viagem, me deixou com vosso berço. O meu tormento começou. Das bocas alheias, eu fiquei sabendo das traições. Desesperada, pelas ruas, saí pensando na morte, mas a morte não chegava. Vivi dias de cobra da maior humilhação.
Terminei mais uma vez nosso relacionamento. Mas por amor, medo ou fraqueza, logo retornei. E vosso pai prometeu-me ser fiel. Um ano depois, houve rumores de uma suposta traição com a dona de longe. Da qual verdade ou não, eu não consegui esquecer. Em um momento de fraqueza a procurei, queria ouvir de sua boca que aquilo não passava de boato, que de meu marido não queria mais saber. Olhei para a dona ruim, os olhos dela gozavam. E meses depois mais uma vez, nosso relacionamento, eu terminei. Segui minha vida. Em outros braços me entreguei. Vosso pai enlouqueceu.
Não sei se por fragilidade ou amor, o seu choro eu não suportei e para vosso pai mais uma vez eu voltei. E dentro de mim, um inferno eu vivi. O amor morreu. O toque de suas mãos em meu corpo riscava a minha pele como espinhos. Um desagradável maçar com carinhos. O mel se tornou fel. A entrega transfigurou-se em repulsa. Em umas das tentativas de reconciliação, com esse vestido de renda vermelha vosso pai me presenteou. Não teve vestido, nem tentativa que me fizesse continuar com aquela situação.
E mais uma vez, uma decisão eu tomei. Mas dessa vez fui firme. O meu caso com vosso pai finalmente terminei. Agora, vestida nesse vestido de renda de colo mui devasso, ao qual de presente do vosso pai eu ganhei, eu te desejo uma boa-noite. As escadas eu vou descer. Deixo-te um beijo. Tenho pressa. Lá em baixo, na sala, meu namorado espera.